Por que um casal chinês resistiu 3 anos à construção de um shopping?

28/10/2020 às 15:003 min de leitura

Em 1º de outubro de 2007, a República Popular Chinesa aprovou a Lei de Propriedade após 3 deferimentos ao longo dos anos. A lei estabelece que não há terras privadas no país, pois tudo pertence inteiramente ao Estado, que apenas concede aos seus cidadãos direitos particulares sob essas “terras urbanas” por um determinado tempo. As terras rurais são alugadas pelo governo por períodos de 30 anos, sendo reservadas para fins agrícolas ou habitacionais, servindo como gerador de renda para agricultores.

A comunidade jurídica chinesa demorou para aprovar a lei, pois temia que apenas uma lei cobrindo tanto as propriedades estatais quanto as privadas facilitaria a privatização. Eles não estavam errados. O governo possui um forte laço com desenvolvedores ricos, que derrubam sem qualquer aviso prévio as casas de centenas de habitantes de um determinado local para abrir caminho a um novo prédio, centro esportivo ou zona industrial.

O problema de uma nação

(Fonte: AsiaNews/Reprodução)
(Fonte: AsiaNews/Reprodução)

Há décadas que o governo da China e as construtoras têm simplesmente desapropriado os habitantes de suas casas para dar espaço a projetos de desenvolvimento urbano. Cerca de 43% das aldeias em toda a China já sofreram com os despejos forçados. Desde 1990 até 2000, aproximadamente 40 milhões de agricultores chineses perderam suas casas, sendo que desde 2005 o governo tem-se apropriado anualmente das terras de 4 milhões de cidadãos chineses.

A maioria desses milhões de hectares confiscados pelo governo é uma maneira que a China encontrou para desenvolver os fundos emprestados para financiar pacotes de estímulos econômicos durante a crise. Além de receberem pouca ou nenhuma indenização desses empresários, as pessoas ainda precisam lidar com a violência e a intimidação.

Em entrevista ao Los Angeles Times, um morador de Xangai relatou que foi acordado no meio da madrugada com uma equipe de demolição que derrubou a porta de sua casa. Eles começaram a jogar na rua seus móveis e destruir as paredes a marretadas. Quando o morador tentou detê-los, levou um chute no estômago e foi ameaçado de morte.

(Fonte: Insider/Reprodução)
(Fonte: Insider/Reprodução)

As empresas de realocação costumam contratar bandidos para lidar com os residentes que se recusam a aceitar as indenizações mesquinhas. Muitos acabam sendo espancados até cederem à oferta ou simplesmente acordam com a casa em chamas.

Em outra declaração ao Los Angeles Times, um idoso declarou: “Eu saí por alguns minutos pela manhã e, quando voltei, trabalhadores estavam jogando meus móveis em um caminhão e demolindo a minha casa. Meu irmão, que estava doente, dormia quando eles entraram e apenas o enrolaram em sua esteira de dormir, jogando-o no caminhão como se ele fosse um móvel”.

Esse tipo de abordagem truculenta e opressiva é totalmente ilegal no país, porém as vítimas não possuem nenhum meio de recorrer a isso, tampouco recursos financeiros para poder pagar advogados que os representem diante dessas situações. Então, tudo o que os resta é aceitar ou protestar, como tem acontecido bastante pelo país.

A “casa de prego”

(Fonte: The Atlantic/Reprodução)
(Fonte: The Atlantic/Reprodução)

Em 26 de fevereiro de 2007, no município de Chongqing, na China, uma imagem curiosa chamou a atenção da imprensa local: uma casa em meio a cidade ilhada em um buraco de mais de 10 metros de profundidade que compunha o canteiro de obras de um shopping center.

O caso rapidamente viralizou e, de repente, a chamada “casa de prego”, em referência a um prego teimoso que se recusava a ser arrancado, estampou manchetes pelo mundo todo. Os moradores eram o casal Wu Ping e Yang Wu, que enfrentavam o mesmo problema que muitos cidadãos do país: a desapropriação de terras. O fosso foi escavado para força-los a sair, mas não adiantou, mesmo com a água e eletricidade interrompidas, eles permaneceram no local (desde 2004).

(Fonte: Amusing Planet/Reprodução)
(Fonte: Amusing Planet/Reprodução)

A construtora do shopping center, que teria 6 andares, chegou a oferecer uma quantia milionária, mas o casal insistiu que não se tratava de dinheiro. “Eu prometi que vamos lutar até o fim”, disse Wu Ping aos jornalistas. “Mesmo se tivermos que desistir de nossas vidas, não vamos nos mover. Esta propriedade é nossa”.

(Fonte: Nail House/Reprodução)
(Fonte: Nail House/Reprodução)

Como o caso era um protesto político, rapidamente o governo chinês fez o seu papel de decretar que o assunto não poderia mais ser discutido, principalmente pelas mídias nacionais. Ainda assim, os veículos internacionais continuaram a dar visibilidade e voz à família indignada, além dos blogs chineses manterem informada a população que havia-se afeiçoado à causa.

Hasteando a bandeira

(Fonte: ZonaEuropa/Reprodução)
(Fonte: ZonaEuropa/Reprodução)

Uma vez que todos os olhos estavam voltados para a situação, a construtora decidiu enfim levar o caso até o Tribunal Distrital de Jiulongpo, onde o juiz decidiu que a família deveria deixar a residência até 22 de março daquele ano.

Revoltado, em 19 de março, Yang Wu voltou para a sua casa determinado a resistir. Ele se infiltrou pelos portões do terreno e usou duas estacas para fazer buracos na porção de terra que sustentava a casa para conseguir escalar.

(Fonte: ZonaEuropa/Reprodução)
(Fonte: ZonaEuropa/Reprodução)

Uma vez dentro da casa, Yang Wu foi até o teto da construção e pendurou uma faixa que dizia: “Propriedade legal dos cidadãos não pode ser violada”, visto que a família terminou em 2004 de legalizar o imóvel, no mesmo ano em que o transtorno começou. Durante 11 dias, uma multidão cercou o terreno para ouvir os protestos do proprietário, que sobreviveu com galões de água mineral, sacos de comida e botijões de gás que eram içados por ele para dentro da casa através de uma corda.

(Fonte: Reuters UK/Reprodução)
(Fonte: Reuters UK/Reprodução)

Entretanto, infelizmente, o protesto do homem não durou muito quando ele foi evacuado da casa em 2 de abril de 2007 sob força policial. A residência construída em 1993 foi demolida, pondo um ponto-final na história que era apenas um recorte de todo o drama social vivido por milhares de cidadãos chineses que sequer sabem se terão moradia para o resto de seus dias.

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