Ciência
07/11/2019 às 11:30•5 min de leitura
Josef Fritzl nasceu no dia 9 de abril de 1935, em Amstetten, na Áustria, e nunca chegou a conhecer o próprio pai, que lutou na Segunda Guerra Mundial e abandonou a família quando ele tinha apenas quatro anos de idade. Josef não possuía uma boa relação com sua mãe, que o espancava diversas vezes ao dia, o impedia de ter amigos ou qualquer tipo de liberdade. Ele aprendeu a não demonstrar o que sentia, a não conversar com ninguém, a se fechar dentro de si mesmo.
A partir de seus 12 anos de idade, devido ao péssimo relacionamento com a mãe, ele entrou para o sistema de adoção e começou a ser enviado de lar em lar. Em 1956, aos 21 anos, o homem conheceu e se casou com Rosemarie, de apenas 17 anos, com quem teve cinco meninas e dois meninos. Ele se formou em engenharia, viajou o mundo e comprou e alugou propriedades o suficiente para ter uma vida estável quando chegasse o momento de se aposentar.
Foi só em 1967 que o homem deu liberdade à sua natureza monstruosa quando invadiu a casa de uma enfermeira de nome Linz e a estuprou com uma faca em seu pescoço, enquanto ameaçava matá-la caso gritasse. Depois, ele também foi acusado pela tentativa de estupro de uma mulher de 21 anos, além de vários outros episódios de atentado ao pudor. Josef acabou sendo preso e cumpriu 12 meses de prisão de uma sentença de pouco mais de um ano. Após 15 anos, sem nenhuma movimentação ilegal, o seu histórico criminal foi limpo do sistema judiciário austríaco.
Vinte e cinco anos depois, ele planejaria e cometeria um dos sequestros mais dantescos que o mundo testemunharia.
No final dos anos 1970, não foi muito difícil para que Josef recebesse permissão legal do governo para que construísse o que intitulava como “adega subterrânea”, sobretudo se tratando do apogeu da Guerra Fria, em que se faziam ainda mais necessários os bunkers residenciais para se prevenir de possíveis ataques nucleares. Era a desculpa perfeita para a consumação de seu plano diabólico.
Josef, no entanto, havia colocado a nova casa em cima de restos de uma propriedade construída em 1880 em seu terreno, preservando o porão dela e o ocultando das autoridades e também da família com uma parede. Ninguém mais sabia da existência daquele segundo porão, apenas ele. Sem dutos de ventilação, frestas ou janelas, num total de 18 metros quadrados e com oito portas, sendo uma delas articulada e reforçada com concreto, além de outra operada através de senha e sistema de controle remoto, o empreendimento todo era apertado, abafado e úmido, como um pequeno labirinto de ratos.
Durante dois longos anos, entre 1981 e 1982, o homem se empenhou para que o local ficasse pronto, instalando pia, vaso sanitário, fogão e cama.
Finalmente, em 1984, o trabalho terminou e ele pediu para que sua filha Elisabeth, na época com 18 anos, o ajudasse a carregar até o porão o que se tornaria a porta final que selaria o seu destino.
Nascida em abril de 1966, um pouco antes de seu pai mostrar os primeiros indícios do que se tornaria, Elisabeth Fritzl era considerada uma garota meiga e gentil, apesar de extremamente quieta e reservada. Sua personalidade retraída em grande parte se dava pelos abusos físicos e sexuais que sofria do pai desde os 11 anos, por isso ela praticamente não possuía amigos e jamais comentava sobre garotos ou relações sexuais.
Naquela tarde quente de 28 de agosto de 1984, Elisabeth não contrariou o pai quando esse apresentou a sua ratoeira de concreto e pediu sua ajuda para ajustar uma pesada porta. E ela assim o obedeceu, sem questionar. Porém, enquanto a garota deixava o local pelas escadas do porão que levava à sua casa, Josef a puxou para trás e cobriu o nariz dela com uma toalha carregada de éter, sustentando-a até que a garota perdesse a consciência.
Aquele foi o último dia de sol de Elisabeth Fritzl e também o primeiro dos próximos 8.760 dias encarcerada debaixo do jardim da própria casa.
Em poucas horas, Rosemarie notou o desaparecimento súbito da filha e começou a procurar por ela até acionar a polícia. Mas Josef possuía a história perfeita: para todos os efeitos, Elisabeth havia cansado da própria vida e fugido para se juntar a um culto religioso. Não teria sido a primeira vez. A garota fizera a mesma coisa ao completar 15 anos: tentando fugir das garras do pai abusivo, ela encontrou abrigo na casa de uma amiga em Vienna, porém foi encontrada pela polícia três semanas depois.
