Estilo de vida
24/10/2019 às 15:00•5 min de leitura
Nem os moradores mais familiarizados com a pacatez da vizinhança da rua Muir Woods, na cidade de Perris, Califórnia, suspeitavam o que acontecia por trás da porta da casa de número 160, habitada pela família Turpin, cujo jardim da frente era sempre mantido limpo, aparado e bonito, apesar da estiagem. Ninguém ouvia risadas, conversas ou movimentações do jeito que se é esperado num local onde 15 pessoas conviviam, sendo 13 delas crianças.
“Eu nem sabia que eles tinham filhos”, foi o que um dos vizinhos disse à imprensa quando a casa foi cercada por viaturas naquela pacata manhã de domingo do dia 14 de janeiro de 2018, quando o mundo descobriu que Louise e David Turpin cometiam todos os tipos de abusos com os filhos e os mantinham em cárcere privado em condições inumanas há mais de seis anos.
Louise Ann Turpin nasceu em maio de 1968 e teve uma infância abusiva e conturbada. Em declaração ao Daily Mail e também através de seu livro Sister of Secrets, Elizabeth Flores, irmã mais nova de Louise, relatou que as duas eram regularmente vendidas pela sua mãe, Phyllis, para um pedófilo rico que as molestava e cometia estupros em troca de dinheiro. Por vezes, uma prima mais próxima delas, Patricia, também acabava sendo assediada pelo homem. Louise, no entanto, por ser a mais velha, sempre foi o alvo, inclusive de seu avô materno, John Taylor, um militar condecorado. Ela chegava a implorar para que a mãe não deixasse que os pedófilos a levassem; a mulher, porém, dizia que precisava alimentar e vesti-las.
Elizabeth ainda reforçou que o ambiente familiar era caótico. Os pais brigavam e se agrediam na frente delas. Louise sofria bullying e ameaças de morte de colegas, enquanto os seus pedidos de ajuda eram totalmente negligenciados.
No entanto, apesar dos traumas jamais expressados e os processos autodestrutivos que aconteciam em sua psicologia, Louise sempre aparentou ser uma boa pessoa, muito engajada, solícita e gentil a todos, ainda que extremamente reservada, segundo Elizabeth.
Foi aos 40 anos de idade, contudo, que a mulher passou a se comportar de maneira diferente: bebendo, fumando, se vestindo e agindo de maneira vulgar na internet, comentando e compartilhando conteúdo obsceno ou explicitamente sexual, e também de natureza satânica.
A essa altura, ela já não estava mais sozinha nessa montanha-russa emocional.
Muito diferente da futura esposa, David Allen Turpin, nascido em outubro de 1961, sempre foi considerado o nerd da escola. Embora compartilhasse da mesma introspecção de Louise, ele fazia parte de um lar bem estruturado, com uma mãe que o apoiava e incentivava. Enquanto no anuário de Louise não havia nada em baixo de sua foto, David colecionava posições, como membro do Clube de Ciência, Coral Acapella, Estudos da Bíblia etc.
Ele acabou se formando em Engenharia da Computação pela universidade Virginia Tech e trabalhou em grandes empresas antes de se aposentar.
David e Louise se conheceram quando ele tinha 17 anos e ela apenas 10. Com o passar do tempo, começaram a namorar às escondidas por conta das reprovações do pai de Louise, Wayne Robinette, um pastor rigoroso de uma igreja local. Sua mãe, Phyllis, apoiava o relacionamento e facilitava os encontros.
Até que em 1985, após muita insistência e uma fuga frustrada dos dois, eles acabaram finalmente se casando — David com 23 anos e Louise com apenas 16.
Em 1986, o casal já possuía quatro filhos e se mudaram para o Texas devido a uma nova proposta de emprego endereçada a David. Elizabeth, irmã mais nova de Louise, resolveu aproveitar a deixa e morar com os dois enquanto cursava faculdade e trabalhava.
Durante sua estadia, aos poucos, a irmã foi percebendo que a educação que eles davam aos filhos era extremamente rígida, principalmente com a filha mais velha, a ponto de serem obrigados a pedirem permissão para fazer qualquer coisa, fosse para se sentar à mesa na presença deles ou conversar com a própria tia.
