Ciência
01/10/2023 às 06:00•3 min de leitura
Em 2016, a exposição "Mulheres Pioneiras: Elas Fizeram História" foi realizada na Câmara dos Deputados, em Brasília, apresentando personalidades femininas que lutaram para ocupar seu espaço na sociedade ou defender os seus valores. Em meio a tantos nomes célebres estava o de Joana Angélica, a abadessa assassinada por tropas portuguesas no ano da Independência do Brasil.
Ela é considerada a primeira heroína da epopeia que foi a libertação do nosso país do domínio colonial português. “Nenhum dos tormentosos acontecimentos da época impressionou mais fundo a alma da Bahia do que o selvagem ataque dos soldados contra o indefeso convento de Nossa Senhora da Conceição da Lapa”, escreveu o historiador Bernardino José de Souza em seu livro Heroínas Baianas.
Joana Angélica. (Fonte: Domenico Failutti/ Museu Paulista/Wikimedia Commons)
Joana Angélica de Jesus nasceu na Bahia em algum momento de 1761. De família abastada, ainda jovem entrou para a Ordem da Imaculada Conceição, no fatídico Convento Nossa Senhora da Conceição da Lapa. Foi lá que ela construiu sua carreira, se tornando duas vezes abadessa do local, e se tornando referência para a sociedade baiana de Salvador.
É preciso olhar para o contexto do Brasil daquela época para entender como e por qual motivo o Convento da Lapa foi manchado pelo sangue de Joana Angélica.
(Fonte: Wikimedia Commons)
Com o início do século XIX, as ideias iluministas e liberais promovendo a igualdade, liberdade e a independência, que surgiram no final do século anterior, ganharam força na boca dos intelectuais e líderes brasileiros. Não demorou muito para que eles passassem a questionar a legitimidade do domínio colonial português e do sistema monárquico absolutista.
A exploração econômica e tributação, as restrições comerciais ao Brasil, falta de representação política significativa do país nas decisões políticas em Portugal e descontentamento com a corte portuguesa; tudo isso criou um ambiente propício para que o domínio português fosse questionado. À sombra da Revolução Francesa e das Guerras Napoleônicas, a busca pela independência se tornou uma vontade.
A Inconfidência Mineira (1789) e a Revolução Pernambucana (1817) foram apenas alguns dos episódios que marcaram as movimentações do povo brasileiro em se livrar dos portugueses. A Assembleia Constituinte em Lisboa, que aconteceu em 9 março de 1821, frustrou tanto as expectativas do Brasil de que uma nova Constituição pudesse trazer mais autonomia e igualdade para a colônia, que rompeu a tensão.
No mesmo ano, se espalharam movimentos e grupos pró-independência do Brasil, com figuras importantes, como José Bonifácio de Andrada e Silva, advogando em prol do sentimento nacionalista para que o povo brasileiro reivindicasse seus direitos.
(Fonte: Wikimedia Commons)
Para tentar reprimir movimentos locais e manter o controle sobre a colônia, no início de 1822, houve um aumento significativo de tropas portuguesas em várias partes do Brasil, principalmente na Bahia, onde não apenas o sentimento anti-lusitano era grande como a predominância de movimentos radicais que lutavam pela autonomia ou pela independência.
“Havia na Bahia uma relação muito conflituosa entre portugueses e nativos, muito por conta da cobrança de impostos, mas também por conta da miséria em que muitos escravos e libertos viviam numa região que estava perdendo cada vez mais a força para o Rio de Janeiro”, observou Victor Missiato, professor do Colégio Presbiteriano Mackenzie Tamboré, em entrevista à BBC News.
Em 20 de fevereiro de 1822, setores populares baianos se revoltaram com a nomeação do militar português, o general Madeira de Melo, para o cargo de governador das Armas da Bahia. Essas "experiências de poder", ou seja, como portugueses nascidos no Brasil eram alçados a cargos importantes, também figurava como um dos motivos de existirem conflitos na Bahia.
Diante disso, cidadãos tentaram impugnar a posse do general, causando um embate entre os populares e os soldados baianos contra o militar e seus comandados. O ponto alto do conflito naquele dia foi a tomada do Forte de São Pedro, onde o brigadeiro Manuel Pedro de Freitas Guimarães, comandante nativista, foi dominado, preso e enviado para Portugal.
(Fonte: Mais de Salvador/Reprodução)
Soldados portugueses perseguiram os brasileiros que escaparam do Quartel da Mouraria, que ficava perto do Convento da Lapa. Eles bateram à porta do local alegando que as religiosas estavam dando abrigo para os fugitivos.
Joana Angélica os atendeu e tentou impedi-los de entrarem no claustro, que era proibido para homens. A cena terminou com a abadessa de 61 anos assassinada a golpes violentos de baioneta desferidos por um dos soldados. Apesar da inclemência que os militares trataram a líder religiosa, pouparam as outras freiras, autorizadas a serem transferidas para o Convento da Soledade.
Para o historiador Guerra Filho, o gesto de Joana Angélica também foi motivado pelo contexto político da região, tanto quanto pelos valores católicos. Afinal, nascida e criada em Salvador, ela tinha percepção o suficiente sobre as injustiças e opressão portuguesa.
Em 2001, devido ao seu ato de bravura, a Arquidiocese de Salvador submeteu o seu caso à análise do Vaticano para o processo canônico de beatificação da mulher.