Os 72 minutos de Utoya

16/03/2020 às 14:005 min de leitura

De acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano expedido pelas Nações Unidas, a Noruega, nos últimos anos, foi classificada repetidamente como o “melhor país para se viver no mundo”. Esse título é conferido a partir dos níveis de educação e renda, combinados com a expectativa de vida da população, e também de fatores como os direitos humanos e liberdade cultural.

A Noruega é classificada como um dos países com a menor taxa de criminalidade do mundo, em contraste com a sua alta taxa de alfabetização, nível educacional e riqueza material. O país ainda possui um dos melhores sistemas de assistência social já existente, que se certifica que as pessoas desempregadas ou incapazes de trabalhar recebam apoio para que possam levar uma vida digna.

Em 2011, Anders Breivik se aproveitou levianamente desses números para poder cometer um dos maiores atentados da história e, também, o primeiro e mais letal que a Noruega já viveu.

O manifesto de uma mente doentia

(Anders Breivik)(Anders Breivik)

Nascido em Oslo, Noruega, no dia 13 de fevereiro de 1979, Anders Behring Breivik começou a apresentar problemas psicológicos muito cedo. Filho de Jens Breivik, um economista civil e diplomata na Embaixada da Noruega em Londres, Anders ficou em custódia de sua mãe, a enfermeira Wenche Bhering, quando o casal se separou.

Aos quatro anos, o garoto morava no porão de sua casa e era abusado psicologicamente por sua mãe, que o sexualizou, espancou e colocou na cabeça dele que o queria morto. Wenche vinha de uma educação distorcida, possuía um distúrbio de personalidade limítrofe e depressão abrangente, mas que se manifestava através da violência que incutia no filho desde que ele estava em sua barriga, demonstrando um claro desdém maternal e repugnância afetiva.

Não demorou para que Anders absorvesse esses aspectos. Segundo um relatório de um psicólogo da escola, o garoto tinha um sorriso peculiar, de alguém que não ancorava suas emoções e parecia estar alheio às pessoas ao seu redor. O Centro de Psiquiatria Infantil e Juvenil (SSBU) demonstrou preocupação em como a mente do menino estava sendo construída e para que lado poderia seguir se não fosse propriamente tratada, por isso, em 1983, quiseram remover Anders à força do convívio com sua mãe. No entanto, o Serviço de Bem-Estar da Criança negou o pedido e isso foi declarado como o principal motivo para o que aconteceria anos mais tarde.

Foi na adolescência que Anders definiu tudo o que pensava, passando a desenvolver um comportamento mais rebelde. Aos 16 anos, na época em que rompeu a ligação com o seu pai, ele chegou a ser multado por pichar o patrimônio público e por atitudes violentas. Anders passava muito tempo na academia — chegou a tomar anabolizantes para que os músculos crescessem mais rápido, pois nutria uma preocupação excessiva por sua aparência e em não parecer frágil.

Aos 20 anos, Anders Breivik foi rejeitado pelas Forças Armadas da Noruega e se tornou um membro ativo em fóruns neonazistas e anti-islâmicos. Autodeclarado como de extrema-direita, ele ingressou no Partido Progressista anti-imigração e começou a escrever um manifesto de 1.500 páginas intitulado "2083: Declaração Europeia de Independência". Preenchido com leis anti-islâmicas, antifeminismo, linguagem e imagens que evocavam as Cruzadas, além da ordem totalitária militar e religiosa dos Templários. Ele deixava claro seu plano de preservar o nacionalismo e também seus planos para “arrumar o sistema”.

A Operação Martírio

(O manifesto escrito por Anders Breivik)(O manifesto escrito por Anders Breivik)

Foi assim que Anders intitulou seu plano mais ambicioso que levou nove anos para ser concluído. Aos 23 anos, em 2002, ele fundou o seu negócio de programação de computadores e conseguiu, através de infrações na lei, faturar 2 milhões de coroas para investir no atentado, além de cerca de 26 mil coroas em cartões de crédito.

Em 2006, o homem começou a ter aulas de tiro em um clube de armas como parte de um dos passos fundamentais de seu plano. Em maio de 2009, ele fundou uma empresa agrícola fria para poder ter acesso a materiais e produtos químicos, principalmente fertilizantes, que poderiam ser usados na fabricação de explosivos sem levantar suspeitas.

Em 2010, ele foi até Praga para comprar armamento ilegal, mas não conseguiu nada, então decidiu comprar de forma legal, visto que possuía uma licença de porte por conta do clube de armas que participou e também por ter licença de caçador. Ele adquiriu uma pistola Glock 34 semiautomática de 9 mm e um rifle Ruger Mini-14 semiautomático.

Todo o treinamento tático de Anders foi através de jogos de computador, como Warcraft, Call of Duty e Modern Warfare 2, em que ele colocava na tela o passo-a-passo de como executaria as suas ações e também os seus métodos de aprimoramento de técnicas de alvo.

Oslo em chamas

(Um dos prédios destruídos pela explosão em Oslo)(Um dos prédios destruídos pela explosão em Oslo)

No dia 22 de julho de 2011, em Oslo, exatamente às 15h25 do horário local, uma bomba explodiu em Regjeringskvartalet, no centro da capital da Noruega. A bomba estava dentro de um Volkswagen Crafter branco que foi estacionado em frente ao bloco H do prédio do Gabinete do Primeiro Ministro, no Ministério da Justiça e Polícia.

