Artes/cultura
16/12/2019 às 14:00•5 min de leitura
Nascido no início da virada do século, em 6 de novembro de 1906, na cidade de Bladworth, no Canadá, Gordon Stewart Northcott tinha um passado tão cheio de sombras quanto a sua família. Tentar reconstrui-lo a partir de como a sua vida era antes de entrar na adolescência é pisar em um campo minado de falta de dados e mentiras, principalmente por sua herança patológica de mentir.
(Fonte: Criminalia/Reprodução)
Cyrus George e Sarah Louise se casaram em 12 de agosto de 1886, mas se passaram vários anos até que a primogênita da família, nomeada Winnifred Northcott, nascesse, depois que Sarah teve cinco abortos espontâneos. Com ela veio Willie, o tão sonhado e idealizado filho homem. A vida da mãe passou a ser dedicada a ele, deixando Winnifred de lado e aos cuidados do pai.
Nascida em agosto de 1869, Sarah Louise vinha de uma família muito religiosa, ultrapassando a fronteira do fanatismo e alcançando uma obsessão que a fazia fantasiar constantemente com uma vida angelical e divina, que apenas piorou conforme foi envelhecendo. Os pensamentos restritivos e altamente doutrinadores dela colidiram com o ateísmo de Cyrus no momento em que as crianças vieram ao mundo, causando a separação do casal depois de 5 anos juntos.
Eles acabaram reatando logo que Willie morreu de pneumonia. Sarah entrou em uma espiral de dor e depressão profunda que a fez questionar Deus e amaldiçoá-lo por ter tirado o seu bebê. Assim que descobriu que estava grávida novamente, o ódio da mulher ultrapassou todos os limites.
Cyrus a aconselhou a matar a criança a todo o custo, antes que se desenvolvesse no útero dela e tirá-la se tornasse perigoso demais para a sua saúde. Desse modo, Sarah se atirou de locais altos, andou por horas a cavalo, foi chutada e espancada pelo marido com golpes na barriga — a determinação era tanta que Cyrus chegou a quebrar uma vértebra da mulher.
(Fonte: Pinterest/Reprodução)
Eles não conseguiram evitar a evolução da criança, como se fosse algo predestinado, e Gordon acabou nascendo. No momento em que Sarah colocou os olhos no filho pela primeira vez, tudo voltou a ela: a devoção, o amor e a adoração. Estava viva novamente.
Durante a criação, o instinto superprotetor de Sarah excedia qualquer limite considerado normal para uma mãe, bem como o tipo de relação que ela desenvolveu com Gordon à medida que ele foi amadurecendo. A filha mais velha, Winnifred Northcott, não existia para a mulher. Todo o seu tempo e a sua atenção eram voltados para o garoto; ela o paparicava e dava tudo o que ele pedia, realizando cada vontade sem questionar. Sarah fez Gordon crescer dentro de um sonho em que disciplina e regras não eram aplicadas a ele jamais, e ela se assegurava de protegê-lo de qualquer privação ou algo que pudesse fazê-lo minimamente infeliz.
E em adição a esse zelo todo e parte das projeções internas dela, Sarah o vestia com roupas de homem adulto, tanto quanto com saias e vestidos. Em um dia ela o tratava com altas doses de feminilidade, como se esse fosse uma garota, e no outro como um menino, tanto na roupa quanto nas conversas.
(Fonte: The Criminal Code/Reprodução)
Aos 10 anos de idade, Gordon alegou ter sido apresentado às práticas sexuais pelo próprio pai, que o estuprava regularmente e o abandonava em sua cama à noite com uma sensação de vazio. Ele não entendia muito bem o que sentia, tampouco sabia o que pensar sobre, embora toda manhã o homem o tratasse normalmente, carregasse-o nas costas e pedisse para que o ajudasse a fazer tarefas de pai e filho.
Com um temperamento altamente nervoso, violento e incontrolável, o desgosto e a raiva que Cyrus alimentava por Gordon envolviam diversos fatores. Um deles foi quando o jovem atingiu a puberdade e Sarah passou a abandonar a vida conjugal de quase 40 anos para ficar mais tempo ao lado do filho e estreitar maliciosamente o amor doentio e pervertido que o homem via acontecer. O fato de Gordon ter hipertricose (doença que faz os pelos do corpo crescerem excessivamente) dava-lhe uma aparência mais "viril" aos olhos de Cyrus e igualmente bestial, primitiva. De certa forma, lá no fundo, o pai sentia que havia algo de errado por trás do sorriso debochado e do olhar dissimulado do garoto.
Por volta dos 15 anos de idade, Gordon já tinha desenvolvido um gosto apurado por música, em especial as mais tristes, que eram exatamente o reflexo de como ele se sentia por dentro, além de serem as que o inspiravam mais. Não demorou muito para que ele começasse a trabalhar em teatros como pianista e em outros lugares em que podia se isolar. Por onde quer que o jovem andasse, porém, evitava ao máximo o contato com adultos, porque não se sentia confortável na presença deles nem sabia como interagir. "Era um constante mal-estar", revelou em uma das partes de seu depoimento.
