Calado: como foi a experiência de passar uma semana sob voto de silêncio

23/10/2015 às 15:207 min de leitura

Quarta-feira, dia 14 de outubro. "Isso vai ser muito chato" foi a primeira coisa que minha namorada disse ao chegar em casa e tentar estabelecer uma conversa normal. Apesar de ter contado para ela antes do feriado que eu entraria em voto de silêncio, no fatídico dia eu não havia falado absolutamente nada – por motivos óbvios.

No entanto, não foi tão chato assim e eu sabia que, mais do que tudo, seria um período muito interessante. Quando a pauta apareceu, sugerida pela Daiana Geremias, colega aqui da redação, não havia uma pessoa definida para "conduzir o experimento" – a própria Daiana se prontificou a fazer, caso não aparecesse alguém. Foi aí que eu entrei na história.

A média de palavras proferidas por homens e mulheres em um dia varia bastante e eu não estou muito longe dela. Ainda assim, gosto de falar, discutir, argumentar e trocar ideias – poxa, fui até orador da turma na formatura do jardim III! –, então passar sete dias de boca fechada seria um desafio. Mesmo assim, me voluntariei e vou contar para vocês como é a experiência de passar uma semana sob voto de silêncio.

A motivação para... Bem, calar a boca

Antes de começar a trabalhar aqui na redação, me inscrevi em um curso para a aprender sobre a técnica de meditação Vipassana. Não sou um cara religioso, mas, depois de um começo de 2015 um pouco conturbado, achei que seria uma boa ideia ficar afastado do smartphone, da internet e desse ritmo louco durante uns dias.

Um dos pilares do curso é o Nobre Silêncio – o silêncio do corpo, da palavra e da mente. Os participantes estão proibidos de se comunicar, seja por meio de gestos, palavras ou notas escritas, além de não ser permitido também o uso de aparelhos para ouvir música ou até mesmo ler livros.

Isso é importante para que você consiga realmente se concentrar no que você está fazendo e conseguir acalmar a atividade cerebral, algo essencial para reorganizar as coisas dentro da cabeça.

Eu não consegui participar do curso, infelizmente, mas vi na pauta do voto uma oportunidade de tentar incorporar um pouco desse silêncio na minha rotina. Então, não era só substituir a fala por WhatsApp e mímica: era ficar calado, da forma que fosse.

Ainda assim, era um voto de silêncio: eu não estava terminantemente proibido de falar, eu simplesmente optei por não falar – e por diminuir a comunicação por outros meios ao mínimo necessário, afinal eu continuaria trabalhando, e foi aí que a coisa ficou engraçada.

Os primeiros desafios de ficar com a boca fechada

Antes de qualquer coisa, devo confessar: sim, eu falei enquanto estava no voto de silêncio. Mas calma lá, porque foram três situações bem específicas e, com exceção de uma delas, duraram menos de um minuto.

Acordei na quarta-feira normalmente, decidido a seguir à risca o voto. Fiz um anúncio no Facebook para que os mais chegados não achassem que era falta de educação ou qualquer coisa parecida – e talvez tenha sido a pior decisão que eu tomei em todo o período, já que tenho colegas de trabalho que ficaram realmente empenhados em me fazer quebrar o voto. Volto nesse assunto logo mais.

Como venho trabalhar de bicicleta, já não passo por situações de socializar com a galera do ônibus, por exemplo. Mas, chegando no escritório, uma feliz coincidência: no exato dia que eu decido calar a boca, uma pauta superimportante aparece.

Enquanto o meu xará Igor, editor do TecMundo, explicava do que se tratava, eu simplesmente concordava com a cabeça, me esforçando ao máximo para que ele não achasse estranho o fato de eu não ter dado um pio frente à dimensão da coisa toda. É lógico que não deu certo.

"Ele não pode falar!", explicou a Raquel, editora aqui do Mega, ao ver os outros me olhando com estranheza por não ter emitido um som sequer. "Pô, não pode? Tá, a gente dá um jeito. Pode usar Skype?". Acenei que sim com a cabeça.

