O que aconteceu no massacre da fazenda Hinterkaifeck?

22/11/2019 às 14:005 min de leituraAtualizado em 18/09/2024 às 12:00

Ninguém sabe exatamente o que aconteceu naquela sexta-feira, dia 31 de março de 1922. Ninguém sabe exatamente o que ocasionou a matança, tampouco o motivo. O único fato que se mantém em pé até hoje e que nada pode anular é de que seis pessoas foram brutalmente massacradas na fazenda Hinterkaifeck. Uma família inteira mais a empregada. O que paira sobre o crime torpe e sanguinolento, porém, são os detalhes e pistas que levaram ao final bizarro.

Antes: os Gruber-Gabriel

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A família Gruber-Gabriel. (Fonte: All THat's Interesting)

Situada na Baviera, no sul da Alemanha, a fazenda Hinterkaifeck ficava em meio a hectares de planícies esverdeadas cobertas por árvores selvagens das florestas ao redor. Com seu nome herdado da cidadela de Kaifeck, o local foi erguido entre o ano de 1862 e 1864 pela família Gruber-Gabriel e o único rastro de vizinhança mais próxima ficava a meio quilômetro a leste, num vilarejo chamado Grober, onde não viviam mais do que 75 famílias.

Os fatos históricos documentados que norteavam a vida da família Gruber-Gabriel era que, por mais que não fossem má pessoas, eram o pior exemplo de gentileza que existia. Eram considerados antipáticos, reclusos e esquisitos pela maneira como desprezavam qualquer tipo de possibilidade de receberem em sua grande construção de pedra em formato de L qualquer viajante ou visitante da cidade. Ou também a incapacidade que possuíam de tecer uma relação social com os membros da comunidade.

Com um ótimo tino para os negócios e para qualquer tipo de trabalho duro, eles possuíam hábitos parcos e personalidades retraídas e discretas, provavelmente como resultado de anos prestando serviços durante a guerra e por causa da fome e de toda a montanha-russa financeira e política pela qual o país havia passado.

Depois que ficou viúva em 1885 e se casou com Andreas Gruber, a esposa, Cazilia Gruber, assinou com o esposo um acordo de copropriedade dessa fazenda que havia herdado do ex-marido. A mulher passou de uma vida sossegada a um inferno de espancamentos diários que a deixavam totalmente roxa. Mas ela jamais se curvou diante de Andreas, apesar de tudo, mostrando-se sempre o mais firme o possível, embora estivesse desabando.

Quando Viktoria Gabriel nasceu, no ano seguinte ao casamento dos dois, ela foi a primogênita deles, sendo que a segunda filha que tiveram, Sofia Gruber, morreu com dois anos de idade. Em 1914, Viktoria se casou com o militar Karl Gabriel, que morreu em abril do mesmo ano servindo a Alemanha durante a Primeira Guerra Mundial, deixando a esposa grávida de sua filha, Cazilia Junior.

Depois de ser proibida de se casar novamente, foi a partir desse ano que Viktoria passou a dividir com a sua mãe as sessões de agressões de Andreas. Todos na cidade sabiam disso devido aos hematomas que ela tentava esconder quando era vista pelo comércio local, principalmente porque era a que mais frequentava o centro da cidade. Em maio de 1915, os comentários fervilharam quando ela foi sentenciada a um mês de encarceramento por estabelecer uma relação incestuosa com o seu pai, que a abusou por várias vezes e acabou a fazendo engravidar de seu segundo filho, Josef.

Tudo o que se sabe acerca da vida dos Gruber-Gabriel é, em sua maioria, fruto de fofocas, rumores e histórias que já foram tão requentadas e enfeitadas por vizinhos e empregados que perderam a sua idoneidade.

Durante: os passos no sótão

Fonte: Medium/Reprodução)

 

A verdade é que ninguém que tenha passado pela fazenda jamais se sentiu confortável lá. O ar do local inspirava uma atmosfera sinistra e muitos acreditavam que a casa era assombrada, principalmente os funcionários. Tudo começou com alguns eventos atípicos, como passos contínuos e repetitivos no sótão, segundo uma das empregadas que trabalhou na fazenda durante um longo período. Mas ela não era a única: Viktoria e a filha também se sentiam incomodadas com o barulho. Depois do ocorrido fatal, a professora de Cazilia Junior se recordou que a menina reclamava de sono e do cansaço que sentia por estar sempre perseguindo a avó pela floresta durante a noite.

O pai, Andreas, era outro que escutava os passos insólitos, no entanto fazia questão de revelar a todos que não os temia, uma vez que possuía seu rifle, emprestado por colegas de bar, como segurança. O homem chegou a realizar algumas buscas, inclusive ficou de guarda por várias noites, mas não conseguiu achar nada, nem ninguém. Mais tarde, ele descobriu que a fechadura da casa de máquinas havia sido violada, porém nada havia sido roubado ou mexido.