A detonação foi ouvida a sete quilômetros de distância, causou um incêndio imediato no bloco H do prédio, estilhaçando milhares de janelas ao longo da enorme construção e soprando uma onda de poeira e fumaça para todos os lados. Oito pessoas morreram no local como consequência direta da detonação.

As pessoas estavam atordoadas, ninguém sabia o que havia acontecido. Em qualquer lugar do mundo, aquilo seria o suficiente para concluírem que se tratava de um atentado ou coisa do parecido. Mas não na Noruega, um lugar onde as pessoas quase nunca era vítimas de algo.

As câmeras de monitoramento captaram quando a van parou às 15h13 a 200 metros do edifício e Anders Breivik, armado, desembarcou vestido como um policial, de capacete e com o escudo facial que cobria o seu rosto, abaixado. Ele se afastou rapidamente em direção a um outro carro estacionado. Ele estava indo dar início à segunda parte do plano.

Utoya: 72 minutos

(Alguns corpos encontrados às margens da ilha de Utoya)(Alguns corpos encontrados às margens da ilha de Utoya)

Depois de lá, Anders Breivik foi para a ilha de Utoya que fica a cerca de 40 km de Oslo. No lugar, acontecia o Acampamento da Juventude Trabalhista, que recebia cerca de 600 jovens todos o verão. O homem foi especificamente para lá, pois o evento era conhecido por ter introduzido o liberalismo econômico nas políticas públicas da Noruega, resultando na privatização de várias empresas que eram serviços do estado e na redução dos impostos. O partido também se declarava social-democrata e progressista, visando a igualdade dos direitos num contexto geral. Tudo o que Anders discordava e desejava mudar.

Às margens da ilha, Anders se apresentou como um policial que teria sido enviado para garantir que todos os adolescentes estivessem seguros depois do atentado de Oslo, sobre o qual os dois guardas que o receberam sabiam pouco devido ao sinal ruim de celular. Quando um dos monitores do acampamento foi chamado e desconfiou de Anders, pedindo para ver o seu distintivo, esse atirou nele à queima roupa e nos guardas.

Alguns jovens afirmaram que ouviram o som dos disparos, mas na cabeça deles não havia a menor possibilidade que pudesse ser de tiros de verdade, dada as circunstâncias do país no qual viviam e da criação que tiveram. Por isso, ninguém achou um absurdo quando um grupo de pessoas decidiu ver o que estava acontecendo por volta das 17h35 daquela tarde.

Levou apenas alguns minutos para alguns dos que sobreviveram ao encontro com Anders voltassem correndo e gritando, pedindo para que todos fugissem porque tinha um homem atirando. A maioria não entendeu o que estava acontecendo. Uns ficaram paralisados de terror e outros apenas riram, imaginando que fosse uma pegadinha.

Muitos jovens se refugiaram no refeitório, nas salas, se trancaram entre os corredores, banheiros ou no auditório. Outros se enveredaram pela pequena floresta que margeava a ilha e acabava num barranco que dava acesso ao mar que os cercavam.

O disfarce de policial foi o melhor trunfo de Anders, pois os jovens o confundiam muito facilmente. Isso aconteceu primeiramente na cafeteria, quando ele acalmou um grupo deles pela janela apenas para entrar segundos depois e matar os 15 estudantes que lá estavam. Todos com mais de um tiro.

Assim, o assassino foi andando ao longo do acampamento e atirando em quem aparecesse em seu campo de visão, geralmente acertando direto na cabeça. Ele dizia coisas como “vocês vão morrer hoje, marxistas!”, “chega de multiculturalismo” e “vocês não vão acabar com o nacionalismo!”.

Durante 72 minutos de massacre, Anders Breivik assassinou 69 pessoas entre jovens e crianças, e feriu 66, até que o esquadrão da polícia o rendesse. Dos 517 sobreviventes, 150 escaparam a nado da ilha. Os outros se esconderam da vista do terrorista ou se deitaram entre as vítimas, em sua maioria seus próprios amigos, para que o homem achasse que estavam mortas.

21 contra 77

(Anders Breivik fazendo a saudação nazista no Tribunal)(Anders Breivik fazendo a saudação nazista no Tribunal)

Apesar de ter sido diagnosticado com Transtorno de Personalidade Narcisista e Transtorno de Personalidade Antissocial, Anders foi considerado são durante os ataques e foi definido que a sua saúde mental afetou sua construção como indivíduo mais do que como terrorista.

No dia 24 de agosto de 2012, Anders Breivik foi condenado a 21 anos de prisão pelo assassinato de 77 pessoas no atentado em Oslo e Utoya. A mídia internacional e as pessoas pelo mundo se revoltaram com o veredito, mas a Noruega manteve a sua posição de não ter um sistema penal punitivista, prezando pela reinserção à sociedade, após uma reeducação prisional. É assim que, por anos, eles mantêm a menor taxa de criminalidade do mundo, reabilitado cerca de 80% de seus detentos.

Em resposta à pena de Anders, Munir Jabor, um sobrevivente que deitou entre os cadáveres de seus amigos para não morrer, declarou: "Temos confiança no sistema. Temos confiança no julgamento e acreditamos que essa pessoa precisa ser tratada como qualquer outro criminoso. Temos que defender nossos valores. Se não defendermos o que acreditamos, falhamos".

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