Ciência
20/03/2020 às 14:00•5 min de leitura
No dia 13 de setembro de 1978, a solteira Cheryl Bradshaw escolheu Rodney Alcala entre uma lista de pretendentes muito promissores que se inscreveram no programa The Dating Game (uma sensação que acontecia nas noites de quarta-feira).
A produção do programa não viu problemas no fato de Rodney ter um pequeno histórico criminal, ainda mais por crimes “menores” perante a sociedade, como agressão. Cheryl, por outro lado, sem saber desses antecedentes, imediatamente notou que havia algo de errado no comportamento de seu pretendente. O homem não parecia comum, e ela sentia algo estranho quando estava próximo a ele.
(Alcala e Cheryl no "The Dating Game")
Assim que a edição daquele dia terminou, a mulher foi conversar com Rodney Alcala nos bastidores. Ela se lembra de que o homem falava com ela como se tivesse a intenção de devorá-la. Ele a olhava demais, com olhos cobiçosos, ria sem motivo e mexia as mãos de maneira assustadora.
“Eu comecei a me sentir muito mal”, relembrou Cheryl em uma entrevista ao Sydney Telegraph em 2012. Ela recusou a oferta de sair com ele em um encontro romântico e disse tanto ao homem quanto à produção do programa que não queria o ver novamente.
A mulher não estava sozinha nessas percepções. No mesmo episódio em que Cheryl escolheu Alcala, o ator Jed Millis contou que achou Rodney quieto demais. Entre os homens, ele nunca mantinha contato visual, esforçava-se excessivamente para não encostar em ninguém e sequer respondia aos assistentes da produção. O homem só vinha à vida quando Cheryl surgia.
Poucos meses depois de sua aparição no The Dating Game, em junho de 1979, o nome de Rodney Alcala tornou a aparecer na televisão, só que dessa vez nos noticiários e vinculado ao assassinato de Robin Samsoe, uma garotinha de 12 anos.
(Rodney Alcala)
Rodney Alcala, na verdade Rodrigo Jacques Alcala Buquor, nasceu em 23 de agosto de 1943 em San Antonio, no Texas. Aos 12 anos, Rodney foi devastado pelo trauma de ter sido abandonado pelo pai (Raoul Alcala Buquor), sendo criado apenas pela mãe, Anna Maria Gutierrez. Por não ter outra explicação, ele passou a se culpar da partida do pai, pensando que tinha feito algo desagradável ou que ele próprio tinha alguma coisa errada.
Apesar de se sentir mal-amado e indesejado, isso não o impediu de seguir a vida após a mudança da família para Los Angeles no ano da separação. Já na adolescência, com problemas de relacionamento e bem-estar, ele entrou para o exército com o objetivo de trabalhar como arquivista — função que exerceu até meados de 1964, quando recebeu alta médica após ser diagnosticado com transtorno de personalidade antissocial acentuado.
Então Rodney tentou dar um novo rumo para a sua vida e se matriculou na Escola de Artes da UCLA — onde se formou em Artes (bacharelado) aos 25 anos de idade, em 1968. Esse ano marcou o ponto de virada da vida de Rodney Alcala.
(Tali Shapiro)
Naquela altura, Rodney já não tinha nenhuma base que o ancorasse em uma vida social. Ele era retraído em todos os aspectos, distanciando-se das pessoas em geral, o que apenas apontava os sentimentos que o abandono sofrido na infância havia causado a ele.
Em 1968, o homem decidiu dar o seu primeiro passo em direção à vontade que sentia. Ele atraiu para o seu carro uma garotinha de 8 anos, a Tali Shapiro, enquanto ela estava a caminho da escola. No entanto, esse ato não passou despercebido por um motorista próximo que seguiu o veículo de Rodney enquanto contatava a polícia.
Rodney levou Tali ao seu apartamento. Lá, estuprou-a, espancou-a severamente e ainda tentou estrangulá-la com uma barra de metal. Antes que a polícia pudesse invadir o local, o homem conseguiu se esconder e, quando encontraram a pequena garota no chão da cozinha em uma poça de sangue, eles concluíram que ela já estava morta. Então, começaram a vasculhar o apartamento.
Assim que um dos policiais voltou para a cozinha e se deparou com Tali se engasgando, toda a atenção dos demais foi voltada à menina para tentar mantê-la viva. Foi nesse momento que o criminoso conseguiu escapar por meio de uma janela que dava acesso às escadas de emergência do lado de fora do edifício.
A polícia encontrou fotos de Alcala e centenas de evidências de pornografia infantil. Ele também guardava um estoque de fotografias de várias meninas que encontrava em locais públicos. Os policiais descobriram o nome verdadeiro de Rodney e que ele havia frequentado a UCLA. No entanto, não conseguiram rastreá-lo em lugar nenhum. Com isso, o nome dele foi adicionado à lista dos "mais procurados dos Estados Unidos".
