Ciência
28/05/2022 às 11:00•2 min de leitura
No começo do século XIX, um jovem chamado Carlo Lorenzini passou boa parte de sua infância morando na casa de parentes em Florença, na Itália. Mais tarde na vida, ele se tornaria escritor e adotaria o nome Carlo Collodi como pseudônimo. Tendo escrito ensaios políticos e sátiras para adultos sua vida inteira, decidiu voltar sua atenção ao público infantil quando chegou aos 50 anos.
E foi aí que surgiu seu conto As aventuras de Pinóquio: História de um boneco (1881), uma série de textos que contavam a história de um dos personagens mais famosos da ficção infantil no século XX: Pinóquio, o boneco de madeira que se transformou em um menino de verdade. Na cultura popular, temos a ideia de que o personagem era apenas um ser que via seu nariz aumentar conforme contava mais mentiras. No entanto, o conto original fala muito mais que isso. Entenda!
Ilustração de Enrico Mazzanti, na primeira edição de As Aventuras de Pinóquio. (Fonte: Wikimedia Commons)
Embora tenha sido criada para o público jovem, a história de Pinóquio pode ser interpretada como uma mensagem política disfarçada de conto de fadas. As Aventuras de Pinóquio foi adaptada para o cinema 18 vezes e, inclusive, aparecem nos planos de grandes empresas como a Disney e a Netflix.
A primeira animação da Disney em 1940 dá grande destaque para o enredo do "boneco de madeira cujo nariz cresce cada vez que mente". Pinóquio realmente é um contador de mentiras na história original, mas isso é um reflexo do seu mau comportamento em geral. Mais do que tudo, ele é egoísta e não confiável.
Por suas escolhas ruins, fez com que Gepeto — seu criador — fosse levado à prisão. Porém, o texto é profundo e muito mais complexo do que parece. Na obra original, fica evidente que Gepeto é nada mais do que um entalhador sofrendo com a pobreza em uma dura sociedade italiana do século XIX. E é aí que tudo se constrói.
(Fonte: Wikimedia Commons)
Ao longo de As aventuras de Pinóquio: História de um boneco, o garoto passa boa parte do tempo ansioso em encontrar algo para comer. Ao voltar da cadeia, Gepeto oferece ao fantoche três peras que ele pretendia se alimentar no seu próprio café da manhã — um forte sinal de humildade e carinho por alguém que o prejudicou.
Em determinado episódio, Pinóquio sofre de uma febre tão grande que é transformado em burro. Essa nada mais é do que uma punição por ter faltado à escola. Inclusive, o grilo falante o alerta: "Seu pobre otário! Você não sabe que vai crescer e se tornar um burro absoluto e que todo mundo vai fazer você de tolo?”
No fim das contas, Collodi sempre tentou passar uma mensagem para as crianças de que ir ao colégio era uma missão importante e que não deveria ser levada com descaso. Sobretudo em uma época em que trabalhadores não qualificados passavam dificuldades extremamente brutas, dar valor à educação era algo essencial.
(Fonte: Shutterstock)
Apesar de ser apenas um conto infantil, as histórias de Pinóquio surgiram em um momento chave na evolução da identidade italiana e da linguagem nacional. O boneco de maneira falava um italiano correto, mas informal. Carlo Collodi, além de querer educar os jovens italianos, queria enviar mensagens políticas a seus pais.
Em praticamente todos os episódios, a história encontra um jeito de lembrar os leitores de não confiar no sistema de justiça. Collodi também sempre deu seus jeitos de satirizar a corrupção no mundo dos negócios e no governo — dando destaque para a disparidade entre classes sociais.
Quando um marionetista assustador ameaça jogar o amigo de Pinóquio, Arlequim, no fogo, o boneco profere a seguinte frase: “Eduque-se. Não deixe as pessoas puxarem suas cordas". Logo, podemos interpretar que a história do brinquedo de maneira nunca foi apenas sobre os problemas de se contar mentiras, mas carregava uma mensagem muito mais profunda de seu autor para o mundo.