O 'gaseificador' de Mattoon e a influência da mídia na sociedade

23/04/2021 às 12:004 min de leitura

Em 31 de agosto de 1944, na cidade de Mattoon, em Illinois (Chicago, EUA), Urban Raef foi acordado durante a madrugada ao sentir um cheiro esquisito pairando no ar. Ele se sentiu nauseado e fraco, e começou a vomitar logo em seguida. Temendo que sua família estivesse sendo envenenada por um vazamento de gás, ele acordou a esposa para que ela fosse verificar a saída de gás do fogão, porém a mulher alegou que estava parcialmente paralisada da cintura para baixo.

No dia seguinte, a Sra. Kearney, moradora da mesma rua que Raef, também foi à polícia relatar que, por volta das 23h, sentiu um cheiro forte e adocicado que a fez perder a sensibilidade nas pernas. Ela também experimentou uma sensação de queimação nos lábios e na garganta. Em pânico, a idosa chamou pela irmã, que percebeu que o cheiro vinha da janela entreaberta do quarto. Às 12h30, o marido da idosa quase teria pegado um homem escondido perto de uma das janelas da casa enquanto voltava do trabalho. Ele era alto, estava vestido com macacão escuro e um boné justo.

No mesmo dia da denúncia, o jornal diário Mattoon Journal Gazette noticiou a história com força total: “Anestesiador à solta”, com as descrições do indivíduo em uma matéria de duas páginas, dando detalhes da história da idosa, colocando-a como “primeira” vítima direta e pontuando diversas vezes que esse indivíduo teria tentado envenená-la com um gás durante a madrugada. A imprensa fez questão de informar que aquele foi o primeiro "ataque com gás", como se previsse que uma "onda" de ataques fosse acontecer.

Os relatos

(Fonte: Pinterest/Reprodução)(Fonte: Pinterest/Reprodução)

Na verdade, o Departamento de Polícia de Mattoon acreditava que se tratava de um assalto à casa dos Kearney, visto que o casal era conhecido por guardar uma grande quantidade de dinheiro em casa. Contudo, em momento algum a mídia informou essa possibilidade, levando a população a acreditar que poderia se tratar de uma espécie de “assassino gaseificador”.

A polícia recebeu a primeira evidência física dos atentados na noite de 5 de setembro, depois que o casal Carl e Beulah Cordes voltaram para casa às 22h. Beulah encontrou um pedaço de pano branco na varanda de sua casa e o cheirou, desmaiando instantaneamente. A mulher descreveu o efeito como semelhante a um choque elétrico, sentindo seu rosto inchar rapidamente e uma sensação de queimação na boca e na garganta. Depois que acordou, ela não conseguiu parar de vomitar e sentir que as pernas estavam levemente paralisadas. Ela cogitou a hipótese de que o gaseificador poderia ter deixado o pano para nocautear o seu cachorro para poder cometer o atentado.

Além do pano, os investigadores apreenderam uma chave mestra na calçada ao lado da varanda junto com um batom acabado. O pano foi periciado, mas não encontraram vestígio algum de produto químico. Então o que causou a reação de Beulah Cordes? Na mesma noite, a casa de Leornard Burrell quase foi invadida por um homem que tentou entrar pela janela de seu quarto.

Em duas semanas, 25 pessoas alegaram que foram acordadas no meio da noite com um forte cheiro de gás que os asfixiou, causou vômito e paralisia temporária.

A histeria em massa

(Fonte: NPR Illinois/Reprodução)(Fonte: NPR Illinois/Reprodução)

“Gaseificador louco ataca novamente”, foi o que o Journal Gazette publicou no dia seguinte, levando à loucura a então população de 17 mil habitantes, sendo que uma pesquisa de marketing de uma empresa em Chicago revelou que o jornal alcançava 97% da cidade de Mattoon. Em uma época em que a televisão não era popular, o jornal era a fonte principal de notícias.

Temendo uma espécie de atentado em meio ao cenário de tensão da Segunda Guerra Mundial, as autoridades locais entraram em contato com o FBI, que emitiu um comunicado apelando aos habitantes para que evitassem permanecer sozinhos em casa. Além disso, o Chefe de Polícia, C.E. Cole, também desarticulou os grupos de vigilância para encontrar o gaseificador por motivos de segurança pública, e alertou sobre os cuidados com o uso de armamento pessoal para proteção.

Mesmo quando não havia relato nenhum de ataques, o gaseificador aparecia em todos os jornais com manchetes banais e sensacionalistas como “Anestesista louco, aparentemente, deu um tempo em suas investidas”, deixando os cidadãos mais aterrorizados com a iminência de um ataque. Com a notícia em cada canto, não demorou muito para que a história ganhasse repercussão nacional, indo parar até na revista Time. A prefeitura de Mattoon foi bombardeada com milhares de pessoas do país enviando sugestões de o que deveria ser feito.

(Fonte: American Hauntings/Reprodução)(Fonte: American Hauntings/Reprodução)

Os habitantes embarcaram em uma histeria coletiva tão inflamada pelo que a mídia veiculava, que a polícia passou a receber milhares de alarmes falsos e também sofreu com o aumento de suposta evidências físicas dos ataques relatados, entre pegadas no parapeito de janelas e rasgos em telas de proteção. Em um ponto em que já não sabiam mais o que era ou não verdade, a polícia anunciou que todo o incidente estava sendo exacerbado pelos temores públicos e influência da mídia, e que não investigaria mais nenhuma denúncia.

Enquanto isso, as autoridades locais, a polícia estadual e o Departamento Federal de Investigação (FBI) não conseguiram encontrar nenhum vestígio do terrorista. O Serviço de Guerra Química do Exército dos Estados Unidos também foi incapaz de determinar o que poderia ser o gás.

Efeito placebo

(Fonte: Mysterium Incognita/Reprodução)(Fonte: Mysterium Incognita/Reprodução)

Thomas V. Wright, comissário local de Saúde Pública, afirmou que houve incidentes com o gás, mas que a maioria foi de casos oriundos de histeria em massa de tudo o que as pessoas estavam ouvindo e morrendo de medo, sendo que a ameaça mesmo até então havia se mostrado um tanto quanto inofensiva.

Em 12 de setembro daquele ano, C.E. Cole, por sua vez, diante de toda a investigação feita, informou que a polícia acreditava que não havia terrorista algum, e que o gás poderia ser fruto da queima de produtos químicos de instalações industriais que foram liberados no ar e carregados até a cidade pelo vento.

(Fonte: The Dark Histories Podcast/Reprodução)(Fonte: The Dark Histories Podcast/Reprodução)

Em 1945, o professor da Universidade de Illinois, Donald M. Johnson, publicou no Journal of Abnormal and Social Psychology um estudo de campo sobre o "gaseificador fantasma de Mattoon" e os impactos da histeria coletiva. Ele pontuou que os sintomas físicos eram psicogênicos e que foram impulsionados pelo que a Sra. Kearney relatou para a polícia e o que a mídia transferiu para os habitantes, sugerindo que haveria mais ataques quando a colocou em uma posição de “primeira vítima”. A partir desse momento, a história acrítica teria causado um efeito "bola de neve" nas pessoas, sugestionadas a atribuírem qualquer coisa de incomum aos supostos ataques.

Então, no final das contas, de acordo com o psicólogo, o gaseificador de Mattoon foi uma prova do poder de um jornal de influenciar a opinião e saúde pública. Segundo ele, se não houvesse a cobertura da mídia, a epidemia de histeria não teria acontecido, pois o boca a boca seria muito lento para criar um efeito como aquele, ainda mais em tempos obscuros.

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