Artes/cultura
18/07/2014 às 09:38•8 min de leitura
É praticamente impossível encontrar alguém que tenha um aparelho de televisão ou um computador e nunca tenha ouvido falar do conflito entre Israel e Palestina – até aqui no Mega Curioso já abordamos a questão. Dessa forma, quase todo mundo sabe que o negócio é sério, já vem se desenrolando há muitos anos e deu origem a muito ódio vindo de ambos os lados.
No entanto, também é possível que algumas pessoas menos preocupadas com conflitos internacionais sintam que não estão por dentro dos acontecimentos e motivos da guerra. Por que motivo Israel começou a invadir o território palestino em Gaza na última semana, após 10 dias de ataques aéreos que mataram ao menos 235 pessoas, muitas delas civis? Por que o grupo militante Hamas está lançando foguetes contra vizinhanças civis em Israel?
Obviamente, a questão não é nem um pouco simples, já que cada um dos lados possui uma versão completamente diferente da história, de forma que qualquer resumo pode soar tendencioso. Ainda assim, o Mega Curioso explicou recentemente em um artigo um pouco da história por trás da disputa e como as coisas chegaram ao que são hoje, que você pode ler clicando aqui.
A seguir, trazemos respostas básicas para algumas das perguntas mais essenciais e complexas do conflito Israel-Palestina. Vale ressaltar, é claro, que este não se trata de um guia definitivo nem de uma verdade absoluta sobre esse complicado tema, mas certamente é um ponto de partida para quem quiser se aprofundar mais.
Embora a disputa tenha muitos pontos relacionados a assuntos religiosos, o fato é que os motivos do conflito não têm relação com crenças, mas sim com a simples questão de a quem pertence qual território e como eles são controlados. Na prática, porém, o negócio envolve assuntos mais espinhosos, como o posicionamento das confusas e disputadas fronteiras e a dúvida se os refugiados palestinos poderão retornar às suas casas em Israel e vice-versa.
Como se essa disputa territorial não fosse o bastante, o conflito de décadas criou outro problema que se sobrepôs a ele: o gerenciamento da complicada coexistência de israelenses e palestinos, com Israel colocando os palestinos sob um sufocante controle militar ao mesmo tempo em que os grupos militantes da Palestina aterrorizam os israelenses.
Essas duas dimensões do conflito são pioradas ainda mais por conta da longa, amarga e violenta história entre as duas populações. E isso não quer apenas dizer que há muito ressentimento e falta de confiança entre eles, mas sim que israelenses e palestinos possuem versões tão diferentes sobre os motivos e acontecimentos nos últimos 70 e poucos anos que até mesmo conciliar suas duas realidades históricas é uma tarefa extremamente difícil.
Tudo isso é um prato cheio para os extremistas de ambos os lados, que se opõem a qualquer meio-termo e desejam simplesmente destruir e subjugar completamente os demais. Com a dificuldade das questões a serem enfrentadas e o passado sombrio, fica muito mais fácil para os radicais controlarem a situação e tirarem o processo de paz do caminho certo.
As tentativas de acordo, aliás, vêm sendo feitas já há muitos anos, mas não têm trazido muitas esperanças desde que os promissores projetos de Oslo, de 1993 e 1995, trouxeram uma faísca de otimismo – que desde então já se dissipou quase completamente. O conflito se estabeleceu em um ciclo contínuo de breves períodos de paz e guerra, parecendo cada vez mais improvável uma resolução permanente.
É bastante comum ouvir que “ambos os lados” são culpados pela perpetuação do conflito, afirmação que tem muito de verdade, já que vários indivíduos e grupos israelenses e palestinos causaram rompimentos nos esforços de paz. Ainda assim, a maior verdade sobre a disputa nos dias de hoje provavelmente é o enorme sofrimento humano que ela causa para todos. Exemplo disso é a contagem de mortos mês a mês no gráfico acima.
Uma questão de grande importância no conflito atual – especialmente para os palestinos –, a ocupação da Cisjordânia e de Gaza pelos israelenses começou após um conflito de Israel com o Egito e a Síria em 1967. Na ocasião, os territórios foram ocupados pelas tropas da Terra Santa e permaneceram sob seu controle.
