Estilo de vida
21/09/2020 às 15:00•3 min de leitura
“Ele sempre teve um desejo por aventuras que o mantivesse em constante movimento”, descreveu Charles Sapsford, um professor universitário de Engenharia Mecânica e Industrial. O homem estava falando de seu filho, Keith Sapsford, nascido em 1956, na região de Randwick, um subúrbio localizado em Nova Gales do Sul, na Austrália.
O garoto tinha um comportamento imparável e se machucava com frequência devido à necessidade que tinha de gastar energia e sentir que estava em uma espécie de aventura. Tudo muito pacato e “normal” atormentava Sapsford de uma maneira incontrolável, e os pais já tinham perdido as contas de quantas vezes o garoto tinha fugido de casa.
Em meados de 1970, a família decidiu fazer uma viagem de férias ao exterior, porém boa parte dela o casal passou procurando pelo filho, que desapareceu para poder se sentir um pouquinho mais "livre". Depois de semanas de mais preocupação do que descanso e paz, eles imaginavam que o garoto estaria um pouco mais quieto quando voltaram para a casa, mas não foi o que aconteceu.
(Fonte: NZ Herald/Reprodução)
Charles acreditava que o filho sofria de alguma falta de disciplina e que uma estrutura educacional desenvolvida em padrões mais rígidos fosse remodelar o comportamento errático e instável dele. Portanto, o pai decidiu matricular Sapsford em Boy’s Town, uma instituição católica romana localizada no sul de Sydney.
No entanto, os muros do instituto não foram páreos para o desejo insaciável de Keith Sapsford de desbravar o mundo, tampouco a segurança do local. Semanas após sua chegada, ele fugiu para o Aeroporto Internacional de Sydney e assim passou três dias se escondendo da polícia local, que foi acionada pela instituição.
Homem encontrado escondido em compartimento de avião. (Fonte: Aviation Security International/Reprodução)
Até hoje, ninguém tem como afirmar se o jovem de 14 anos sabia ou não para onde o avião com destino a Tóquio, no Japão, estava indo quando ele burlou a segurança e conseguiu subir no trem de pouso da aeronave — certamente porque seria uma viagem mais interessante do que embarcar em qualquer outro lugar mais normal.
A única certeza, porém, é de que Sapsford não havia simplesmente decidido embarcar clandestinamente. Meses antes de matriculá-lo na Boy’s Town, Charles Sapsford contou a história de um garoto espanhol que morreu após se esconder no trem de pouso de um avião. Ele achava que evitaria os perigos ficando dentro do compartimento.
Keith Sapsford caindo do avião. (Fonte: Hypeness/Reprodução)
Certamente, o garoto Sapsford desprezou a possibilidade de ser esmagado quando o trem de pouso fosse recolhido, de sofrer alguma ulceração interna com a pressão, de perder a audição ou ser vítima de acidose respiratória — o acúmulo de dióxido de carbono no sangue devido à insuficiência pulmonar, que pode levar à morte. Além disso, quando o avião atingisse 5.490 metros de altura, ele poderia sofrer de hipóxia e também de hipotermia em virtude das temperaturas que podem alcançar até -63 ºC.
Infelizmente, Sapsford contou com a fragilidade no sistema de segurança dos aeroportos daquela época, por isso conseguiu alcançar rapidamente a pista de voos. Naquele fatídico dia, uma aeronave McDonnell Douglas DC-8 havia acabado de estacionar.
(Fonte: RMY Auctions/Reprodução)
Algumas horas depois daquele 22 de fevereiro de 1970, a aeronave finalmente decolou. Quando reabriu o compartimento para recolher o trem de pouso, Keith Sapsford caiu de cerca de 60 metros de altura e morreu na hora.
Sem nem imaginar o que estava prestes a acontecer, o fotógrafo amador John Gilpin estava tirando fotos do aeroporto quando, sem querer, registrou a queda fatal do jovem. Ele só foi se dar conta depois que revelou o filme, cerca de uma semana após o incidente. A fotografia estampou as manchetes de vários jornais pelo país e foi literalmente o retrato trágico de alguém muito jovem cometendo um erro.
“Tudo o que meu filho queria fazer era ver o mundo”, declarou Charles Sapsford. “Acho que ele tinha 'coceira nos pés', mas sua determinação em ver o mundo custou-lhe a vida”, o pai afirmou.
De acordo com os números apresentados em 2015 pela Administração Federal de Aviação (FAA) dos Estados Unidos, foram registradas 96 tentativas de viagens clandestinas entre 1947 e 2012 no compartimento do trem de pouso de aeronaves. Dessas pessoas, apenas 23 sobreviveram para contar a história.