Ciência
23/04/2020 às 14:00•5 min de leitura
Aos sete anos de idade, Steven Stayner desapareceu, e isso foi a causa de um efeito dominó.
Steven Gregory Stayner nasceu no dia 18 de abril de 1965 em Merced, na Califórnia. Ele tinha três irmãs e um irmão, que era quatro anos mais velho e chamava-se Cary Stayner. Filho de Delbert e Kay Stayner, o pequeno Steven levava uma vida absolutamente normal, indo e vindo sozinho da escola que ficava a poucas quadras de sua casa, brincando com os amigos vizinhos e os irmãos. A estrutura familiar era sólida, e eles poderiam até ser intitulados como "a típica família norte-americana".
Não havia nada de errado até o fatídico 4 de dezembro de 1972, quando Steven estava voltando da escola para a casa e foi abordado por Edward Ervin Murphy. O homem informou ao garotinho que estava coletando doações em dinheiro para a igreja e o menino disse que a sua mãe talvez estivesse interessada em fazer uma contribuição.
Então Murphy se ofereceu para acompanhá-lo até em casa, porém eles não seguiram na direção que o garoto conhecia. A poucos metros dali, estava um carro com o pedófilo Kenneth Parnell ao volante. Assim que Steven embarcou, ele foi mantido em silêncio à força por Murphy enquanto Parnell dirigiu até o condado de Mendocino, que ficava a cerca de 300 km de distância de onde estavam.
A partir desse dia, o menino nunca mais voltou para a casa — ao menos não completamente.
Steven Stayner. (Fonte: Ranker/Reprodução)
Parnell dirigiu até uma cabana no Vale de Catheys, uma região meio rural e censitária dos Estados Unidos que fica entre os condados de Merced e Mariposa, uma área conhecida por ser isolada. Uma vez lá, Steven foi submetido ao que seria apenas o primeiro dia de um intensivo tratamento de lavagem cerebral promovido por Parnell. O sequestrador convenceu o garoto de que daquele momento em diante ele era o seu guardião legal, pois os seus pais não conseguiam criá-lo mais e então entregaram-no a ele.
Nascido no Texas, Kenneth teve problemas em uma infância desviada. Abandonado pelo pai para viver com a sua mãe e irmãos, ele passou a maior parte de sua adolescência indo de uma instituição de jovens para outra, sendo sempre acusado por conduta desordeira ou assédio sexual. O seu histórico também envolvia múltiplas passagens por clínicas psiquiátricas.
Parnell já tinha sido preso por quatro anos pelo crime de estupro de um garoto e por ter se passado como policial. Ele chegou a escapar do hospital psiquiátrico para criminosos, mas foi recapturado. Conhecido por apresentar uma grande capacidade de manipulação, foi dessa forma que o homem conseguiu convencer que o seu cúmplice, Ervin Murphy, era na verdade um líder religioso a quem Deus havia enviado para guiar o garoto até ele.
Kenneth Parnell. (Fonte: Alchetron/Reprodução)
Em poucas horas de sequestro, Stayner teve que processar a informação de que havia sido adotado e que seu nome agora era Dennis Parnell. Embora isso por si só já fosse traumático o suficiente, o pior nem havia começado.
Durante os sete anos que Steven Stayner teve que chamar de “pai” o seu sequestrador, ele foi espancado e estuprado quase que diariamente por diversas vezes ao longo dos dias. Além dos abusos sexuais e sessões de espancamento, Stayner era coagido a fazer consumo desenfreado de álcool e drogas quando ainda era apenas uma criança. Episódios dele abandonado em um quarto encardido de motel, bebendo cerveja e fumando cigarro, assistindo às relações sexuais de Pernell com garotas de programa antes de ser obrigado a se juntar a eles na cama eram cenas comuns no cotidiano do garoto.
Steven ainda viveu como nômade, sendo carregado de um lado para o outro da cidade. Ele foi matriculado em diversas escolas sob documentos forjados com seu falso nome. Ninguém nunca o reconheceu, apesar dos folhetos e das campanhas na televisão. Ele mesmo, pequeno demais e com o emocional revirado, nunca se reconheceu. O dano à psicologia do garoto era tanto que, embora soubesse que foi sequestrado, nunca ocorreu de ele contar isso a alguém. Ele não sabia explicar para si mesmo o que estava ocorrendo, tampouco para outros.
Timothy White. (Fonte: Scribol/Reprodução)
Quando Stayner adquiriu idade o suficiente para contestar o seu estado, revirar notícias de jornais e reportagens de televisão à procura dos pais, era tarde demais. O seu caso já havia "esfriado", e ele dado como morto. De alguma forma, a falta de informação só reforçou a mentira que Parnell alimentara durante anos de que ele tinha sido descartado pelos pais.
