Em 26 de novembro de 1977, um indivíduo autodenominado Vrillon, de um suposto Comando Galático Ashtar, invadiu uma estação de TV na zona rural do Sul da Inglaterra durante um boletim de notícias. O áudio do programa foi substituído por uma voz que avisou que um desastre afetaria o destino da raça humana e dos seres de “outros mundos”. Essa foi a primeira vez que um hacker invadiu um sinal de televisão na Europa.
Em 27 de abril de 1986, às 12h32, foi a vez dos Estados Unidos sofrer uma intervenção hacker. O canal HBO teve seu sinal interrompido durante a exibição do filme A Traição do Falcão por um homem autodenominado Capitão Meia-Noite. Telespectadores ao longo de toda a costa leste assistiram ao homem discursar durante 5 minutos sobre sequestrar os sinais de outras emissoras.
O caso se tornou influente na cultura popular, mas perdeu seu posto 1 ano depois para um incidente ainda mais emblemático.
Transmissão interrompida

Na noite de domingo de 22 de novembro de 1987, o canal WGN-TV, que transmitia para a cidade de Chicago, apresentava o comentarista esportivo Dan Roan, que cobria os destaques da recente vitória do time de futebol americano Bears contra o Detroit Lions.
Por volta das 21h14, Roan sumiu da tela e foi substituído por um chiado colorido que durou 15 segundos até que a imagem retomasse. Para o espanto de todos, havia uma pessoa vestindo uma máscara de borracha com o rosto de Max Headroom: um personagem britânico criado através de Inteligência Artificial pelo trio Jankel, Stone e Morton, em 1985.

Durante 30 segundos, a pessoa por trás da pitoresca máscara ficou parada diante do fundo com barras giratórias enquanto um zumbido dissonante se repetia, até que os engenheiros de sinal da WGN conseguissem transferir o sinal para o topo do prédio da emissora.
Quando a imagem voltou para um Dan Roan confuso, ele expressou tudo o que as milhares de pessoas que assistiam ao Canal 9 estavam pensando: “Bem, se você está se perguntando o que aconteceu, eu também estou”, declarou o comentarista, rindo.
Mensagem indireta

A programação seguiu como planejada, porém uma confusão havia-se instaurado na sala de controle da WGN-TV — localizada no bairro de Bradley Place, ao norte de Chicago, a 11 quilômetros do John Hancock, o edifício de 100 andares onde ficavam os estúdios do canal. Como conseguiram se intrometer no sinal deles? Quem era aquela pessoa e o que ela quis dizer com sua aparição?
Às 21h16, os técnicos começaram a vasculhar o prédio após suspeitarem de que aquilo era trabalho de algum transgressor infiltrado. No entanto, eles não conseguiram encontrar nada, mas o hacker ainda não tinha acabado com o seu show particular.
Às 23h15, exatamente 2 horas depois, o canal WTTW, na época filiado ao canal PBS, transmitia o episódio Horror of Fang Rock, o primeiro da 15ª temporada da série britânica Doctor Who, quando a imagem foi interrompida por pura estática. Um painel de metal girando de maneira hipnótica surgiu na tela junto à cópia mascarada de Max Headroom.

A voz distorcida, que lembrava a de um vilão débil de desenho animado, disse: “Ele é um nerd maldito! Eu acho que sou melhor do que o Chuck Swirsky. Liberal de merda!”. Headroom estava se referindo ao locutor dos jogos do Chicago Bulls, o preferido da WGN Radio.
Entre xingamentos, ele cantarolou o tema do desenho Clutch Cargo, da década de 1960. Ele recitou o slogan da Coca-Cola e disse: “Eu ainda vejo o X”, uma referência ao título do último episódio de Clutch Cargo. O hacker ainda chegou a pegar uma luva brilhante e jogá-la longe gritando que ela estava “suja de sangue”, provavelmente em uma referência polêmica envolvendo o astro Michael Jackson.
“Acabei de fazer uma obra-prima enorme para todos os nerds dos maiores jornais do mundo”, observou o hacker, em uma provocação à emissora WGN, cuja abreviatura significa “O Melhor Jornal do Mundo”.
Por último, Headroom surgiu com a bunda de fora enquanto uma mulher batia nela com um mata-mosca. “Eles estão vindo me pegar! Venha me pegar, vadia!”. A voz distorceu até que a transmissão da série foi retomada.
Pirataria televisiva

A intervenção hacker durou exatamente 22 segundos antes que os engenheiros de sinal pudessem bloqueá-la. No momento do incidente, não havia nenhum engenheiro de plantão na torre transmissora da WTTW, por isso demoraram tanto para retomar a transmissão do canal. Sem ninguém que pudesse gravar a cena, as únicas cópias da ação do hacker foram registradas por fãs de Doctor Who que gravavam o episódio em seus videocassetes.
Entre confusos e revoltados pela interrupção, milhares de telespectadores ligaram para as duas emissoras para tentar descobrir o que havia acontecido. No dia seguinte, a intromissão hacker era matéria de capa de todos os jornais de Chicago, nas quais muitos se referiram ao feito como “pirataria televisiva”.
Apesar de o caso ter sido tratado de forma cômica pela mídia, as autoridades não encararam a situação de maneira espirituosa. O então diretor de engenharia da WGN, Robert Strutzel, disse em entrevista ao Chicago Sun-Times que a ação foi digna de um especialista.
“Isso não é o tipo de coisa que é feita por alguém no porão de sua casa. É preciso ter um equipamento de micro-ondas sofisticado em níveis de alta potência para superar nossa instalação. E a margem de erro é muito pequena”, declarou ele, enfatizando que era necessário conhecimento especializado de um engenheiro de televisão para a operação.

Em contraponto, os agentes da Comissão Federal de Comunicações (FCC) acabaram descobrindo que a ação do hacker não foi muito complexa. Ele teria colocado sua própria antena parabólica entre a torre de transmissão da emissora e interrompido o sinal original apenas com um bom posicionamento e timing perfeito, sem precisar de equipamentos caros ou estudo técnico aprofundado.
Phill Bradford, então porta-voz da FCC, afirmou em rede nacional que a pessoa por trás da máscara de Max Headroom pagaria uma multa de US$ 100 mil se localizada, além de ter que enfrentar 1 ano de prisão. No entanto, o governo jamais encontrou o hacker, tampouco qualquer pista de sua identidade.
Enraizado na cultura popular norte-americana, o incidente hacker de Max Headroom ecoa no conceito de vigilantismo virtual adotado pelo Anonymous e também na trama do filme distópico V de Vingança.