Por conta do jeito taciturno do cunhado, a mulher observou que Louise sempre era a que criava mais regras, das mais comuns às extremas. Elizabeth mesmo era proibida de contar o endereço da casa a qualquer um. Não era permitido a ela ter amigos na cidade. Não podia conversar com ninguém do seu trabalho, tampouco trazê-los até onde morava. Era proibida de usar o telefone ou ficar de bobeira do lado de fora da casa. Nem ela, nem os sobrinhos, podiam fechar as portas dos cômodos onde estavam, sequer a do banheiro. Ao mínimo sinal de privacidade, o casal rapidamente intervinha, como a vez que arrebentaram a porta trancada do banheiro enquanto ela tomava banho.
Certo dia, Louise acabou expulsando Elizabeth de casa após descobrir que ela possuía amigos no trabalho e na universidade.
Após a mudança do Texas para a Califórnia por conta das condições financeiras, em 2011, David Turpin registrou a casa deles em Perris como uma escola privada com o intuito de realizar a educação domiciliar dos filhos. Nomeou-se diretor dessa suposta instituição intitulada Sandcastle Day School e matriculou seis estudantes em diferentes séries. De acordo com o governo, os pais, alunos ou responsáveis legais são totalmente encarregados por esse tipo fundação e o estado não tem permissão de monitorá-las.
Foi depois disso que o casal cessou suas aparições em família e foi proibindo visitas à casa até romperrem qualquer vínculo de proximidade. Louise não permitia mais nem que Elizabeth entrasse em contato com ela ou com os sobrinhos através de chamadas de vídeo por Skype. Louise, ainda, para manter as aparências, atualizava as redes sociais do casal com fotos antigas das poucas viagens que a família havia feito antes do total encarceramento do mundo.
Em 14 de janeiro de 2018, após dois anos de planejamento, dois dos filhos de David e Louise conseguiram escapar da casa por volta das 5h da madrugada. Um deles, no entanto, ficou com medo e acabou retornando para a casa. Com 17 anos de idade, Jordan continuou a tão esperada fuga.
Munida do aparelho celular que havia sido descartado pela mãe e que só fazia chamadas de emergência, a garota telefonou para a polícia pedindo desesperadamente por ajuda. Ela não conhecia nada do mundo exterior à casa. Não sabia o próprio endereço quando um dos agentes pediu para que informasse, mas foi capaz de passar o número do código postal impresso numa caixa de correio e rapidamente a polícia chegou ao local.
Jordan só fez um pedido: "Por favor, salvem minhas irmãs"
Um dos oficiais relatou que as crianças pareciam muito frágeis, como se fossem desintegrar à luz de suas lanternas. Estavam acorrentadas às suas camas na total escuridão dos quartos. A casa fedia a podridão de fezes, urina e comida estragada. Havia sujeira pelo chão e sacos de lixo por todo o canto. As crianças estavam desnutridas, maltrapilhas e imundas. A única parte limpa de seus corpos era onde a algema encontrava a pele.
David e Louise Turpin espancavam, estrangulavam e mantinham seus 13 filhos algemados a ganchos diariamente. Em confissões, as crianças detalharam que eram forçadas a dormir por volta das 4h da madrugada, durante 15 horas por dia, tudo para facilitar os abusos dos pais e para que ninguém pudesse notar a existência deles. Não viam a luz do sol há mais de cinco anos. Só podiam deixar os seus quartos quando os pais os chamavam um por um para comerem. Faziam apenas uma refeição por dia, composta por um sanduíche de pasta de amendoim ou um burrito congelado, por isso apresentavam um quadro de desnutrição severa, além de deficiência de potássio e glicose no sangue.
Tomavam apenas um banho por ano. Não iam ao banheiro com frequência. Não brincavam. Os brinquedos eram substituídos por armas que os pais usavam para agredi-los de tal maneira que alguns deles desenvolveram danos cerebrais e cognitivos por conta das sessões de espancamento. Nunca haviam ido ao dentista. Apenas dois deles sabiam o que era a polícia e para que servia medicamentos.
Depois de serem internados e avaliados, os médicos descobriram que nem todos eram menores de idade. O mais velho entre eles era uma mulher de 29 anos que pesava 37 quilos, enquanto a outra de 12 anos tinha o peso de uma criança de sete anos de idade. Cinco eram maiores de idade e seis deles menores.
David e Louise Turpin se declararam culpados de todas as 14 acusações e foram sentenciados à prisão perpétua, podendo recorrer à liberdade condicional após 25 anos.
Em testemunho, uma das filhas do casal declarou sobre todo o abuso sofrido e parte da vida tirada dela: “Eu vi meu pai mudar a minha mãe. Eles quase me mudaram, mas eu percebi o que estava acontecendo”.