A coisa desenrolou um pouco e uma reunião foi marcada para a quinta-feira. Nela, fui agraciado com 30 minutos de "férias" do silêncio. Essa foi a primeira situação, mas, depois disso, voltava tudo ao plano e eu ainda tinha um final de semana pela frente.

Os sintomas que apareceram

Não precisei de muito tempo: logo no primeiro dia, percebi que o ato de falar, para mim, não era uma necessidade, mas um hábito. Muita gente me disse: "Eu não conseguiria. Se eu não falar, morro sufocado(a)", mas tive a impressão de que a coisa não é bem assim.

Não é como se nós tivéssemos um reservatório de palavras dentro da gente que precisa ser esvaziado de tempos em tempos. A necessidade de falar como forma de dar vazão às centenas de milhares de pensamentos é criada por nós mesmos. Ninguém nos obriga a falar tanto. Foi aí que eu senti um pouco mais de calma: eu não precisava falar se não quisesse, simples assim.

Isso parece ter virado uma chave no cérebro que, em vez de processar o que eu deveria falar, processava o que precisava ouvir – e nisso veio um segundo sintoma: inevitavelmente, passei a escutar com mais atenção o que os outros vinham me falar. É claro que eu não tinha muita escolha, mas não era simplesmente ouvir, era realmente absorver o que os outros diziam. Sem argumentação, sem interrupções, nada – apenas escutar.

As desvantagens de fazer um voto de silêncio

Uma das grandes dificuldades em fazer um voto de silêncio enquanto você toca sua rotina normalmente (na medida do possível) é que suas respostas para questionamentos se limitam a três opções: sim, não e talvez. Nada mais elaborado que isso pode ser feito, por mais que as pessoas insistam – e elas insistem. Muito.

Minha namorada começou detestando o experimento, mas depois de perceber que poderia falar sem ser interrompida e que eu obrigatoriamente deveria ouvi-la, acho que acabou tomando gosto pela coisa. O problema é quando seus amigos e colegas de trabalho resolvem arquitetar planos extremamente elaborados para te fazer falar.

Como a Raquel disse na matéria que antecedeu o meu relato, aconteceu de tudo: perguntaram sobre minha vida, minha família, me faziam rir e chegaram a ameaçar usar uma raquete elétrica de matar mosquitos – qualquer semelhança com tortura é mera coincidência. Por outro lado, isso também serviu para que os sete fatídicos dias passassem de forma mais leve.

Parte da turma empenhada em me fazer quebrar o voto de silêncio – e me arrepender de avisar que eu tava nessa

De qualquer forma, por saber que eu estava extremamente limitado nas formas de expressão, evitei me colocar em situações em que sabia que seria forçado a elaborar um pouco mais minhas respostas, como pedir comida em um restaurante sozinho, chamar um táxi ou qualquer coisa parecida.

Lembro também que o voto de silêncio não é, nem de perto, uma tentativa de simular a vida de uma pessoa que sofre com algum tipo de limitação que prejudique a fala – algo muito sério e que tem uma profundidade bem maior do que a experiência pela qual eu passei.

O restaurante

Eu disse que evitei ir sozinho aos restaurantes, certo? Mesmo assim, no sábado, passei por uma das situações mais difíceis, quando minha digníssima companheira me perguntou: "Onde você quer almoçar?". Eu adoraria ter podido responder.

De qualquer forma, fomos comer fora. Chegamos no lugar, estampei o meu sorriso mais simpático possível para não parecer rude com o rapaz que nos atendeu. Ele entregou os cardápios e ficou esperando que decidíssemos o que iríamos pedir.

Apontei no cardápio para que minha namorada pedisse por mim. "Eu vou querer um macarrão e uma água", disse ela.

"E o senhor, vai querer o quê?". Foi essa pergunta que fez com que, mesmo esbanjando simpatia, eu me sentisse um tremendo babaca. Eu fiquei olhando para a cara dele com o mesmo sorriso que eu ostentava quando entrei no restaurante, sem pronunciar uma palavra sequer. Eu não sabia o que fazer.

"Ele vai querer esse hambúrguer aqui". Ufa, salvo pelo gongo. Nessa hora, o rapaz devia achar que eu era, no mínimo, maluco. Anotou o pedido e perguntou se podia retirar o cardápio dela e, logo após, me perguntou o mesmo. "Pode também", ela respondeu. Era mágico, era como se eu pensasse e ela falasse.

