Ciência
11/12/2018 às 04:00•3 min de leitura
Existem algumas histórias que são simplesmente inacreditáveis — como esta, que vamos contar para você a seguir. Trata-se do revoltante e trágico caso de Ota Benga, um pigmeu que, no início do século 20, se transformou em uma das principais atrações do Zoológico do Bronx. Sim, caro leitor, um homem, de carne e osso, que chegou a ser enjaulado e exposto para matar a curiosidade de milhares de visitantes.
A saga de Ota Benga pelos EUA começou em 1904, depois que ele e outros oito pigmeus foram levados da África até St. Louis, no Missouri, para participar de uma famosa exibição, a World’s Fair. O grupo participou em uma mostra sobre a evolução humana chamada “Os Selvagens Permanentes do Mundo” e estava sob a custódia de Samuel Verner — um ex-missionário e autoproclamado explorador norte-americano —, que havia passado uma temporada na África.
O objetivo da mostra em St. Louis era demonstrar como os seres humanos haviam evoluído com o tempo — da selvageria à civilidade —, e os organizadores precisavam de “selvagens” para provar o quanto a sociedade ocidental havia progredido. Verner encontrou Ota Benga e seus companheiros no Congo e não se sabe ao certo como, exatamente, o norte-americano fez para convencer o grupo a acompanhá-lo até os Estados Unidos.
Ota Benga é o segundo da esquerda para a direita
Segundo a versão de Verner, Ota Benga se mostrou mais do que feliz com a oportunidade de seguir o explorador até os EUA. No entanto, a maioria dos historiadores acredita que os africanos provavelmente sequer tinham consciência do que estava acontecendo e que eles foram, na verdade, sequestrados pelo norte-americano.
O fato é que, embora os africanos não falassem uma única palavra de inglês e parecessem perplexos com a sua situação, o grupo fez um tremendo sucesso durante a World’s Fair. Eles demonstraram suas habilidades “primitivas” construindo abrigos e empregando o arco e flecha, e, quando o evento chegou ao fim, todos voltaram para a África. Todos menos Ota Benga.
O sucesso da exibição em St. Louis chamou atenção de William Temple Hornaday, um renomado zoologista norte-americano e fundador do Zoológico do Bronx. Interessado em atrair o público ao estabelecimento recém-inaugurado, em um primeiro momento, Hornaday propôs uma parceria com Verner para aproveitar a fama de Ota Benga, e a ideia era que o africano perambulasse pelo zoológico, como uma espécie de atração itinerante.
Ota Benga e os demais africanos de seu grupo
No início, Ota Benga recebeu alojamento e podia caminhar pelo local livremente, e as coisas se mantiveram assim até que a sua presença começou a atrair cada vez mais visitantes. Então, Hornaday passou a encorajar o africano a caçar esquilos com seu arco e flecha e a pedir que os guardas do zoológico colocassem o pigmeu em uma jaula — onde ele dividia espaço com primatas.
Ilustração de Ota Benga criada na época em que ele era atração do zoológico
Com isso, mais e mais pessoas começaram a ir ao zoológico para ver o selvagem, e a jaula onde Ota Benga ficava inclusive ganhou uma placa de identificação! Segundo as informações sobre o “espécime” em exposição, ele tinha uma idade estimada em 23 anos, media por volta de 1,5 metro de altura e pesava pouco mais de 45 quilos. Além disso, a mostra tinha como propósito apresentar ao público de Nova York os conceitos de evolução e da teoria das raças humanas.
A fama de Ota Benga foi crescendo, e milhares de visitantes foram até o zoológico exclusivamente para ver o pigmeu — forçado a ficar — no interior da jaula. Ele passou semanas inteiras sentado em um banco ou sobre um tapete e tinha que brincar com um papagaio e algumas quinquilharias diante das multidões.
Zoológico do Bronx no início do século 20
Uma das pessoas a ir até o zoológico foi o Reverendo James Gordon — que ficou horrorizado com a história do pigmeu que era mantido enjaulado e foi até lá para conferir esse absurdo com os próprios olhos. O religioso insistiu em diversas ocasiões que Hornaday o deixasse levar Ota Benga embora, mas, como a presença do africano era muito lucrativa, os pedidos foram negados.
Por fim, Gordon conseguiu convencer Hornaday a tirar Ota Benga da jaula e a permitir que o africano voltasse a ter livre acesso para se mover pelo zoológico. Porém, as coisas não deram muito certo. O pigmeu passou a ser seguido pelos visitantes, que inclusive o abordavam e o cutucavam com gravetos. Como é compreensível, o africano começou a responder com agressividade.
Não demorou até que representantes negros de grupos religiosos de Nova York se organizassem e começassem — com razão! — a protestar contra o cativeiro de Ota Benga. Lembramos que tudo isso aconteceu apenas 40 anos após a abolição da escravatura nos EUA, quando a situação entre brancos e negros ainda era pra lá de tumultuosa, então imagine se as coisas não começaram a ficar bem complicadas para o pessoal do zoológico.
Pobre Ota Benga
Depois de muita tensão, Hornaday concordou em liberar Ota Benga, e o rapaz foi levado para viver em uma instituição para órfãos negros mantida por Gordon. Na verdade, tudo o que o reverendo queria era dar ao africano todo o apoio e a oportunidade para que ele pudesse se adaptar à vida nos EUA e viver como um cidadão livre.
O africano nunca conseguiu se adaptar à vida nos EUA
Alguns anos depois, Ota Benga foi morar na Virgínia, na casa de uma viúva e seus filhos. O rapaz chegou a frequentar a escola e até encontrou trabalho em uma fábrica de tabaco. No entanto, parece que o projeto do reverendo Gordon não deu muito certo, pois, quando o africano tinha 32 anos de idade, ele roubou uma arma, se trancou em um barracão que havia diante de onde ele morava e cometeu suicídio.
*Publicado em 14/4/2016