Artes/cultura
13/12/2020 às 08:00•3 min de leitura
Em meados de março de 2013, os habitantes de uma aldeia rural chamada Kalachi, localizada no nordeste do Cazaquistão, começaram a desabar em qualquer lugar. O motivo? Um sono incontrolável. Afetando desde crianças até idosos, a “doença do sono”, como ficou conhecida, causava uma lentidão repentina, torpor, visão dupla e confusão mental antes de fazer a pessoa apagar.
Lyubov Belkova foi a primeira a ser acometida. Era abril de 2010 quando ela estava trabalhando em um mercado e foi arrebatada por uma sonolência incontrolável que a fez apagar. Ela só foi acordar quase quatro dias depois em um hospital, onde foi informada pelo médico que havia sofrido de um derrame.
Logo em seguida, mais cinco mulheres da aldeia foram atingidas pela estranha doença ao mesmo tempo, incluindo uma criança chamada Misha Plyukhin. Em alguns meses, dos 810 habitantes do assentamento, em sua maioria alemães e russos, a doença afetara 140 deles, no que já aparentava ser um grau epidêmico.
Além dos sintomas que as vítimas apresentavam, elas também passaram a sofrer com alucinações severas, náuseas e euforia, tanto antes de dormirem quanto depois de acordarem. Quando recuperavam a consciência, a maioria dos afetados tinha perda significativa de memória – o que desencadeou um pânico entre os moradores, principalmente porque muitos adquiriram a doença por várias vezes, dormindo por até seis dias seguidos.
E para piorar a situação e deixar os habitantes da aldeia de Kalachi ainda mais abalados, eles descobriram que nem mesmo os animais de estimação estavam imunes à condição. Em entrevista ao jornal Vremya, a moradora Yelena Zhavoronkova disse que seu gato Marquis, em uma noite de sexta-feira, de repente passara a agir de maneira errática, atacando qualquer um e colidindo com as paredes como se estivesse embriagado. “Ele adormeceu pela manhã e roncou como um humano até a hora do almoço no sábado. Ele não reagia a nada”, relatou Zhavoronkova.
Assim que a comunidade médica ouviu falar sobre a doença misteriosa, muitos rapidamente supuseram que poderia se tratar de um novo surto da Epidemia do Sono, a encefalite letárgica, que acometera milhares de pessoas em 1915, bem no final da Primeira Guerra Mundial.
No entanto, após fazerem avaliações e observarem que até os animais sofriam com a doença, os médicos diagnosticaram “encefalopatia de origem desconhecida”, um termo genérico para doenças cerebrais, visto que eles não possuíam explicações mais aprofundadas.
O professor Leonid Rikhvanov, do departamento de geoecologia e geoquímica da Tomsk Polytechnic University, foi o primeiro a apresentar a tese de que a doença poderia ser consequência de intoxicação por gás rádon, normalmente presente em minas.
O governo do Cazaquistão passou a desempenhar estudos nas minas de urânio próximas de Kalachi, e que foram fechadas após a queda da União Soviética, que resultou em cidades fantasmas como a de Krasnogorsk, que de 6.500 habitantes foi reduzida a apenas 130. O Ministério da Saúde não encontrou níveis de radiação ou de metais pesados na área. A quantidade de rádio detectado em algumas casas não foi o suficiente para explicar o fenômeno que causava o sono nas pessoas.
Em seguida, o então Ministro do Trabalho e Proteção Social da População do Cazaquistão, Berdibek Saparbaev informou em um relatório que a doença era fruto de “contaminação por monóxido de carbono, junto com outros hidrocarbonetos, resultado da inundação de uma mina soviética de urânio.”
“As minas de urânio foram fechadas em algum momento, e as vezes uma concentração de monóxido de carbono acaba acontecendo lá dentro”, explicou Saparbaev. “O oxigênio no ar é reduzido em conformidade, por isso esse tipo de doença nas pessoas”.
No entanto, de acordo com a BBC, um canal de TV realizou testes com amostras de água coletadas do solo do vilarejo e nenhuma leitura anormal foi encontrada nos resultados, o que deixa apenas uma inquietante sensação de dúvida e falsa conclusão.
E sem mais nenhuma explicação, o governo cazaque simplesmente realocou os habitantes do vilarejo e deu o caso por encerrado.