Embora a Cisjordânia continue ocupada pelas forças israelenses, o país retirou suas tropas e “colonizadores” de Gaza em meados de 2005. Ainda assim, Israel mantém um bloqueio completo do território, o que o transformou no que algumas organizações de direitos humanos ocasionalmente chamam de “prisão a céu aberto” e causou uma taxa de desemprego de cerca de 40%.
Segundo o governo da Terra Santa, a ocupação é necessária por questões de segurança, pois serve para proteger os seus cidadãos de ataques palestinos e fornece um escudo contra invasões estrangeiras. No entanto, isso ainda não explica a presença de colonos – israelenses que se mudaram para dentro da Cisjordânia.
Sem considerar razões específicas, as batalhas atuais podem ser entendidas como apenas mais um round de combate nos 27 anos de guerra entre Israel e o Hamas, grupo militante que foi criado em 1987 com o objetivo de destruir Israel e governa Gaza desde 2006 – e que, por seus ataques contra civis, é internacionalmente reconhecido como uma organização terrorista.
No período, as forças israelenses atacaram várias vezes o Hamas e outros grupos, normalmente fazendo uso de bombardeios aéreos. Ainda assim, forças terrestres foram enviadas por Israel em 2006, 2009 e na última quinta-feira (17 de julho). O último round de batalhas foi motivado pelo assassinato de três jovens israelenses por membros do Hamas na Cisjordânia – feito sem a aprovação da liderança da organização, mas elogiado por eles mesmo assim.
Israel respondeu a isso com prisões de muitos militantes do Hamas na Cisjordânia e ataques aéreos contra o grupo em Gaza. A coisa piorou quando extremistas israelenses mataram um jovem palestino em Jerusalém, o que causou protestos que foram reprimidos duramente pelas forças de segurança da Terra Santa e levou o Hamas e outras organizações de Gaza a lançar dúzias de mísseis contra o território de Israel, reforçando o ciclo de agressões.
Até agora, a nova rodada de lutas resultou em uma fatalidade israelense e 230 mortes de palestinos – sem falar em muitos feridos em ambos os lados. Duas agências distintas das nações unidas estimaram que mais de 70% dos óbitos foram de civis. Na última quinta-feira (17), as forças terrestres da Terra Santa invadiram Gaza, com o pretexto de destruir túneis que o Hamas poderia usar para entrar em Israel.
Embora as forças israelenses mirem nos militantes e o Hamas se volte diretamente contra civis, o poderio militar desproporcionalmente maior da Terra Santa e o fato deles estarem dispostos a atacar membros dos grupos inimigos que estão baseados em comunidades urbanas densas faz com que os civis palestinos sejam o grupo com maior probabilidade de morte.
A resposta mais simples é que a violência acabou se tornando o status quo na região e que tentativas de paz envolvem muitos riscos. Por isso, os líderes de ambos os lados parecem acreditar que é preferível apenas gerenciar a violência do que a extinguir, ao mesmo tempo em que o público israelense e palestino demonstra cada vez menos interesse em pressionar seus governos para que se arrisquem pela paz.
O compromisso do Hamas com o terrorismo e com a destruição de Israel prende os moradores de Gaza em um conflito com a Terra Santa que leva a mortes constantes de civis. Ao mesmo tempo, o bloqueio israelense estrangula a economia local e ajuda a produzir um clima apropriado para extremismos – além de permitir que os militantes nutram a crença de que, mesmo que a vitória seja impossível, ao menos a resistência é uma forma de libertação.
Esse sentimento de desespero e falta de confiança em Israel e no processo de paz também é um grande contribuinte na violência dos últimos tempos. No início dos anos 2000, a frustração acumulada pela falha dos acordos da década anterior levou a uma onda de revoltas conhecida como a Segunda Intifada, na qual militantes da Palestina usaram homens-bomba contra ônibus e lanchonetes da Terra Santa. A luta subsequente matou cerca de 3.200 palestinos e 1.100 israelenses.
Mas não só os civis da Palestina que parecem ter desistido da paz: muitos cidadãos de Israel deixaram de confiar nos palestinos e em seus líderes, vendo-os como naturalmente hostis – atitude demonstrada pela expressão em que dizem “não ter um parceiro para a paz”. O sentimento somente se aprofundou após os meses de ataques suicidas da Segunda Intifada, que deixaram os israelenses mais dispostos a aceitar ou a ignorar os efeitos das ocupações.