Para que a sua teoria fosse comprada bem, um mês depois do sumiço de Elisabeth, e ainda no auge das investigações, o homem entregou às autoridades uma carta que forçou a filha a escrever. Nela, a garota dizia estar bem e na companhia de amigos num lugar longe dali, e que se a procurassem, deixaria o país.
O caso, então, esfriou e, apesar de Rosemarie continuar querendo saber o paradeiro da filha, as autoridades deixaram-na de lado.
Durante dois anos, Josef manteve Elisabeth presa na cama com correntes que a permitiam se mover apenas meio metro. Ele mal falava ou olhava para ela. A garota conviveu com a própria solidão, com frio e calor intensos, com as infiltrações sobre as quais, mais tarde, ela teria que colocar cobertores nas paredes para poder absorver a água que escorria. Em meio à sujeira, ela chegava a apanhar ratos com as próprias mãos.
Depois que Josef removeu as correntes dela, durante os vinte quatro anos que a visitou, ele estuprou Elisabeth mais de 3 mil vezes. Em dois anos, ela ficou grávida do primeiro filho, que morreu em seus braços com apenas sessenta horas de vida, devido a complicações respiratórias. Josef queimou o corpo da criança em um incinerador.
Dois anos depois, em 1988, nasceu Kerstin, a primeira de sete filhos que Josef daria a Elisabeth através de suas relações incestuosas. Todos vieram ao mundo sem ajuda médica. Durante 12 anos, Josef providenciou à filha desinfetante, uma tesoura velha e um livro de 1960 sobre partos. Elisabeth fez tudo sozinha, tirando dela o fruto de anos de sofrimento e repulsa. As crianças, no entanto, apesar da dor, acabaram se tornando companhia para a mulher e afastaram os pensamentos suicidas que ela cultivava todos os dias. Não mais estava sozinha.
Lisa, Monika e Alexander, porém, foram levados por Josef logo que nasceram para viver uma vida fora do cativeiro como se fossem seus netos. Ele deixou-os na soleira da porta da própria casa, com cartas escritas à força por Elisabeth, alegando que era para que os avós os criassem.
As crianças que ficaram para trás, além de viverem como bichos, eram obrigadas a acompanharem o homem violentando a mãe explícita e repetidamente, às vezes até que ela desmaiasse. Eram também espancadas, ameaçadas de morte e deixadas com ela na escuridão por semanas. Eles que ajudaram Elisabeth a expandir o calabouço onde moravam, cavando a terra com as próprias mãos. A mãe os ensinou a ler, a brincar e a tentar ter o mínimo que se esperava de uma vida normal, apesar de todas as piores circunstâncias.
Num sábado, dia 19 de abril de 2008, a filha mais velha de Elisabeth, Kerstin, de 19 anos, ficou tão doente que nada a salvaria da morte se não fosse socorrida. A mãe, então, implorou por muito tempo a Josef até que ele cedesse e levasse a filha para o hospital, abandonando-a na entrada para que ninguém o questionasse sobre o seu estado alarmante.
Sem documentos ou registros, Kerstin não existia no mundo, então o hospital achou melhor entrar em contato imediato com a polícia. Em poucas horas, o misterioso surgimento daquela garota desconhecida foi algo tão estranho, que o caso começou a ser televisionado e Elisabeth foi capaz de ver tudo, uma vez que possuía uma televisão no cativeiro. Ela acabou suplicando de novo a Josef para poder ajudar a filha fornecendo informações essenciais aos médicos para que ela tivesse alguma chance, garantindo a todo o momento que não diria absolutamente nada. Josef, mais uma vez, cedeu aos pedidos da filha.
Entre discursos inconsistentes de Elisabeth e o nervosismo aterrorizado da situação, os investigadores afirmaram que daria voz de prisão a ela por maus-tratos e abandono se ela não começasse a falar a verdade. A mulher prometeu que contaria tudo o que estava acontecendo se eles prometessem que ela nunca mais teria que olhar na cara de seu pai.
E naquela noite, foi através do desespero de salvar a vida de uma filha que a voz de Elisabeth Fritzl foi ouvida depois de 24 anos de puro silêncio. Enquanto o seu pai, Josef Fritzl, foi acusado de sequestro, estupro, homicídio culposo e outros crimes. Ele se declarou culpado e recebeu a sentença de prisão perpétua.
Desde 2009, Elisabeth Fritzl vive sob uma nova identidade em um vilarejo vigiado na Áustria. A inexistência de qualquer detalhe pessoal espalhado pelas garras da mídia se deve porque a mulher decidiu viver uma vida que não fosse definida por uma outra que foi tirada dela. Elisabeth se deixou para trás após depor por 11 horas sobre uma vida que já não a pertencia mais.