(Algumas das vítimas de Alcala)
Rodney Alcala fugiu para Nova York usando o pseudônimo de John Burger e se matriculou na NYU Film School para estudar Cinema sob a tutela de Roman Polanski. Apesar de seu rosto estampar a lista dos mais procurados, o homem não foi identificado por ninguém durante todo o tempo em que viveu na cidade.
Em meados de junho de 1971, ele estuprou e estrangulou a comissária de bordo Cornelia Michel Crilley, cujo assassinato só foi vinculado ao nome de Rodney em 2011. Depois do crime, Alcala fez as malas e partiu para um acampamento de verão em New Hampshire em um trabalho como monitor de turma. Lá, contrariando todas as possibilidades, o homem foi reconhecido por 2 garotas que viram nos correios um pôster do FBI com o rosto dele estampado.
No mesmo dia, Rodney foi preso e extraditado para a Califórnia. Mas ele não conseguiu ser condenado por estupro, agressão e tentativa de homicídio, pois a família de Tali Shapiro não permitiu à menina que testemunhasse no julgamento dele, por isso a promotoria foi obrigada a aceitar que ele se declarasse culpado apenas por agressão.
Em 1974, após um 1 ano e 5 meses, Alcala foi liberado e voltou a ser preso 2 meses depois por agredir uma garota de 13 anos que havia aceitado uma carona. Foi conferido a ele liberdade condicional, depois de 2 anos de encarceramento.
Então, ele se mudou para Los Angeles, onde assassinou Elle Jane Hover — afilhada do notório ator Dean Martin — e enterrou os seus restos mortais na propriedade do Rockfeller Estate (Westchester). Durante o período em que ficou na cidade, o assassino ofereceu gratuitamente o seu trabalho de fotógrafo profissional de modelagem para conseguir fotografar as crianças nuas quando os pais não estavam por perto. Ele também atraiu outros infantes na porta de escolas para poder fazer o mesmo.
Foi esse modus operandi que Alcala adotou. Por meio de uma câmera que ele encontrava e perseguia as suas vítimas. Mais tarde, ele usou a fotografia para documentar os crimes que cometia. Esses registros ajudaram-no a prolongar o prazer que sentia derivado dos assassinatos. Os transtornos do "fotógrafo" impossibilitavam-no de sentir qualquer remorso pelo o que fazia.
Em novembro de 1977, Rodney fotografou Jill Barcomb (18) após estuprá-la, sodomizá-la e enforcá-la com o próprio cinto, esmagando o rosto dela contra uma pedra grande. Ele largou o corpo na região montanhosa perto do letreiro de Hollywood. Em dezembro, foi a vez de Georgia Wixted. O homem repetiu o mesmo processo com essa enfermeira de 27 anos, só que usou o cabo de um martelo para violentar a jovem e acertar a cabeça dela. Depois, já morta, ele a colocou para "posar" em frente à sua câmera.
(Alcala sendo escoltado no tribunal em 2010)
Em 20 de junho de 1979, Rodney se aproximou de Robin Samsoe e de sua amiga Bridget Wilver em Huntington Beach, pedindo a elas para fotografá-las. Um vizinho interviu, e Robin foi embora naquele momento. Mais tarde, Alcala sequestrou Samsoe enquanto ela ia de bicicleta a uma aula de dança. Ele a assassinou e a atirou no sopé das montanhas de San Gabriel. O cadáver dela foi devorado por vários animais, e apenas seus restos mortais foram descobertos em 2 de julho de 1979.
Bridget descreveu a aparência de Alcala para a polícia, que rapidamente o identificou no sistema do FBI e espalhou a foto do homem pela mídia. Apelidado de Dating Game Killer, o criminoso foi preso em 24 de julho de 1979. Nesse processo, foi apreendido um acervo de 900 fotografias contendo nudez de crianças e das cenas dos assassinatos cometidos por ele.
Foram necessários muitos julgamentos para garantir a condenação de Alcala, pois sempre havia algum impedimento no meio. No primeiro, ele recebeu pena de morte, mas a Suprema Corte da Califórnia anulou o veredito alegando prejuízo do júri em sua decisão. Demorou 6 anos para que o homem fosse colocado em julgamento de novo. Quando esse dia chegou, ele foi condenado à morte, mas o tribunal de apelações disse que o juiz não permitiu a uma testemunha corroborar a alegação de defesa de que o guarda florestal que encontrou o corpo de Robin Samsoe foi hipnotizado por investigadores da polícia. A pena caiu novamente.
Apenas em 2010, depois de passar 31 anos do assassinato da garota, Rodney Alcala foi condenado à pena de morte pelo assassinato de Robin Samsoe e de mais 4 vítimas levantadas pela promotoria. Hoje ele está sentado no corredor da morte e espera pelo dia no qual levantará da cama em sua cela e comunicará: “O senhor Alcala está pronto”, assim como fez no tribunal ao representar a si mesmo.