Em agosto de 1924, quando, por motivos financeiros, Cyrus decidiu se mudar com a família para Los Angeles, as suspeitas de que havia algo de errado com o filho começaram a se confirmar. Enquanto estava na escola, Gordon se envolveu em alguns crimes, geralmente pequenos furtos e brigas de rua. Durante o tempo que morou na Arroyo Seco Avenue, o seu nome foi centro de um escândalo de relações sexuais às escondidas com cinco garotos. Todos acabaram sendo presos, menos Gordon, mais uma vez por falta de provas. Ele sabia mentir muito bem, e isso o ajudou a escapar de várias oportunidades de ser legalmente acusado.
(Fonte: Nintudo/Reprodução)
Em abril de 1926, segundo o próprio Gordon, após 2 anos abastecendo ideias e vontades assassinas e pedófilas que só ele sabia que tinha, já aos 17 anos de idade, ele pediu que o pai comprasse um terreno para que ele fizesse um rancho e pudesse criar galinhas. Surpreso com o pedido repentino do filho, Cyrus acatou o desejo dele e comprou um lote em uma área rural situada na cidadezinha de Wineville, no condado de Riverside.
Pensando em um braço direito que o auxiliaria mais em seus planos diabólicos do que em comandar a fazenda, Gordon viajou até Saskatoon, para a casa da irmã, e levou consigo o sobrinho, Sanford Clark, de apenas 13 anos de idade. Depois disso, o garoto não voltou mais. Além de não permitir que Sanford fosse à escola, Gordon o obrigava a levantar às 5h para cumprir todas as necessidades do rancho. O menino era espancado oito vezes ao dia, regularmente, por pura diversão, e monitorado, espancado e estuprado pelo avô.
Terrivelmente, Cyrus não só embarcou nas aventuras do filho sádico e predador como também o apoiou. Segundo o próprio homem, foi a maneira que ele encontrou de poder retomar minimamente o laço que tinha com Sarah, uma vez que Gordon tinha algo ao que podia se dedicar inteiramente. Ele saía de carro e trazia de cinco a dez garotos para que o filho "os fizesse" — referindo-se aos estupros.
Isso era o que Gordon fazia todos os dias. Um atrás do outro. Quando o pai estava ocupado, ele mesmo ia atrás de "carne fresca", como dizia para Sanford. Todas as vítimas eram atraídas, abusadas e depois largadas em algum lugar da cidade.
(Fonte: The Occult Museum/Reprodução)
Essa prática durou 2 anos, até que em 1º de fevereiro de 1928 Gordon voltou para a fazenda com um jovem latino-americano de nome desconhecido. Ele o trancou no galinheiro, da mesma forma que costumava fazer com o sobrinho, e o deixou lá durante 1 semana inteira, permitindo que saísse apenas para ser estuprado. Cansado, Gordon matou o jovem com várias machadadas e o decapitou. Depois, obrigou Sanford a queimar a cabeça em uma fornalha externa que havia na casa, enquanto ele mesmo cavou um buraco, colocou os restos do corpo e jogou cal por cima.
Em 10 de março do mesmo ano, com a ajuda de Sarah, Gordon sequestrou Walter Collins, de 9 anos de idade, que ia para o cinema sozinho quando foi capturado. Presa no galinheiro sem água e comida, a criança foi torturada e violentada até que desmaiasse de exaustão e tivesse as partes íntimas em carne viva.
Sabendo da repercussão do desaparecimento do menino e temendo que Gordon fosse denunciado por ele se fosse libertado, foi Sarah quem decidiu que a criança precisava morrer. A mulher desferiu machadadas na cabeça de Collins, juntou os restos mortais e desapareceu com eles.
Em 16 de maio de 1928, os irmãos Nelson e Lewis Winslow, de 10 anos e 12 anos, respectivamente, também terminaram atrás da porta do galinheiro de Wineville e tiveram o mesmo trágico fim que as outras duas crianças: estuprados, espancados até a morte, desmembrados e enterrados sob muita cal.
(Fonte: Live Play Eat/Reprodução)
Quando as cartas que Gordon escrevia para a irmã, garantindo que Sanford e a vida no rancho estavam bem, não a convenceram mais, ela decidiu ver com os próprios olhos o que estava acontecendo. Winnifred viajou até Wineville e finalmente se encontrou com o filho depois de 2 longos anos. O horror de Sanford e o medo de que a mãe fosse embora sem ele o fizeram confessar absolutamente toda a verdade oculta. Horrorizada, Winnifred não pensou duas vezes em pegar o filho, viajar de volta para a sua cidade e denunciar os pais e o irmão para as autoridades.
Sarah e Gordon foram presos em 19 de setembro de 1928. A mãe foi condenada pelo assassinato de Walter Collins, tendo Sanford como testemunha ocular do crime. Ela foi condenada à prisão perpétua com chance de recorrer à liberdade condicional após 12 anos de encarceramento. Cyrus foi institucionalizado em uma clínica psiquiátrica e acabou se suicidando.
Depois de 27 dias de julgamento, em 8 de fevereiro de 1929, Gordon Stewart Northcott foi condenado por tortura, estupro e pelo assassinato do garoto latino-americano e dos irmãos Winslow. Ele foi sentenciado à morte. Na noite em que seria enforcado, em outubro de 1930, Gordon tocou a sua música favorita, Song of the Songs, um cântico bíblico e calmo em contraste a sua jornada férvida, colérica, repleta de acordes dissonantes como o fio da navalha de seu machado ao entrar em contato com a carne daquelas crianças.