Ciência
14/05/2020 às 14:00•3 min de leitura
Maria Crocifissa della Concezione nasceu Isabella Tomassi em algum dia e mês que não se sabe em 1645. Os escassos registros acerca da vida da freira apontam que ela ingressou aos 15 anos em um convento beneditino, na cidade siciliana de Palma di Montechiaro, que fica na província de Agrigento (Itália).
A ordem beneditina, por tradição, ensina trabalho, paz e oração. As freiras costumam sempre estar em comunhão e realizar vigílias intermináveis em prol do mundo e das almas desgarradas que vagam pela Terra. A Irmã Maria era conhecida como uma freira muito devota, porém desde a mais tenra idade travava consigo uma batalha constante em defesa de sua paz. Inclusive, um dos principais motivos que teria feito a jovem entrar para o convento foi justamente a tentativa de se livrar de uma voz que a atormentava.
(Fonte: Quora/Reprodução)
A princípio, nenhuma das irmãs notou nada de muito diferente no comportamento da noviça, porém, com o passar do tempo, a luta interna dela começou a transparecer de uma maneira angustiante. Quando interrogada, ela confessou que estava sendo visitada pelo Diabo.
As freiras se comoveram, ainda mais por se tratar de alguém tão jovem, porém não ficaram surpresas. Boa parte delas já havia sido tentada por meio de vozes maliciosas que queriam demovê-las de seu ofício sagrado, fosse com relação a entrar no convento ou durante as muitas horas de vigília. O único remédio para o tormento era a oração, e foi isso que elas sugeriram à Irmã Maria fazer, mantendo-se firme no diálogo com Deus e rejeitando veementemente qualquer voz que incitasse tentação.
No entanto, após anos de luta, a Irmã Maria não conseguiu manter longe "a presença diabólica" que a atormentava. No dia 11 de agosto de 1676, aos seus 31 anos, a freira foi encontrada com o rosto manchado de tinta e um pedaço de papel na mão, em uma espécie de surto, no chão de sua cela no convento. Imediatamente, a mulher foi acudida pelas outras irmãs, e foi a Madre Superiora quem teve o primeiro contato com o papel que a freira tinha em mãos.
Assim que se recuperou, Irmã Maria explicou que aquilo se tratava de uma carta ditada pelo próprio Lúcifer durante um momento em que ela acredita ter sido possuída por ele. Nenhuma das freiras conseguiu ler, tampouco entender o que se tratavam as 14 linhas de símbolos e letras de um alfabeto arcaico, descritas de modo ininteligível. A própria Irmã Maria também foi incapaz de dizer do que se tratava, pois, segundo ela, a voz teria dito que aquela mensagem não era destinada a nenhuma delas.
Entretanto, toda aquela perseguição também fazia parte de um plano para convertê-la ao lado das trevas, para que a mulher pudesse se tornar uma espécie de "emissária do mal".
(Fonte: Daily Magazine News/Reprodução)
Ao longo dos 342 anos do ocorrido, a carta praticamente adquiriu o caráter de uma lenda urbana, como tudo que apresenta um "teor maligno". Com a ascensão da internet, a mensagem rapidamente se disseminou entre os fóruns online, até que o tempo tomou conta de reacender o interesse público.
Os pesquisadores do museu Ludum, na Itália, decidiram que desvendariam o segredo da mensagem de uma vez por todas. Com o auxílio de um programa de decodificação encontrado na deep web e usado por redes de sistema de inteligência internacional, o software detectou a presença de palavras em grego, árabe, rúnico e latim.
Daniele Abate, diretor do Museu Ludum, acredita que a Irmã Maria teria escrito a carta em um sistema de taquigrafia – um método abreviado ou simbólico de escrita –, usando um novo vocabulário ou extraindo as letras de alfabetos antigos que ela podia ter conhecido. Eles tiveram a certeza disso após testarem o software em alguns símbolos taquigráficos padrão em diferente idiomas.
Em nenhum momento, a equipe alimentou expectativas em relação ao resultado, principalmente por suspeitarem que a freira não apresentava um perfil psicológico tão equilibrado, muito embora não existissem diagnósticos de sua saúde mental em local algum nos documentos que foram encontrados sobre o seu passado. No entanto, o fim do mistério se tornou uma questão histórica para todos eles.
Sendo assim, os pesquisadores ficaram surpresos quando a mensagem da carta fazia mais sentido do que esperavam. A freira tinha um bom domínio das línguas, e o que escreveu parecia até muito coerente para ter sido fruto de um surto psicótico, como muitos alegavam.
(Fonte: My New Desk/Reprodução)
A mensagem da carta se refere a Deus, ao Espírito Santo e a Jesus como "pesos mortos" e reforça: “Deus pensa que pode libertar os mortais... O sistema não funciona para ninguém... Talvez agora Estige esteja certo”.
Na mitologia grega e romana, Estige é lido como o rio do Tártaro. Em um contexto dionisíaco, falando sobre vingança, o rio flerta com a Divina Comédia de Dante Alighieri, na qual é proposto que o Estige é um rio de almas formado por aqueles que foram condenados pelo pecado da ira.
Em uma análise, Daniele Abate interpretou essa ira e revolta toda da freira como uma espécie de reflexão interna sobre a própria luta contra "os espíritos malignos" que tentaram controlá-la durante toda a sua vida. Em um viés científico, isso poderia ser o traço de um transtorno de bipolaridade.
De acordo com a abadessa Maria Serafica, o Vaticano enxergou o episódio como uma clara luta de uma freira que tentou ser subjugada pelo mal, sendo testada até o seu último dia, e resistiu a isso apesar de tudo. Serafica explicou o único detalhe que os pesquisadores do Museu Ludum não conseguiram identificar: a abadessa disse que a palavra Ohimé (Oh eu) se trata da assinatura da Irmã Maria, que teria contrariado as ordens do Diabo de assinar a carta com o próprio nome.
O mistério encontrou parte do seu fim na explicação científica, porém o seu teor conspiratório se mantém no ar. A Igreja, inclusive, considerou a freira uma vitoriosa e a estimou dignamente, porém não o suficiente para canonizá-la.