Órfã no mar: o pesadelo de 84 horas de Terry Jo Duperrault

05/02/2020 às 14:005 min de leitura

A água azul translúcida, os cheiros do ar salino e de todos os ventos há muito tempo eram o sonho do médico optometrista Arthur Duperrault (41), que desejava navegar através dos mares dos trópicos. A ideia era fugir do frio que endurecia rostos e se estendia pelo lago do Michigan (o qual corta a cidade de Green Bay, no estado do Wisconsin) para procurar um refúgio no calor dos mares do extremo Sul, onde ele estivera durante a Segunda Guerra Mundial.

O homem sempre fora um lobo do mar, apesar de sua vida inteira em terra firme. Os planos que continuava cultivando passaram a envolver a sua família, desejava viver para sempre no oceano. Dessa forma, dadas as circunstâncias, todos os familiares concordaram que 1 semana seria um bom período de teste para entender como funcionaria a logística de uma possível nova vida. Se gostassem, poderiam estender a viagem para 1 mês e, depois, no decorrer do tempo, quem sabe, não voltar nunca mais. E foi exatamente o que aconteceu.

Um sonho chamado “Bluebelle”

(Fonte: Opposing News/Reprodução)

No ano de 1961, após muitos meses de planejamento e roteirização, Arthur Duperrault, tendo atingido o ápice de uma carreira bem-sucedida e visando fugir de vez de um invernoso Wisconsin, pegou a sua esposa, Jean Duperrault (38), e os três filhos — Brian (14), René (7) e Terry Jo Duperrault (11) — para navegar até as Bahamas.

O homem alugou o Bluebelle, um iate de luxo de 18 metros de comprimento, com 2 mastros, que partiria do porto de Fort Lauderdale, na Flórida, em direção ao sonho do médico. Arthur já tinha certa experiência com barcos, mas não o suficiente para arcar com a responsabilidade de guiar toda a sua família em mar aberto. Assim, ele contatou Julian Harvey (44) , um ex-piloto de caça da Força Aérea que serviu na Segunda Guerra Mundial e na Guerra da Coreia. Considerado um herói de guerra, era um veterano no quesito embarcações, pois atuou na Marinha. A sua quinta esposa, Mary Dene (34), acompanhou-o na viagem oferecendo o seu trabalho como cozinheira da família.

Na manhã cinzenta do dia 8 de novembro de 1961, a família Duperrault subiu a bordo do charmoso Bluebelle.

Dias perfeitos

(Fonte: Opposing News/Reprodução)

As velas da embarcação se inflaram para o leste, tirando-os das águas escuras e pesadas do porto para o esverdeado mar, mirando em direção à pequena cadeia de ilhas de Bimini e adentrando naquele horizonte reluzente com mais de 700 ilhas do arquipélago das Bahamas.

Nos 4 dias que se seguiram, Julian Harvey os levou também para uma vila ao sudoeste da ilha de Great Abaco, em Sandy Point, como previsto no roteiro de Duperrault. A família desfrutou das praias de areia branca e rosa, mergulhando nos recifes e praticando esportes.

Terry Jo Duperrault não perdeu um minuto de seu tempo. Ela e Brian praticaram snorkel, caça submarina e também aproveitaram para explorar as ilhas desabitadas. Em todos os lugares por onde os Duperrault passaram, fizeram amigos com os cidadãos locais, que cozinharam para eles e encheram os seus braços com presentes que poderiam durar tanto quanto as memórias daqueles dias inesquecíveis.

No domingo do dia 12 de novembro de 1961, Arthur desceu do Bluebelle para preencher os formulários de partida das Bahamas, no escritório do comissário Roderick Pinder, com a promessa nos lábios de que eles estariam de volta antes do Natal. Na mesma noite em que rumaram de volta aos Estados Unidos, Mary Dene preparou uma refeição de caciatore de frango e salada para a família. Eles eram os indivíduos mais felizes do mundo naquele momento.

O naufrágio do sonho

(Fonte: Whaleoil/Reprodução)

O combinado, desde o início da viagem, era de não navegar durante a noite. Todos precisavam descansar, principalmente o piloto. No entanto, especificamente naquele dia, Julian Harvey decidiu que passaria a madrugada no comando.

A família gostou da ideia de assistir ao nascer do Sol naquele horizonte bronzeado; então, resolveram fazer companhia a Julian, com exceção de Terry Jo, que estava muito cansada e decidiu descer, às 21h, para a cabine que dividia com a irmã mais nova, René.

