Ciência
23/03/2021 às 12:00•3 min de leitura
ATENÇÃO: este texto pode ter conteúdos sensíveis por abordar um caso real.
Ainda sobre comando da ditadura militar, o Brasil vivenciou um dos seus maiores mistérios criminais na semana do dia 18 de maio de 1973. Aos 8 anos de idade, a jovem Araceli Cabrera Crespo foi raptada, drogada, estuprada e morta na cidade de Vitória, no Espírito Santo. Dias após desaparecer, seu corpo foi deixado desfigurado e em avançado estado de decomposição próximo a uma mata local.
Quarenta e sete anos após o incidente, o crime permanece sem uma solução. Após diversas versões do ocorrido terem sido fornecidas à polícia, o processo resultou em absolvição dos acusados e terminou arquivado pela Justiça. Posteriormente, o dia 18 de maio foi instituído como o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes em homenagem à memória da vítima.
(Fonte: Wikimedia Commons)
Estudante da Escola São Pedro, na Praia do Suá, Araceli saiu da sua casa, no bairro de Fátima, para mais um dia de aula. Entretanto, o que era para ser apenas mais uma sexta-feira qualquer acabou se transformando em um retrato de brutalidade. Após o término das atividades escolares, a menina deveria voltar para sua residência mais cedo.
A pedido da mãe, Lola Cabrera Crespo, ao colégio, Araceli deveria ir embora antes dos demais alunos por conta do horário do ônibus que pegava todos os dias. Porém, o roteiro seria diferente naquele dia. Conforme o depoimento apresentado por um adolescente que estava em um bar entre o cruzamento das avenidas Ferreira Coelho e César Hilal, próximo ao colégio, a pequena menina não teria entrado do veículo.
Em vez disso, Araceli optado por ficar brincando com um gato ao lado do estabelecimento. Essa seria a última vez que ela seria vista publicamente antes do pai, Gabriel Sanchez Crespo, acionar as autoridades para procurá-la.
(Fonte: A Gazetta/Reprodução)
No dia 24 de maio, seis dias após o desaparecimento de Araceli, o corpo de uma criança foi encontrado desfigurado e em avançado estado de decomposição em uma mata atrás do Hospital Infantil de Vitória. O cadáver foi descoberto pelo policial Ronaldo Monjardim, quando ainda tinha 15 anos, ao lado de seu pai.
Em primeiro momento, Gabriel reconheceu o corpo como sendo o de sua filha. Porém, acabou negando a informação no dia seguinte. Por fim, exames realizados meses depois confirmaram que a pessoa encontrada no local era, de fato, Araceli. As fotos chocantes do acontecimento circulariam por toda a imprensa logo depois.
Na época, alega-se que as investigações do crime foram atrapalhadas, pois todas as testemunhas estariam sofrendo com ameaças para ficarem caladas. Por conta disso, nenhuma pessoa queria conversar sobre o assunto e fornecer mais informações sobre os acontecimentos.
(Fonte: TV Gazeta/Reprodução)
Como a maior parte das testemunhas já morreram e as que estão vivas se recusam a tocar no assunto, a visão sobre os fatos acabou misturando muitas informações com boatos que circulavam pela cidade de Vitória na época. Entretanto, três pessoas foram definidas como os principais suspeitos pela morte de Araceli e apresentados pela acusação: Dante de Barros Michelini (o Dantinho), Dante de Brito Michelini (pai de Dantinho) e Paulo Constanteen Helal.
Além de membros de famílias tradicionais e influentes no Espírito Santo, os indivíduos eram reconhecidos por possuírem alguns privilégios com o governo militar. Na principal versão dos acontecimentos, Paulo Helal foi quem teria raptado a menina após o término da aula no dia 18 de maio.
Então, o homem teria levado ela para o Bar Franciscano, na Praia de Camburi. O estabelecimento, que pertencia ao latifundiário Dantinho, teria sido onde a criança foi estuprada e mantida em cárcere privado sob efeito de drogas. Extremamente dopada, Araceli teria entrado em coma.
A caminho do hospital, os três homens teriam percebido que a menina já estava morta. Foi então que tiveram a ideia de jogar o cadáver no matagal próximo à região.
(Fonte: Wikimedia Commons)
De acordo com a denúncia apresentada pelo promotor Wolmar Bermudes, revelada pelo Globo Repórter de 1977, Dantinho usou sua influência com oficiais da ditadura para escapar da condenação pelo crime. O homem teria contado com o apoio de forças dentro da polícia capixaba para dificultar as investigações.
Durante o julgamento, Paulo Helal e Dantinho negaram conhecer Araceli ou qualquer outro membro da família Cabrera Crespo. Mesmo assim, em 1980, o juiz Hilton Silly declarou ambos culpados pelo assassinato e definiu uma pena de 18 anos de reclusão, além do pagamento de uma multa de 18 mil cruzeiros. Dante Michelini, por outro lado, foi condenado a 5 anos na cadeia.
Tempos depois, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo cancelou a sentença e o processo reaberto passou para o juiz Paulo Copolilo. Em um relatório de 700 páginas, Copolilo absolveu os acusados por falta de provas, o que fez com que o caso fosse arquivado e permanecesse engavetado até hoje.
No livro-reportagem Aracelli, Meu Amor (1976), o autor José Louzeiro relata que 14 pessoas morreram durante as investigações — entre testemunhas e pessoas que tentavam solucionar o mistério. O escritor alega ele mesmo ter sido alvo de uma tentativa de queima de arquivo enquanto pesquisava sobre o caso.