Depois de terminada a refeição, o atendente veio à mesa e perguntou como estava a comida da minha namorada, que prontamente respondeu que estava ótimo. De novo, o cara virou pra mim e perguntou do meu sanduíche, enquanto me olhava nos olhos. Acho que ele se sentiu desafiado a me fazer falar.

"Tava ótimo também", disse minha namorada, mais uma vez me salvando. Não tirei o simpático sorriso do rosto até sair de lá. Eu e minha companheira parecíamos estar em uma relação de ventríloquo e fantoche – e eu confesso que senti que isso tinha um pouco de trapaça. Por sorte, foi a única situação mais tensa que passei durante toda a experiência.

As vantagens do voto de silêncio

A vantagem imediata de passar tanto tempo em silêncio é que você fica mais calmo. É claro que na maior parte das vezes não é intencional, mas sabe aquela coisa de ficar interrompendo os outros, falar rápido e se perder pensando em um trilhão de coisas ao mesmo tempo? Isso diminui consideravelmente.

O pensamento começa a ficar mais organizado e estruturado: você fala mais devagar e toma o tempo necessário para pensar bem no que vai dizer. Por ter diminuído bastante o uso de WhatsApp, Messenger e afins, eu acabei maneirando um pouco mais no uso do celular também.

Se considerarmos que existem dois extremos, o de falar descontroladamente e o de ficar completamente quieto, e se você acha que se enquadra no primeiro deles, o exercício do voto de silêncio pode ser ótimo para ajudar a buscar um meio-termo. A chave não é parar de falar, mas dar uma "acalmada" nas coisas.

Muito bacana e interessante, mas eu não faria de novo

Embora tenha sido proveitoso e eu tenha conseguido tirar resultados positivos desse período, dificilmente eu faria algo parecido de novo – no caso, não no mesmo contexto, já que pretendo fazer o curso que citei no começo da matéria assim que tiver tempo.

Não é pelo ato de precisar parar de falar, mas porque a rotina de trabalho acaba dificultando bastante as coisas – e porque, também, a vida da gente precisa de um barulhinho vez ou outra.

Ainda assim, acho extremamente válido que as pessoas que têm curiosidade façam um esforço e tentem passar pela experiência. Se não for da forma como eu fiz, que seja através de um curso específico ou com uma viagem. O importante é passar um tempo em silêncio para ouvir o que a sua consciência tem para dizer.

Perguntas

P: Qual foi a última palavra que você disse antes de começar? E você planejou qual seria a primeira que diria assim que terminasse o voto?

R: Realmente não lembro qual foi a última palavra que eu disse e não planejei a minha primeira palavra quando o voto terminou – que, por sinal, foi um "alô" quando minha mãe me ligou na manhã da última quarta. Não senti aquela necessidade de gritar uma palavra impronunciável aqui, mas confesso que eu achei que faria isso.

P: Como você fez para lidar com tarefas do dia a dia, como comprar pão ou perguntar sobre alguma rota de ônibus? E a namorada, como reagiu ao silêncio?

R: Eu evitei ao máximo me colocar nessas situações porque eu sabia que ia ter que recorrer à mímica, o que seria meio ridículo, já que a moça da padaria sabe que eu falo normalmente. Minha namorada detestou no começo, mas acabou achando um pouco mais legal no decorrer da semana.

P: Você podia usar a narradora do Google Tradutor?

R: Hahahaha! Não! Bancar o Stephen Hawking ia ser trapaça. Eu podia usar WhatsApp e outros meios de comunicação escrita, mas evitei ao máximo porque senti que estava fugindo do propósito do voto.

P: Qual foi o momento em que você teve mais vontade de falar? Teve alguma urgência? Afastou alguma amizade?

R: Acho que o restaurante foi bem complicado. Eu queria explicar para o cara o porquê de eu não estar falando, mas não teve nenhuma urgência, ainda bem! Quanto às amizades, não afastou ninguém – pelo contrário, aproximou. Alguns com uma raquete elétrica na mão, inclusive.

P: Quem cala consente?

R: Erm... Acho que não! Hahahaha.

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