Ciência
12/11/2019 às 14:00•4 min de leitura
Há exatamente 61 anos, no início da tarde de inverno do dia 23 de fevereiro de 1957, um estudante chamado Frederik Benois caminhava pelas florestas da Susquehanna Road, em Fox Chase, na Filadélfia. Naquele sábado, Frederik seguia por entre a mata para exercer mais uma vez o seu hobby abjeto de vigiar as mulheres que moravam no Good Shepherd Home, um centro de correção para jovens problemáticas.
Em seu caminho até o local onde se escondia, Frederik se deparou com a caixa de papelão de um berço que levava as seguintes palavras: “Cuidado. Frágil. Não abrir com faca”. Incapaz de conter a própria curiosidade, ele deu uma olhada por cima da tampa levemente dobrada e avistou o que aparentemente se tratava de um boneco sentado no fundo da caixa e enrolado em um cobertor. Ainda mais instigado, o homem foi se aproximando mais, abrindo a tampa e revirando o suposto brinquedo.
Foi então que ele teve a inevitável e fria surpresa de que, na verdade, era o cadáver de um garotinho que ocupava a embalagem.
Sabendo que teria que prestar esclarecimento sobre o que fazia no meio da floresta, Fréderik não acionou as autoridades logo de cara, temendo não só todo o constrangimento que passaria, mas também o medo de acabar envolvido. Por isso, ele foi primeiramente se confessar com o padre, que o incentivou a contar.
Na cena, depois de 24 horas que a polícia chegou no local, encontraram um chapéu azul caído na trilha de terra que a caixa havia deixado ao ser arrastada até o ponto onde foi descartada. Foram coletadas digitais e investigações entraram em curso no dia seguinte ao achado com a inteção de identificar rapidamente a criança e devolvê-la aos pais — para que a submetessem a um funeral digno. Mas eles não foram capazes de localizar nenhum registro da criança em lugar algum. Ela basicamente não existia.
Sem uma identidade, o garoto, enrolado num cobertor xadrez, também não tinha nenhuma roupa quando foi encontrado. Segundo a autópsia executada pelo doutor Joseph Spelman, ele possuía por volta de 4 a 6 anos de idade e pesava 30 quilos, demonstrando um quadro de desnutrição severa. Havia fortes indicações de que o cabelo loiro dele havia sido cortado depois de sua morte, pois haviam mechas e pedaços de cabelos grudados por sua pele extremamente esbranquiçada.
Além de uma substância escura no esôfago, o legista notou cicatrizes cirúrgicas no tornozelo e na virilha do garoto, possivelmente devido a uma hérnia, além de uma em forma de “L” sob o queixo, e outra cicatriz do lado esquerdo do peito. Havia também resíduo de um corante para tratamentos oculares nos olhos azuis do garoto.
Devido a contusões no lado esquerdo do corpo e no rosto da vítima, o doutor Spelman declarou em seu prontuário que a causa da morte do garoto havia sido por traumatismo craniano, e que ele também foi submerso em água um pouco antes ou depois de seu assassinato. As condições climáticas do corpo exposto ao frio rigoroso durante pouco mais que um dia acabaram com a possibilidade de determinar a hora da morte e quanto tempo o menino ficou vivo.
Com poucas provas e evidências do assassinato, a polícia decidiu que o seu primeiro passo seria vestir a criança com várias roupas diferentes, fotografá-la — apesar de seu estado desumano — e divulgar o seu rosto através de todas as mídias. Em seguida, foram consultar as listas de crianças desaparecidas nos Estados Unidos nos últimos anos. Nada. Recorreram a todos os hospitais da cidade em busca de um registro médico. E também nada.
Nesse meio tempo, com o rosto alquebrado do garoto circulando, ninguém ainda havia entrado em contato com a polícia para reclamar a identidade do menino. Ele permanecia um desconhecido.
Ainda motivados, eles continuaram em direção às provas que possuíam. A caixa de papelão que havia se tornado o caixão do menino era de um berço comercializado pela rede suburbana de lojas de departamentos chamada JC Penney. As únicas 12 peças do produto foram vendidas na cidade de Upper Derby, na Pensilvânia, durante o período de 3 de dezembro de 1956 a 16 de fevereiro de 1957. Ironicamente, todo mundo que comprou o berço havia pagado apenas em dinheiro, infelizmente não deixando nenhum registro que pudesse levar diretamente aos compradores.
Ainda assim, eles foram capazes de localizar 11 dos 12 berços vendidos pela loja através das próprias pessoas que viam os panfletos circulando pela cidade e na televisão, mas, infelizmente, o resultado não levou a ninguém em potencial que pudesse estar conectado com a vítima.
O chapéu foi mais um dos passos otimistas em direção a uma possível conclusão. Os investigadores foram até a fábrica de bonés e chapéus de nome Robbins Bald Eagle Hat and Cap Company e conversaram diretamente com a proprietária, Hannah Robbins, que os informou que apenas 12 modelos daquele haviam sido confeccionados.
O acessório, inclusive, era vendido junto com um cordão de couro afivelado na época e fazia parte de uma tiragem exclusiva e limitada. A mulher lembrou-se de que uma das pessoas que o comprou e voltou à loja para que a tira fosse substituída. Essa pessoa era um homem, loiro e com mais de vinte anos de idade, e que era muito semelhante ao garotinho na foto que os oficiais mostraram.
Contudo, mais uma vez, nenhum registro do nome ou endereço foram registrados no ato da compra. Mais uma vez, não tinham nada.
Eles até chegaram a analisar o cobertor encontrado junto com o cadáver, mas descobriram que o produto foi fruto de uma linha de produção de milhares deles, tornando-se praticamente impossível de rastrear.
Com o passar dos anos e das investigações, centenas de teorias surgiram, levantando a hipótese de que o garoto era filho de um dono de um orfanato que possuía cobertores iguais ao que fora encontrado enrolado a ele, além de caixas de berços como a que se tornara o caixão dele.
Cogitaram, também, que o garoto era fruto de uma mãe abusiva que o espancou e causou a sua morte depois de ele ter vomitado uma sopa de feijão. Ou ainda que ele era Stephen Craig Dammon, o filho de um aviador, sequestrado com apenas dois anos de idade, que possuía semelhanças muito grandes. Todas as teorias foram verificadas e igualmente acabaram sendo consideradas infundadas e descartadas.
Depois de cinco meses de muito furor, o garotinho foi enterrado, primeiro como indigente, depois ganhou uma cova decente no cemitério Ivy Hill, na Filadélfia, após a exumação de seu corpo em 1998 para mais coleta de DNA. Ao longo dos anos, mais de 300 oficiais se envolveram no caso e estima-se que por volta de 500 milhões de cartazes foram distribuídos com o rosto desajustado do garoto, que ninguém conheceu ou viu.
Apesar de midiaticamente o caso ter esfriado, muitas investigações ainda são feitas visando solucioná-lo de vez, como as realizadas pela genealogista Barbara Rae-Venter no ano de 2018. Os curiosos também têm sua parte no papel, fazendo análises e tentando descobrir algo que tenha escapado da mira dos derradeiros 61 anos desde o ocorrido.
Conhecido nacional e mundialmente como O Garoto na Caixa ou O Garoto Desconhecido, ele descansa cercado de flores e ursinhos de pelúcia e em sua lápide permanece o triste epitáfio: “Pai Celestial, abençoe esse Garoto Desconhecido”.