À medida que o garoto crescia, o desejo sexual de Parnell por ele foi minguando. Então o predador decidiu que era a hora de encontrar uma nova vítima para lhe satisfazer. Isso causou um abalo profundo em Stayner, pois ele não conseguia imaginar outro garoto tendo a vida destruída como a dele.
Inteligente, Parnell nunca se envolvia na abdução direta das vítimas, por isso tinha sempre os seus peões para fazer o trabalho sujo por ele. Em vista disso, ele usou Barbara Mathias, uma amiga que também estuprava Stayner, para raptar um garotinho que estava em sua mira. Porém, a mulher fracassou, então ele obrigou Stayner a cumprir a missão. Desesperado, ele sabotou tudo.
Sem saída, o pedófilo ofereceu drogas e dinheiro a Sean Poorman, um antigo colega da última escola que Stayner frequentara. Poorman pensou em desistir, mas foi coagido pelo homem. Em 14 de fevereiro de 1980, Timothy White, de apenas 7 anos, passou a integrar a casa de Parnell.
Stayner se viu no garotinho, e esse foi o seu gatilho para tomar uma atitude, já que para si mesmo nunca conseguiu fazer nada. “Eu não poderia vê-lo sofrer”, contou em entrevista. E então, na madrugada do dia 1º de março de 1980, Stayner armou uma fuga com o objetivo de devolver o menino e voltar para a sua família — se ainda pudesse.
Na manhã do dia seguinte, Kenneth Parnell foi preso e condenado somente a 7 anos de prisão, enquanto Stayner foi abraçado como um herói pela nação e voltou para os seus pais. Poderia ser o final feliz para anos de sofrimento, mas não foi bem o que aconteceu.
Steven Stayner jovem. (Fonte: Pinterest/Reprodução)
Por incrível que pareça, o problema de Stayner começou em casa desta vez. Ele estava de volta a um ambiente familiar e seguro, repleto de regras, tudo o que desconhecia. O garoto não sabia o porquê de não poder continuar com o consumo de drogas e bebida, que atenuavam os barulhos de sua cabeça. Ele não estava acostumado com carinho, mas também não entendia o motivo de ser tão negado pelo seu pai, que ficara obcecado em encontrá-lo quando desapareceu. Em reportagem à Newsweek, anos mais tarde, Stayner concluiu que talvez o seu pai tivesse mudado tanto quanto ele.
Steven Stayner estava em todas as manchetes, assim como os seus anos de estupro, violência, consumo de drogas, bebida, entre outros. Nada era normal para um adolescente de 14 anos. Stayner era ridicularizado pelos colegas quando voltou para a escola, chegou a apanhar e foi tratado como um animal em observação.
Por isso, ele acabou abandonando a escola, e o seu comportamento revoltoso inflamou diversos problemas no convívio familiar. Ele se questionava se deveria ter mesmo voltado para casa e se eles não estariam melhor sem ele. O garoto se recusou a procurar qualquer ajuda psicológica por simplesmente não conseguir falar sobre os abusos, e a situação se tornou tão extrema que ele foi expulso de casa pelo próprio pai.
Em 1985, a vida de Stayner finalmente estava melhor. Aos 19 anos, o jovem conheceu Jody Edmondson, com quem se casou e teve dois filhos. Ele começou a treinar para se tornar um oficial de segurança, mantinha debates sobre sequestro e defesa pessoal, dando palestras e entrevistas. Até que no dia 16 de setembro de 1989, Stayner teve a sua vida interrompida de vez ao sofrer um acidente de moto enquanto voltava para a casa. Com ferimentos fatais na cabeça, ele morreu ainda no local.
Cary Stayner. (Fonte: Monsters and Crimes/Reprodução)
Porém, os danos não pararam por aí.
Os anos seguintes ao sequestro do garoto causaram danos psicológicos a Cary Stayner. O irmão mais velho se viu abandonado pelos pais, foi morar com um tio que o abusava e depois foi assassinado por um invasor. Ele foi estereotipado, perseguido, passou a se drogar e tentou até suicídio. Tudo piorou quando Steven retornou para a vida de sua família.
Arrastando uma bagagem emocional reprimida, em 1999 esse sentimento levou Cary Stayner a ser condenado ao corredor da morte após estuprar e assassinar em sua casa as suas duas filhas e uma amiga delas.
Steven Stayner travou uma batalha contra o seu psicológico corrompido, mas conseguiu se refazer, ainda que tenha sido impedido de continuar. Só que a pureza, a normalidade e a união familiar nunca voltaram para os seus familiares. Essas ficaram no chão de seu cativeiro, corrompidas e quebradas para sempre.