Essa sensação de apatia foi reforçada ainda mais pelos programas de segurança bem-sucedidos de Israel, como o sistema “Iron Dome”, que derruba foguetes vindos de Gaza antes que atinjam seus alvos. Enquanto isso, um movimento de ponta da ala direita dos extremistas israelenses vem se tornando cada vez mais violento – especialmente na Cisjordânia, onde muitos vivem como colonos – e afasta os políticos da Terra Santa da busca pela paz.
Há basicamente três maneiras para que a disputa seja encerrada de uma maneira mais definitiva – sem garantias, é claro. No entanto, somente uma delas aprece ser viável e verdadeiramente pacífica. Descrevemos cada uma delas a seguir:
A ideia seria simplesmente eliminar todas as fronteiras entre Israel e Palestina, unindo as duas populações como membros de um só país de uma vez por todas em um Estado igualitário e pluralista. Embora a ideia soe bonita, muitos especialistas acreditam que isso seria inviável por conta de um simples fator demográfico: os árabes rapidamente superariam o número de judeus.
Após gerações de pessoas que se sentem desprivilegiadas e perseguidas por Israel, a maioria árabe certamente votaria por desmanchar tudo o que hoje torna a Terra Santa uma nação judaica. Após tudo o que fizeram para finalmente conseguirem sua pátria depois de milhares de anos de sofrendo outros tipos de perseguição, os judeus jamais abririam mão da soberania para se tornarem uma minoria em meio a uma população que consideram hostil.
A segunda forma como o conflito poderia acabar é se um dos lados abertamente extinguisse o outro, em uma ação que certamente seria considerada um abuso catastrófico contra os direitos humanos. A opção é a favorita de extremistas como os membros do Hamas e os colonizadores israelenses de direita.
Se o resultado terminasse a favor dos militantes palestinos, o estado de Israel seria abolido e substituído por uma Palestina unificada. Os judeus sobreviventes então se tornariam uma minoria e o conflito atual provavelmente seria trocado por uma versão espelhada.
Já no caso de vitória dos extremistas da Terra Santa, Israel anexaria definitivamente toda a Cisjordânia e Gaza. Os palestinos que não acabassem mortos então seriam tratados como cidadãos de segunda classe, de forma similar ao que ocorreu no apartheid sul-africano, ou sofreriam expulsões em massa.
A terceira opção, considerada por muitos como a única viável e pacífica, seria que tanto israelenses quanto palestinos tivessem seus Estados independentes, tomando cuidado para que a relação entre ambos mantivesse uma paz duradoura. Embora pareça ideal, a solução envolveria resolver tanto detalhes espinhosos e complexos que não temos como saber com clareza se algum dia ela vai ser concretizada – ou sequer se isso realmente é possível. Caso o conflito continue por muito mais tempo, esse caminho se tornará cada vez menos provável.
Ainda que seja teoricamente agradável para ambos, a solução dos dois Estados envolve a resolução de muitas questões difíceis, que vêm sendo alvo de debates exaustivos e já minaram muitas negociações de paz até hoje. Veja a seguir os quatro principais problemas e os motivos que os tornam tão difíceis de eliminar:
Com relação ao último ponto, qualquer meio-termo envolveria certo grau de perda de soberania por parte dos palestinos, como a promessa de desmilitarização permanente ou a aceitação de forças internacionais de paz em seu território. Após passarem anos se sentindo pesadamente abusados pelas tropas de Israel, os palestinos não se satisfazem com a ideia da Terra Santa tendo poder de veto sobre sua soberania e segurança.
Por esses motivos, os problemas tendem a se tornar cada vez mais difíceis de resolver. Quanto mais tempo o conflito durar, mais difícil será para que Israel justifique o cerco a Gaza e a ocupação à Cisjordânia. Essa complicação eventualmente levará ou a uma retirada unilateral dos israelenses, com todos os riscos de segurança citados, ou a anexar de vez os territórios, transformando sua população em cidadãos de segunda classe.
Enquanto isso, extremismo, apatia e desconfiança continuam crescendo em ambos os lados. A violência da disputa se torna cada vez mais parte do status quo, virando um evento recorrente que substitui o processo de paz. Tanto israelenses quanto palestinos sofrem mais e mais, mas, a cada instante em que esse impasse persiste, menos provável se torna a possibilidade de dar fim ao ciclo de ódio e morte.