Por volta das 23h, Terry foi acordada de repente por gritos eufóricos. A irmã não estava mais no quarto. Quando percebeu que eram de seu irmão Bryan, chamando pelo pai, a garota paralisou de medo na cama. Ela levou mais ou menos 5 minutos até que conseguisse se mexer novamente, o tempo suficiente para os barulhos ocos serem preenchidos por um silêncio aterrorizante. Ela só precisou abrir a porta e chegar à cozinha para se deparar com a mãe, com a cara voltada para o chão, e afogada em uma poça espessa do próprio sangue. Quando atingiu a cabine principal, a cena foi ainda pior: o seu pai e o seu irmão haviam sido fatiados com uma faca em várias partes do corpo.

Em choque, Terry subiu as escadas e, através da escotilha, conseguiu identificar outra piscina de sangue e uma faca caída. Julian a viu e berrou para que ela voltasse para o quarto, e assim ela o fez. Em alguns minutos, o piloto apareceu à porta de sua cabine empunhando um rifle e ficou a encarando por alguns segundos. Ela teve certeza de que morreria naquele momento, mas o homem simplesmente fechou a porta e se afastou sem dizer ou fazer nada.

Em seguida, a água fedendo a óleo invadiu o chão do quarto com profusão. Ali, ela soube que o Bluebelle estava afundando, mas demorou um tempo para se mover devido ao horror. Até que, vendo a inundação atingir o nível de seu colchão, a garota uniu forças para se arrastar em meio à água e subir as escadas de volta para o convés.

Ela perguntou a Julian, que tentava soltar um bote salva-vidas, se o barco estava afundando e ele a respondeu com um sim de maneira ríspida. O capitão desamarrou de vez o pequeno bote, subiu nele, pulou no mar e se afastou do iate em naufrágio.

Terry Jo lembrou-se da boia de cortiça que era mantida no lado direito superior da cabine principal e estava praticamente toda submersa em água. A garota subiu nela e soltou-a dos ganchos. O convés do barco afundou em uma sincronia aterrorizante, sendo absorvido pelo oceano. Terry se esforçou para se afastar da embarcação, porém uma das cordas ficou presa e a menina foi puxada para baixo da água à medida que o Bluebelle descia. Então, ela finalmente foi capaz de desprender a corda de vez, escalando de volta para dentro da boia e se encolhendo, temendo que Julian reaparecesse.

Mas ela não ouviu mais nada, apenas o último gorgolejo do belo Bluebelle.

84 horas

(Fonte: Androphedia/Reprodução)

Terry Jo não tinha água, comida e nada além de seu pijama fino para protegê-la da amargura do frio da noite e do calor intenso durante o dia. Embora ela não temesse o mar, a todo o momento ela estava molhada e por isso ele se tornou um vilão para ela. A temperatura na casa dos 30 °C a queimava durante o dia e a fragilidade da boia expunha as pernas dela aos dentes dos peixes.

Em uma terça-feira, Terry acenou a um avião vermelho que a sobrevoou por um tempo, mas, aparentemente, não a detectou ali, despedaçando as suas esperanças. Por incrível que pareça, ela não sentia fome ou sede, ainda que a garganta e a língua estivessem secas. Em contrapartida, ela começou a ter alucinações e a ceder à sonolência causada pela desidratação e pelos primeiros sinais de uma insolação. Ela jura ter sido espiada por um par de olhos que ficaram a centímetros dela durante horas, mas tudo o que conseguia pensar era no fato de que havia achado a mãe e o irmão, mas onde estava o seu pai e a irmã?

Pela manhã, depois de 3 dias e meio, quando a garota já estava desacordada, praticamente em coma, a grande muralha que era o casco do navio Captain Theo estacionou próximo à boia onde ela estava e a resgatou de seu esquecimento.

A última sobrevivente

(Fonte: Whaleoil/Reprodução)

A tripulação de um navio petroleiro que salvou Julian Harvey das garras do mar no dia seguinte ao naufrágio. Ele declarou à Guarda Costeira de Miami que uma tempestade havia danificado o Bluebelle, causando ferimentos graves em sua esposa e na família para a qual trabalhava, antes do infeliz acidente em que ele não pôde salvá-los.

O homem foi hospedado no Sandman Hotel e ficou sabendo que Terry Jo havia sobrevivido alguns dias após o resgate dela. Julian Harvey, no dia seguinte a notícia, suicidou-se no quarto de hotel, onde foi encontrado pela camareira e pelo gerente do local. As suspeitas da polícia é de que Julian matou Mary Dane para receber o seguro de vida dela, e os membros da família Duperrault, principalmente Arthur, o pegou em flagrante, voltando a ira do massacre para cima deles.

Terry Jo Duperrault sobreviveu à possibilidade dos ataques de predadores e à iminência da morte, mas, principalmente, à visão de seus pais assassinados. O Bluebelle naufragou com o que restava de sua vida, porém o desastre a inspirou a acreditar que, se alguém no mundo afora, também sozinho, soubesse de sua história e pudesse se curar, então a sua jornada teria valido a pena.

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