Artes/cultura
29/03/2019 às 03:01•4 min de leitura
Graças à internet, mesmo quem é jovem demais para ter assistido aos desenhos antigos na TV sabe quem são He-Man e She-Ra. No auge da popularidade do defensor musculoso de Grayskull, na década de 1980, A empresa de brinquedos Mattel e o estúdio de animação Filmation perceberam que 30% da audiência do espadachim com a pior identidade secreta do mundo era surpreendentemente constituída por meninas.
Para ajudar a satisfazer o inesperado desejo por uma personagem feminina de fantasia, as companhias tiveram a ideia de criar She-Ra, a irmã gêmea do príncipe Adam e a mais nova princesa-guerreira de Ethéria. Seja você um fã de longa data das aventuras da heroína ou não, confira a seguir alguns fatos interessantes e pouco conhecidos a respeito da criação e aceitação desse ícone que marcou a infância de muitos de nós.
Embora ela fosse um fruto da linha extremamente masculina de brinquedos do He-Man, a Mattel resolveu descrever She-Ra como uma “boneca fashion de ação”, levando a uma espécie estranha de mistura entre as brincadeiras de aventura e casinha. A classificação ambivalente levou às lojas à loucura, já que não sabiam se deviam posicionar a novidade junto às Barbies ou em meio aos bonequinhos de ação.
Ao que parece, não houve muito consenso para resolver a situação, com alguns estabelecimentos colocando She-Ra ao lado de He-Man e outros a posicionando junto às bonecas. Algumas lojas, no entanto, resolveram abraçar a ambiguidade e dividiram seus estoques, posicionando o brinquedo simultaneamente nos dois departamentos.
Em uma entrevista ao site He-Man.org, uma representante da Mattel, Janice Varney-Hamlin, afirmou que as vendas da Barbie haviam estagnado na época. Segundo ela, a introdução de uma linha competitiva de bonecas fashion de propriedade da empresa ajudaria a expandir o tamanho da categoria como um todo e permitiria que as outras famílias de brinquedos para garotas também voltassem a crescer.
A prática é comum no mundo dos produtos infantis, com linhas auxiliares sendo criadas para dar apoio a um produto principal ao aumentar o interesse pela categoria. Depois de passar por um sufoco graças ao surgimento de bonecas rivais, She-Ra aumentou o interesse do mercado e, em 1986, a Barbie conseguiu atingir US$ 350 milhões em vendas.
Uma pesquisa do Instituto de Estudo de Mulheres e Homens da University of Southern California realizada no final dos anos 1980 classificou diferentes linhas de bonecas com base em como um grupo de garotas achava que as personagens se comportariam. Enquanto a maioria das meninas achou que a Barbie provavelmente gostava mais de sair para encontros, a característica que marcou She-Ra foi a de que ela provavelmente costumava “segurar as lágrimas”.
Além disso, a defensora de Ethéria foi escolhida como uma maior mentora em potencial em vez da popular Barbie. Enquanto uma das garotas participantes disse gostar de She-Ra porque a personagem “sabe o que quer e como conseguir atingir seus objetivos”, um menino que teve sua opinião solicitada ressaltou o fato de a princesa-guerreira ser forte e inteligente. “A única coisa com que a Barbie se preocupa é vestir suas roupas e viver em sua casa dos sonhos”, disse o garoto.
A boneca de ação She-Ra originalmente lançada em 1985 vinha com uma mantilha alada que podia ser virada ao contrário e usada como uma máscara, mas as meninas nos grupos de teste não gostaram do apetrecho. A Mattel então resolveu deixar a ideia de lado, de forma que os compradores dificilmente notavam a possibilidade, e a Filmation decidiu fazer a heroína usar uma tiara convencional no desenho animado.
Pouco antes de lançar a nova linha de bonecas da irmã do He-Man, a Mattel ficou sabendo da existência do livro de fantasia que possuía uma personagem chamada Sheera – a obra em questão era “Ladies of Mandrigyn”, de autoria de Barbara Hambly. Ainda que ela não tivesse muito em comum com She-Ra além do nome, a empresa decidiu comprar os direitos aos livros por US$ 25 mil para que companhias rivais não pudessem competir com seu novo produto.
Em alguns momentos do desenho em que She-Ra precisaria ser mais expressiva, os produtores contavam com uma especialista de animação em particular. Segundo o roteirista Bob Forward, a profissional em questão era responsável por “encher tudo de luxúria” e o diretor “sempre a usava para todos os momentos em que ele queria transmitir paixão”.
Responsável pelo marketing dos produtos para garotas na Mattel, Hamlin também costumava contratar atrizes para aparecer em lojas de brinquedo fazendo o papel de She-Ra. Segundo ela, os corredores da empresa subitamente se enchiam de funcionários do sexo masculino sempre que havia audições com mulheres para interpretar a princesa-guerreira.
Nem mesmo a forte campanha de marketing permitiu que She-Ra duplicasse o sucesso comercial do seu irmão e, de acordo com um ex-funcionário da Mattel, somente cerca de US$ 60 milhões foram obtidos com produtos da personagem em 1985 – um número risível perto dos US$ 400 milhões que He-Man atingiu no ano seguinte.
As vendas do herói musculoso, no entanto, afundaram algum tempo depois. Hamlin afirma que funcionários no departamento de brinquedos para meninos da Mattel insistiam que She-Ra era culpada por isso. Picuinhas à parte, o mais provável é que a saturação do mercado de bonequinhos de ação tenha levado o personagem ao fracasso.
Se você é fã dos filmes de baixo orçamento dos anos 1980 ou se costumava assistir à televisão aberta quando jovem, deve se lembrar do longa “He-Man e os Mestres do Universo”. O que pouca gente sabe é que a ideia original era incluir She-Ra na trama e que a personagem chegou a aparecer em artes conceituais. No entanto, o diretor Gary Goddard sentiu que seria melhor se concentrar no herói no primeiro filme – que acabou sendo o único.
Já em 2006, um dos chefes da Entertainment Rights despertou o desagrado dos fãs ao afirmar que a princesa-guerreira deveria receber uma reinvenção radical. “Nós provavelmente vamos relançar She-Ra como parte de uma banda de rock e sendo uma garota com longos cabelos loiros e uma guitarra no lugar de uma espada”, afirmou o CEO Michael Heap. A ideia acabou sendo esquecida e, diferentemente de seu He-Man, a princesa ainda não ganhou um remake.
De acordo com Erika Scheimer, filha do falecido presidente da Filmation, Lou Scheimer, She-Ra acabou se tornando um ícone gay devido a algumas referências subversivas feitas pelos roteiristas do desenho – como um episódio em que o ajudante masculino da heroína, Arqueiro, aparece usando um vestido. Segundo a produtora, a música-tema da animação nos EUA, “I Have the Power”, também já foi tocada em vários casamentos homossexuais.
Em 2014, uma operadora de caixa de supermercado britânica chamada She-Ra Batey foi presa por roubar o equivalente a mais de R$ 15.793 de seus empregadores para poder viajar ao México em suas férias. A funcionária se declarou culpada e foi forçada a restituir a empresa.
*Publicado em 12/06/2015