Hospital Colônia Itapuã: conheça o último leprosário do Brasil

26/03/2023 às 04:003 min de leitura

A hanseníase é uma infecção causada por bactérias que causa danos no sistema nervoso, no sistema respiratório e, também, na pele. As pessoas desenvolvem feridas e podem perder sua capacidade de sentir dor.

Como, durante muito tempo, não existiu tratamento contra a infecção, as pessoas acometidas por ela também sofriam grande estigma social — pois as feridas são visíveis e pensava-se que a lepra era muito contagiosa. Embora seja, ela demanda contato direto com secreções, e não apenas um toque na pele, para passar de uma pessoa para outra. 

A questão é que não se sabia disso. Então os "leprosos", como eram chamados, se tornavam párias. Eram totalmente isolados da sociedade.  E não faz tanto tempo que essa situação mudou. Tanto que, em 1940, foi inaugurado o Hospital Colônia Itapuã, que era um leprosário para separar os doentes da sociedade.

Ele fica em Viamão, a 60 km de Porto Alegre, em uma área rural bastante isolada com 1.253 hectares. A grande diferença do Hospital Colônia Itapuã para os vários outros leprosários que existiam pelo Brasil afora é que ele está aberto até hoje.

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Mais que um hospital, uma cidade

Porta de entrada para a ala dos pacientes. (Fonte: Letícia Castro/Flickr/Reprodução)Porta de entrada para a ala dos pacientes. (Fonte: Letícia Castro/Flickr/Reprodução)

Atualmente, sabe-se que a hanseníase pode ser tratada com antibióticos, sem que a pessoa precise ser retirada do convívio em sociedade — ainda mais compulsoriamente. No entanto, de 1940 até 1985, 2.474 pessoas com hanseníase foram parar no Hospital Colônia Itapuã contra a sua vontade. Era uma lei que valeu por décadas. 

Para que as pessoas vivessem isoladas da sociedade, a Colônia não era um hospital comum. Na verdade, era mais uma mini-cidade. Ela tinha três áreas bem divididas: a "área limpa", onde viviam os funcionários saudáveis, a área intermediária e a "área suja", onde os doentes viviam, separados do resto do mundo por muros. 

Lá dentro, haviam ruas e praças, casas e pavilhões com quartos compartilhados, igrejas e até um salão de festas — que foi construído pelos próprios moradores, que criaram uma olaria. Os hansenianos, uma vez isolados, criavam uma nova vida dentro da Colônia. 

"Pavilhão de Diversões". (Fonte: Gabriela Klaus/Flickr/Reprodução)"Pavilhão de Diversões". (Fonte: Gabriela Klaus/Flickr/Reprodução)

Até porque as visitas de familiares só eram possíveis através do muro que separava as áreas. Com o tempo, muitos largavam os doentes à própria sorte — então, criar novos laços com as pessoas que também viviam lá dentro era uma questão de sobrevivência. Há histórias de crianças diagnosticadas ainda cedo, que cresceram dentro do hospital, além de famílias que foram separadas pela política de isolamento. 

Aristides Amaral, por exemplo, foi diagnosticado aos 31 anos, em 1974. Não teve tempo nem de se despedir da esposa, antes de ser levado para a Colônia. Depois de um tempo, ela foi morar lá, burlando a segurança do local. Terezinha ainda vive em uma casa dentro da "área suja" com a filha mais nova, Suzana, agora com 59 anos. 

Já Valdeci foi para a Colônia cuidar da mãe, hanseniana, em 1959. Diferente de Terezinha, que nunca teve a doença, Valdeci a teve. Então construiu uma nova vida ali, casando-se três vezes com outros pacientes e dando à luz onze filhos. Todos tirados dela. 

As crianças que nasciam dentro da Colônia eram imediatamente afastadas das mães, que só podiam ver (sem tocar). Então, os bebês iam para orfanatos ou para adoção. Estima-se que há mais de 40 mil pessoas no Brasil que foram separadas de seus pais hansenianos.

O futuro (e o passado) da Colônia

(Fonte: Letícia Castro/Flickr/Reprodução)(Fonte: Letícia Castro/Flickr/Reprodução)

A cura para a hanseníase foi descoberta nos anos 1940, pouco tempo depois da inauguração do Hospital Colônia Itapuã. Mas até que ela se tornasse acessível, já era tarde para quem foi isolado do mundo nessa mini-cidade. 

As leis que determinavam a internação compulsória de pessoas com hanseníase começaram a ser revertidas nos anos 1960, mas demoraram mais para serem adotadas em alguns estados. O Rio Grande do Sul foi um deles — tanto que Aristides foi para lá em 1974. 

Com o tempo, as pessoas foram sendo liberadas para sair, até porque muitas nem tinham mais hanseníase, e novos pacientes pararam de chegar. Por essa época, o Hospital Psiquiátrico São Pedro, de Porto Alegre, estava sofrendo com superlotação. Então, começou a enviar doentes mais graves para a Colônia Itapuã. 

Igreja Evangélica do HCI, inaugurada em 1948. (Fonte: Gabriela Klaus/Flickr/Reprodução)Igreja Evangélica do HCI, inaugurada em 1948. (Fonte: Gabriela Klaus/Flickr/Reprodução)

Sendo assim, a instituição também se envolve na luta antimanicomial. Com mudanças na lei e na própria maneira de tratar doenças psiquiátricas, o Governo do Rio Grande do Sul pretende fechar a Colônia. Os pacientes psiquiátricos serão transferidos para residenciais terapêuticos, mais próximos do resto do mundo. 

Ainda assim, muitas pessoas decidiram não deixar a Colônia Itapuã, mesmo sendo livres para fazer isso. É o caso de Terezinha, de sua filha Suzana e de Valdeci, que mencionamos antes. Ao todo, ainda há cerca de 60 pessoas no hospital e muitas não querem deixar o lugar onde passaram a maior parte de suas vidas.

As autoridades afirmam que ninguém será obrigado a deixar o Hospital Colônia Itapuã, mas incentiva a desocupação do espaço para poder encerrar a história do último leprosário do Brasil. 

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