Estilo de vida
28/06/2016 às 12:49•3 min de leitura
Você consegue imaginar a sua vida sem a existência de números? E não estamos falando apenas de dígitos escritos aqui e ali, mas de conceitos como os de soma, divisão, quantidade e medida, por exemplo. Difícil, não é mesmo? Não usar essas ideias para explicar que você gostaria de três pãezinhos em vez de dois, que o seu amigo divide o apartamento com outra pessoa ou, ainda, que o seu salário terminou antes do final do mês!
Mas existe uma tribo na Amazônia que, surpreendentemente, não emprega o conceito de números em seu cotidiano — e vive muito bem sem eles, obrigada! Aliás, esse mesmo grupo indígena também não emprega verbos no futuro ou no passado e ainda dispensa um recurso presente em todas as línguas e que permite inserir frases em outras frases indefinidamente.
Eles são os pirahãs, que se tornaram conhecidos há alguns anos, depois que alguns estudos científicos sobre a sua peculiar forma de comunicação foram publicados pelo mundo. Até onde se sabe, o grupo travou o primeiro contato com o homem branco em 1921, mas cerca de 230 integrantes da tribo conseguiram manter certo isolamento — e sua cultura.
Os pirahãs não empregam o raciocínio matemático para se comunicar
As terras dos pirahãs ficam no Amazonas (mais precisamente, na cidade de Humaitá), e seu idioma foi estudado pela primeira vez por um linguista e ex-missionário norte-americano chamado Daniel Everett, que passou sete anos com a tribo. O estrangeiro chegou a contar com a ajuda de outros especialistas para analisar a comunicação entre os integrantes da comunidade e inclusive conduziu uma série de experimentos.
Os linguistas descobriram que os pirahãs se referem ao seu idioma como ApaitsiisoI, ou seja, “aquilo que sai da cabeça”, e empregam diferentes tons para estabelecer significados. Com isso, eles podem usar modos específicos de comunicação dependendo da situação — como gritos, para se comunicar a distâncias maiores, quando estão navegando divididos em canoas diferentes, e assovios, quando se encontram em expedições de caça.
Eles não entendem o conceito de quantidade associado a números. (Fonte: Povos Indígenas no Brasil )
A tribo ainda possui um terceiro tipo de comunicação, que eles usam quando estão comendo e se baseia no emprego de tons enquanto eles estão mastigando os alimentos — o que permite que eles conversem durante as refeições.
Além disso, segundo os linguistas, os pirahãs desenvolveram termos para expressar as ideias de “muito”, “pouco” e “alguns”. Contudo, nenhum desses conceitos está associado com números — e são todos relativos e usados de acordo com o contexto em que são empregados.
E voltando ao assunto das refeições e expedições de caça, Everett observou que, quando os integrantes da tribo se reúnem para compartilhar seu alimento, eles simplesmente se sentam em círculo, cortam os animais — ou o que quer que eles tenham preparado — e vão distribuindo os pedaços até que eles acabem e todos estejam servidos. Assim, embora exista uma “divisão”, ela acontece sem números, e o compartilhar ocorre sem que os pirahãs deem atenção ao que ganharam.
A maioria dos homens da tribo é capaz de entender o português, embora apenas alguns consigam se comunicar no nosso idioma. Entretanto, eles desenvolveram uma forma de comunicação com pessoas que não fazem parte da tribo que consiste em uma mistura de português com palavras pirahãs e o nheengatu, que é a língua geral amazônica. Já entre as mulheres, são raras as que entendem e usam o nosso idioma.
E a tribo vive muito bem sem esses conceitos. (Fonte: Povos Indígenas no Brasil )
O mais interessante é que, apesar de não existirem palavras em seu idioma para designar números, os pirahãs não têm qualquer necessidade de usar o raciocínio matemático para viver em sociedade. Além disso, ao não conceber as ideias de passado e futuro, os integrantes da tribo não reconhecem a existência de seus ancestrais como nós fazemos nem fazem planos para o futuro.
Um fator muito curioso a respeito do estudo da comunicação utilizada pelos pirahãs é que a estrutura de sua língua parece desafiar a teoria — proposta por um cara chamado Noam Chomsky e consagrada mundo afora — de que existe uma gramática universal que serve como base para todas as línguas.
De acordo com Chomsky, todos os idiomas apresentam um conceito básico conhecido como recursividade e que se refere à possibilidade de inserir frases em outras frases indefinidamente. Um exemplo de recursividade seria “eu escrevi esta matéria. Ela disse que eu escrevi esta matéria. Ele acha que ela disse que eu escrevi esta matéria”, e assim sucessivamente.
(Fonte: Gabriel Bicho / A Última Trincheira)
Entretanto, apesar de Chomsky afirmar que todos os idiomas contam com esse recurso, os pirahãs não parecem fazer uso dele, o que, pelo menos por enquanto, os torna o único grupo no mundo inteiro que não emprega a recursividade em sua língua. Incrível, não é mesmo?
Nós aqui da redação do Mega Curioso gostaríamos de agradecer ao nosso leitor Estevão Carvalho pela sugestão de pauta. Valeu, Estevão! ;)