Durante a temporada do inverno, Andreas encontrou pegadas de sapatos na neve que iam e vinham em várias direções e todas terminavam em direção à floresta, mais precisamente no início dela, nunca além. Era como se o autor delas simplesmente desaparecesse no ar. Em seguida, as chaves da casa sumiram e um jornal de Munique surgiu na soleira da porta deles. Ninguém pensou em ligar para a polícia, afinal eram donos das próprias terras e cresceram aprendendo a gerir esse tipo de situação.

Decidiram ignorar essas ocorrências potencialmente perigosas, assim como Maria Baumgarterner, de 44 anos de idade, quando se candidatou a trabalhar na fazenda Hinterkaifech, apesar de todo o falatório local pesando em seus ombros. Naquela tarde de 31 de março de 1922, ela atravessou a porta de entrada da casa para nunca mais sair.

Ainda: cabelos e pilhas de feno

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Um dos corpos encontrados no celeiro. (Fonte: All That's Interesting)

Sentiram a falta da voz Viktoria Gabriel cantando no coral da igreja no primeiro sábado do início de abril. Cazilia Junior também faltou na escola naquele dia e algumas pessoas ficaram preocupadas com isso. Lorenz Schlittenbauer, um fazendeiro que trabalhou com Andreas, perguntou a um garçom do bar que frequentava se ele havia visto algum dos Grubers. Mais cedo, ele havia passado pela fazenda e não havia fumaça escapando da chaminé da casa.

Até aí poderia se tratar de qualquer coisa. Talvez a família reclusa tivesse optado por se fechar ainda mais — o que não seria nenhuma surpresa. Mas depois que se passaram mais de cinco dias sem movimentação alguma, nem mesmo das máquinas agrícolas, alguns vizinhos e comerciantes concluíram que algo não estava certo. Lorenz lembra de ter pedido para que seus filhos, Joan e Josef, fossem até a fazenda e batessem na porta ou nas janelas, mas não houve nenhum sinal de vida como resposta.

Então, Lorenz, Jakob Sigl e Michael Poll, às 17 horas do dia 4 de abril de 1922, foram visitar o local. No instante em que entraram no celeiro, o choque foi imediato. Michael deu de cara com um pé brotando de uma pilha de feno. Logo descobriram que era o cadáver de Andreas Gruber, vestido com uma calça e uma camiseta. Sua cabeça havia sido totalmente esburacada com uma picareta — o que viria a ser uma suposição da perícia devido às lesões.

Viktoria Gabriel e sua mãe, Cazilia Gruber, ambas vestidas, embora descalças, foram encontradas empilhadas com uma grande quantidade de feno jogado nelas, na tentativa de ocultá-las. E por cima disso estava Cazilia Junior. A garotinha também estava morta, só que o mais curioso é que havia tufos e mais tufos do que foi provado ser o próprio cabelo dela que, inclusive, não foram encontrados no resto de sua cabeça, indicando que ela deveria tê-los arrancado antes do ataque. Todas elas haviam sofrido múltiplas e graves lesões faciais, a maioria de caráter desfigurador.

Por último, no quarto, os homens encontraram o corpo da empregada Maria Baumgarterner sem vida, caída ao lado da mochila que trouxera para o seu primeiro dia de trabalho. Havia um buraco grotesco aberto no meio de seu rosto.

Depois

Fonte: Augusburger/Reprodução)

 

Na manhã do dia 5 de abril de 1922, o investigador Georg Reingruber chegou à fazenda Hinterkaifeck e reuniu um time de 50 oficiais, que colheram depoimentos de mais de 100 pessoas e lançaram uma campanha de recompensa de 500 mil marcos para quem localizasse o assassino.

Conforme o caso ganhava forma, o investigador passou a acreditar que o assassino cometeu o crime durante a noite do dia 31 de março ou até mesmo dois dias mais tarde. Relatos de vizinhos afirmam terem visto fumaça saindo da chaminé — o que realmente acabou sendo comprovado, pois ela havia sido acesa depois do massacre. Havia comida fresca para o gado no celeiro onde foi realizado o massacre, embora o cachorro amarrado a um dos postes não tivesse sido alimentado por dias.

A brutalidade e a falta de coerência em relação às mortes despertou não só o terror na sociedade, como também intimidou as autoridades a resolverem logo o caso. Josef Bartl, Anton e Charlers Bichler, um fugitivo de um hospital psiquiátrico, e dois assassinos de alta periculosidade, respectivamente, foram considerados suspeitos do caso. Até mesmo Karl Gabriel, o ex-marido de Viktoria e também Lorenz Schlittenbauer, o parceiro de trabalho de Andreas, foram cotados. No entanto, todas as investigações abertas contra eles se provaram ou infundadas ou não deram em lugar algum.

E, embora acredita-se que tenham sido utilizados vários instrumentos, foi achada apenas uma arma do crime: uma picareta contendo o sangue de um dos membros da família. Ela foi localizada embaixo da estrutura do piso da casa depois que os novos donos da propriedade a demoliram.

O que aconteceu naquela noite de 1922 na fazenda Hinterkaifeck permanece um mistério sem solução, um dos maiores da Alemanha e que, mesmo 97 anos depois, assombra a ideia e alimenta as lendas de que o assassino poderia ser também qualquer coisa que vagava naquele sótão. De um lado para o outro. De um lado para o outro...

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