Ciência
09/07/2014 às 10:16•3 min de leitura
O Holocausto foi o maior genocídio da humanidade, que resultou em mais de seis milhões de judeus mortos durante a Segunda Guerra Mundial. Os assassinatos em massa dessas pessoas aconteciam em grande parte nas câmaras de gás dos campos de concentração, além de extermínios a tiros, de forma terrível que marcou a História mundial.
Apesar de tantas mortes, muitos judeus conseguiram sobreviver por terem a oportunidade de escapar ou quando foram libertados pelas tropas que lutavam contra os nazistas. Muitos desses judeus contaram a sua história de profundo sofrimento em livros ou programas de TV com detalhes totalmente verídicos.
No entanto, existiu um falso sobrevivente do Holocausto que viu na tragédia de muitas pessoas uma forma de se promover. Essa é a história de Enric Marco Batlle, um espanhol da Catalunha que resolveu se passar por um ex-prisioneiro de um campo de concentração nazista para enganar milhares de pessoas.
Enric Batlle ficou conhecido como um sindicalista, que concentrava suas atividades no movimento educacional como líder das associações de pais, durante o período da Transição Espanhola. A vida pública de Enric começou de fato quando ele se tornou secretário-geral da Federação Catalã em 1977, quando ainda usava o nome Enrique Marco.
Um ano depois, ele foi nomeado Secretário-Geral da Confederação Nacional do Trabalho, encaminhando-se para o V Congresso em 1979. Por diversos fatores envolvidos com fraudes, ele foi expulso da Confederação em 1980. Outro sindicalista que trabalhou com ele na época, disse que pouco se sabia sobre a história de vida de Batlle.
Embora já mentisse desde 1976 sobre uma suposta prisão nos campos de concentração na época nazista, foi apenas a partir do ano 2000 que Enric resolveu intensificar a mentira, quando ele se aproximou de associações de apoio às vítimas espanholas do Holocausto, tanto que chegou a ser presidente da maior organização desse segmento em Barcelona.
Durante este período, ele dizia que tinha sido exilado na França durante a Segunda Guerra Mundial e de lá deportado para o campo de concentração nazista de Flossenbürg (Baviera) para colaborar com a Resistência Francesa. Com essa História enriquecida com alguns detalhes, Enric passou a dar uma série de palestras, principalmente nas escolas, sobre sua suposta experiência como sobrevivente do Holocausto.
Enic Batlle então passou a aparecer em vários programas de televisão, apresentando um suposto "testemunho" traumático sobre o seu envolvimento na Guerra Civil Espanhola, no exílio republicano, na resistência na França, na Segunda Guerra Mundial e nos campos de concentração nazistas.
Como se tudo isso não bastasse, ele ainda representava as vítimas espanholas desses campos em inúmeras comemorações, se tornando um símbolo e até uma forma de ídolo de muitas pessoas.
No início de 2005, Enric fez um discurso emocionado e dramático no Parlamento Espanhol, durante uma homenagem às vítimas do Holocausto e os crimes contra a humanidade. O evento foi marcado por seu destaque nas comemorações da libertação do campo de concentração de Mauthausen-Gusen (na Áustria) com a presença do primeiro-ministro da Espanha, José Luis Rodríguez Zapatero, e o chanceler da Áustria.
Em alguns desses eventos com sobreviventes espanhóis da Alemanha Nazista, estava o historiador Benito Bermejo, que acompanhava esses acontecimentos como uma forma de pesquisa. E, foi graças a ele, que a história de Enric foi por água abaixo. Conversando com algumas das poucas vítimas que sobreviveram ao Holocausto, e que estavam nos eventos, Benito percebeu que elas mal sabiam do histórico de Enric, além do pouco que ele contava.
Então, o historiador resolveu pesquisar mais a fundo sobre aquele homem que se dizia um ex-prisioneiro do campo de concentração de Flossenbürg e confirmou que tudo que ele dizia era mesmo uma farsa. Benito então fez um relatório de denúncia em que afirmou que a história de Enric era extremamente inconsistente e mostrou que ele também nunca tinha sido um exilado republicano na França.
No entanto, era verdade que Enric tinha estado na Alemanha nazista, mas como um trabalhador voluntário no serviço da indústria de guerra alemã (o que era possível por um acordo entre os países de agosto de 1941 para fornecer força de trabalho espanhola à Alemanha), mas nunca havia sido preso por sua "ajuda à resistência antinazista na França", como ele dizia.
Na verdade, ele era um trabalhador contratado da empresa Deutsche Werke Werft de Kiel e, nesta cidade, em 1943, foi acusado de distribuir propaganda orientação comunista a seus compatriotas. Por isso, a Gestapo (a polícia secreta nazista) o prendeu nesse ano (e não em 1941 como ele havia dito), mas depois de apenas três semanas de prisão comum, ele foi devolvido à Espanha, onde passou a trabalhar pelo resto da guerra.
Dessa forma, e verificando algumas outras datas de eventos que não batiam com os ditos nas mentiras de Enric, Benito concluiu que ele nunca havia estado em um campo de concentração e muito menos havia sido um "lutador antifascista”. A farsa foi esclarecida ao público na mídia em 10 de maio de 2005.
Enric teve de convocar uma conferência com a imprensa para reconhecer a falsidade de suas histórias e foi forçado a se demitir da presidência da organização das vítimas do Holocausto. Além disso, ele foi obrigado a devolver uma medalha de condecoração civil que o governo catalão o havia concedido.
Junto com tudo isso, ficou ainda a decepção de milhares de pessoas, pois Enric já havia dado mais de 8 mil palestras contando sobre a sua presença nos campos de concentração, utilizando isso como gancho para alcançar sucesso e, consequentemente, dinheiro.
Mas, apesar de ter reconhecido que foi um erro se dizer vítima da Alemanha nazista, Enric afirma que suas intenções eram boas, dizendo que fez isso para ser mais eficaz em transmitir a mensagem de paz que pretendia espalhar ao mundo.
Toda essa história inspirou um documentário chamado Ich bin Enric Marco, em que o próprio visita o campo de concentração que ele dizia que era prisioneiro e outros lugares em que ele realmente esteve, mas como um trabalhador.