Ciência
30/03/2017 às 04:01•3 min de leitura
Certa vez, no Vaticano, um grupo de trabalhadores encontrou ossos misteriosos enterrados em um dos jardins do lar da Igreja Católica. Eles estavam preparando o solo para uma modernização do sistema de climatização local, quando se depararam com um osso maxilar gigante dividido em quatro partes e mais um dente, que chegaram a acreditar que era de um dinossauro.
O ano era 1962 e, como os ossos não estavam fossilizados, uma investigação realizada por um representante da biblioteca do Vaticano averiguou que na realidade a ossada era de um elefante. O mistério da carcaça do grande mamífero levou quase quatro décadas para ser esclarecido.
Em 1997, o historiador emérito da Smithsonian, Silvio Bedini, publicou os resultados de seus estudos no livro “The Pope’s Elephant” (O Elefante do Papa) e desvendou a história dos ossos achados pelos trabalhadores. A obra é o estudo mais completo sobre o animal que viveu no pátio Belvedere do Vaticano.
Mais do que um simples animal de estimação, o elefante teve um papel na expansão política de Portugal. O nome do grande mamífero era Hanno e ele pertenceu ao Papa Leão X, no início do século 16.
Imagem do papa Leão X
Além disso, Hanno se tornou uma celebridade na Itália. Ele foi o primeiro elefante a entrar no país em séculos, desde a derrocada do império romano, então toda a população desejava estar perto e observar o animal quando havia a possibilidade. Por onde passava, o mamífero atraía a atenção de curiosos e causava confusões, pois as pessoas faziam loucuras para vê-lo: se pisoteavam, caíam de telhados e até derrubavam paredes.
E assim foi durante todo o seu caminho até Roma. O “elefante celebridade” veio da Índia, passando por Portugal, e chegou ao país da bota no inverno de 1514. Como todo animal da espécie, Hanno era lento, mas não tão grande quanto os demais. Seus ombros alcançavam 1,2 metro, e a locomoção pelas estradas esburacadas era ainda mais devagar, pois suas patas ficavam machucadas.
O papel de Hanno na expansão política de Portugal foi justamente o que culminou na sua ida para a Itália. O momento do país era de consolidação no mercado de especiarias, e a monarquia portuguesa estava se espalhando pelo mundo, negociando com as Índias Orientais e a Índia. Foi nesse momento importante do comércio português que Giovanni di Lorenzo de’Medici se tornou o Papa Leão X.
Como o país do Rei Manuel I passou a ameaçar o monopólio que os comerciantes mantinham por terra, e do qual o Egito tirava enorme proveito, o conflito político estava se instaurando. Os governantes egípcios começaram a pressionar o Papa a frear a expansão de Portugal, avisando que estavam no controle de Jerusalém e poderiam destruir templos cristãos sagrados, caso o Papa se posicionasse contra eles.
Uma xilogravura de Hanno de 1514
O rei português então observou uma excelente oportunidade política. Era tradicional da parte de líderes cristãos presentear o novo Papa eleito. Seu objetivo era angariar dinheiro para navios e artilharia e obter a benção do Pontífice para o expansionismo de seu país. Para tanto, Manuel I planejou e caprichou no presente que enviaria ao Papa. Além de tecidos, joias e diversos artefatos em ouro, o líder português enviou animais: um guepardo, leopardos, papagaios, cães diferentes, um cavalo persa e um elefante. O elefante era Hanno.
A chegada de Hanno a Roma aconteceu um pouco antes da programação em que o animal apareceria para o Papa e, no primeiro momento, não causou boa impressão. Com vestimentas incrementadas e uma torre presa às suas costas, o elefante se abaixou dobrando os joelhos e colocando a cabeça para baixo e, assim, atingiu o Pontífice. O animal também jogou a tromba para cima três vezes antes de sugar água e espirrar sobre todos os presentes na aparição oficial, incluindo o Santo Padre. Entretanto, o Papa adorou a apresentação de Hanno.
Apenas 3 anos depois de chegar à capital italiana, o elefante acabou falecendo. De qualquer forma, mesmo com relativamente pouca convivência, ele se tornou o preferido de Leão X. Em carta ao Rei Manuel I, o Sumo Pontífice reconheceu o sucesso que o animal fez entre os habitantes de Roma e ressaltou a ligação que tinha com ele. Hanno, inclusive, foi colocado em uma construção especial no pátio Belvedere onde, todos os finais de semana, recebia visitantes que chegavam apenas para contemplá-lo.
No geral, a visitação ocorria de maneira tranquila, porém em um desfile pela cidade, para o qual o Papa decidiu enviar Hanno, o barulho dos trompetes e tambores incomodou o animal, de maneira que ele se assustou e acabou arremessando o seu guia. Em outra ocasião, um canhão foi o responsável por agitar o elefante, que atingiu e machucou alguns fãs. Já o caso mais grave aconteceu em uma visitação, na qual as pessoas estavam muito apertadas, e alguns membros da nobreza que estavam a cavalo acabaram passando por cima de outros presentes, causando inclusive algumas mortes.
O fim de Hanno foi um pouco trágico, já que ele acabou sendo induzido ao óbito por um tratamento, comum à época, com supositórios contendo altas doses de ouro. O objetivo era tentar recuperar o elefante de uma possível constipação que lhe causava dificuldade para respirar e dores, mas infelizmente a receita deu errado, e ele não resistiu.
Hanno na ilustração encomendada pelo Papa Leão X ao artista Raphael
Para homenagear Hanno, o Papa escreveu um hino dedicado ao animal. Além disso, decidiu encomendar um mural em memória do elefante e garantiu que fosse desenhado pelo pintor Raphael.
*Publicado em 28/10/2015
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