Ciência
26/10/2020 às 10:00•3 min de leitura
Janet era uma dona de casa, provavelmente nascida na década de 1920 e educada para ser mãe e esposa – o que ela acabou de tornando. Nada sabemos sobre ela, a não ser o nome de seu marido: Richard A. “Dick” Sampson.
O que fez de Janet uma personagem ligada a enredos repletos de mistério, altas doses de ficção científica e fiapos de informação foi, na realidade, o trabalho de seu marido: ele era o agente sênior da CIA no comando da Área 51 entre 1969 e 1971, e Janet acabou nomeando a linha aérea que, diariamente, transporta funcionários de Las Vegas, no estado americano de Nevada, para o meio da região mais vigiada do planeta.
Dizem que Janet é apenas o acrônimo para Just Another Non-Existent Terminal (“Somente outro Terminal Inexistente”) ou Joint Air Network for Employee Transportation (“Rede Aérea Conjunta Para Transporte de Empregados”). Suas aeronaves cruzam os céus sem um nome impresso na fuselagem; não há balcões de venda de passagens nos aeroportos, ou hangares abertos. Mesmo assim, sua frota se constitui de seis Boeing 737 e mais um punhado de aviões de hélice menores.
Os aviões da Janet Airlines saem do Aeroporto Internacional McCarran, o primeiro levantando voo por volta das 3h38m da madrugada. O movimento real começa mesmo por volta das 4h, quando o estacionamento do terminal se enche gradativamente de carros. Ao fim do dia, com os aviões já no pátio, o estacionamento se esvazia até o dia seguinte.
Cerca de 50 minutos depois da partida, o piloto desliga o localizador do avião, mas até mesmo a poeira do deserto sabe para onde ele vai: a infame Área 51.
Há dois anos, suas escalas contavam com cerca de 20 voos diários, ida e volta, levando entre 1.500 e três mil funcionários tanto para a instalação ultrassecreta (cerca de 60% dos voos) como para Groom Lake (uma planície de sal usada como pistas de testes, ao norte da Área 51) e mais o Campo de Provas Tonopah Test Range Airport, uma instalação militar restrita a cerca de 50km a sudeste da cidade de Tonopah, além de outros lugares menos secretos que a Área 51 (nesses casos, o piloto não desliga o localizador do avião).
A rotina dos aviões da Janet Airlines sempre foi um segredo à vista de todo mundo, e isso justifica ter despertado uma curiosidade à beira da obsessão. Em 2010, o escritor e artista visual Trevor Paglan morou por uma semana em um hotel com vista para o Aeroporto McCarran, de onde parte a linha secreta. Usando telescópio, câmera e um scanner de rádio, ele rastreou tanto os voos dos Janets como descobriu que tipo de passageiros eles levavam.
“Os funcionários estacionam do lado de fora do terminal não identificado da Janet bem antes das 4h. Eu os vi parados na área de espera sob luzes fluorescentes azuis. Com o tempo, um oficial de segurança na outra extremidade da sala abriu uma porta e os funcionários atravessaram a pista e subiram uma escada móvel. Uma aeromoça em um uniforme azul escuro estava lá para cumprimentar cada um deles antes que eles desaparecessem no interior do avião.”
Captando a conversa entre os controladores de tráfego aéreo, ele rastreou o destino da maioria dos voos da Janet, além de acompanhar a frota de aviões a hélice King Air da companhia aérea para destinos como a Base da Força Aérea de Edwards.
A BBC Mundo ouviu, para sua reportagem sobre a Janet Airlines, o porta-voz da Força Aérea americana, Benjamin Newell, que não confirmou nem desmentiu a existência da Janet Airlines ou mesmo de qualquer linha aérea com as mesmas características.
“É no mínimo absurdo que não reconheçam a existência da Janet Airlines; todo o mundo sabe que ela existe. Entendo, porém, a necessidade do segredo em relação às atividades logísticas de inteligência e a tudo que esteja relacionado com instalações nucleares”, disse o professor de Estudos de Inteligência e Segurança Nacional da Coastal Carolina University Joseph Fitsanakis.
Quem sabe (quase) tudo sobre a Janet Airlines em particular e sobre a Área 51 em geral é o grupo que mantém o site Dreamland Resort. Joerg H. Arnu é um dos fundadores e acompanha, desde 1990, as aterrissagens da companhia aérea fantasma na zona da área 51 através de radiofrequência.
“Será que veremos o dia no qual, como aconteceu com a Área 51, as autoridades finalmente reconhecerão a existência da Janet Airlines?”