Saúde/bem-estar
24/03/2021 às 12:00•4 min de leitura
Apesar de ter sido atribuído a ela o título de “a garota psicopata”, é necessário entender a história de Mary Bell antes de compará-la, por exemplo, com Jon Venables e Robert Thompson, duas crianças de apenas 10 anos que assassinaram o pequeno James Bulger por pura diversão em fevereiro de 1993, em Liverpool, Reino Unido.
O trauma e a falta de amor assombraram Mary Flora Bell desde que ela nasceu em Newcastle, na Inglaterra, em 26 de maio de 1957. Sua mãe, Betty McCrickett, aos 17 anos, gritou para que os médicos tirassem Bell de sua frente logo que ela saiu de seu ventre. A partir desse momento, ela tentou se desfazer da filha de todas as maneiras possíveis, tentando doá-la para estranhos na rua, para amigos, vizinhos e parentes. Desesperada, Betty chegou a ponto de oferecer dinheiro para que ficassem com a criança.
Sem sucesso em se livrar de Bell, a jovem engatou em uma jornada de tentar matá-la. Ela fez isso quatro vezes, sendo que em três dessas tentativas a irmã mais velha de Betty se mostrou disponível para adotar a pequena Bell, pelo menos até que Betty terminasse a escola. No entanto, a jovem não aceitou porque a perturbava o fato de que sua filha fosse bem cuidada e feliz.
(Fonte: Pinterest/Reprodução)
Naquela época, Betty era uma garota de programa, que chegou a se casar com o traficante de drogas Billy Bell. Estima-se que pelo menos dos 4 aos 8 anos de idade, Bell foi oferecida aos clientes da mãe para que eles a estuprassem. A jovem cobrava uma quantia maior para que os homens fizessem o que bem entendessem com o corpo da filha. Além disso, Bell frequentemente se envolvia em “acidentes”, como cair de uma janela e ter uma overdose de comprimidos para dormir.
No livro Por Que as Crianças Matam – A História de Mary Bell, ela relatou para a autora Gitta Sereny que só se lembra de cenas confusas do que acontecia no quarto, com homens pelados, chicotes que a mãe usava e vendas.
(Fonte: Pinterest/Reprodução)
Esses dois fatores foram essenciais para moldar a personalidade de Bell. Seu padrasto, Billy, era a única pessoa com quem a garota se dava bem, apesar de ele oprimi-la psicologicamente e enchê-la com discursos antigovernamentais, alegando que a polícia e os professores eram os verdadeiros inimigos, dos quais ela deveria se manter longe. Foi com Billy que Bell aprendeu que a pior coisa que poderia fazer era matar um policial e, como o homem já tinha sido preso uma vez, ela achava isso incrível.
O processo de hostilização dos professores e das autoridades foi praticamente imediato. Bell acreditava que agindo assim ela teria o mínimo de admiração de seu padrasto. Aos 10 anos de idade, a garota havia se tornado uma pessoa retraída, descrita como cínica e manipuladora, e parecia sempre estar à beira de qualquer ato de violência.
Martin Brown. (Fonte: Chronicle Live/Reprodução)
Na manhã de sábado de 25 de maio de 1968, o menino Martin Brown, de apenas 4 anos, olhos azuis e cabelos loiros, colocou sua capa de chuva e se despediu da mãe para ir brincar. Aproximadamente 15h30, ele foi encontrado morto por 3 garotos que procuravam lenha no quarto dos fundos de uma casa abandonada. Brown estava de barriga para cima, e a sua boca ensanguentada.
A autópsia do cadáver não revelou nenhuma fratura nem violência. Os frascos de comprimidos encontrados no local fizeram a polícia concluir que a morte do menino foi apenas um acidente.
Brian Howe. (Fonte: Sexta Sombria/Reprodução)
Alguns dias depois, Mary Bell apareceu na porta da família Brown dizendo que queria ver Martin. A mãe do menino explicou a ela que ele estava morto, mas Bell disse que já sabia e que estava ali para ver o corpo dele no caixão. A mulher fechou a porta na cara dela.
Em 31 de julho de 1968, Brian Howe, de apenas 3 anos, foi encontrado largado em um terreno baldio na região de Scotswood. Foram encontrados marcas muito discretas de mãos ao redor do pescoço dele e alguns ferimentos que pareciam ter sido feitos com objetos afiados, inclusive as letras "N" e "M" em seu abdômen. Um dos investigadores da polícia alegou que não parecia se tratar de um assassinato, mas sim de uma brincadeira de criança que parecia ter dado errado.
(Fonte: Filmow/Reprodução)
Norma Bell, de 13 anos, era a melhor amiga de Mary Bell. E, apesar de compartilharem o mesmo tipo de vida quebrada e recheada de muita dor e ódio, elas não eram parentes, apenas sócias de muita revolta.
Pouco depois da morte de Howe, as duas invadiram uma creche e a vandalizaram com bilhetes assumindo a responsabilidade pela morte de Martin Brown e Brian Howe. No entanto, a polícia acreditou que não passava de uma brincadeira mórbida e insensível. Mesmo depois que a escola instalou um sistema de alarme, as garotas continuaram invadindo.
Em face a esse tipo de comportamento, elas foram interrogadas pela polícia. Ambas agiram de maneira estranha, porém Norma se mostrou mais animada, ao contrário de Mary, que era apática. Após ser vista gargalhando na missão de sétimo dia de Howe e ser convocada para mais depoimentos, ela cometeu o erro de dizer que viu o agressor da vítima e que ele carregava uma tesoura. A polícia não havia revelado as marcas feitas com algo afiado encontradas no corpo de Howe.
(Fonte: Theoffbeat/Reprodução)
As duas foram a júri popular. Mary Bell, vestida mal e sem apoio nenhum da família, foi constantemente referida como “nascida do mal” pela promotoria e que tinha prazer em matar. Por outro lado, Norma Bell, com apoio do advogado, foi vestida com roupas vibrantes e instruída a chorar muito para demonstrar arrependimento, assim como sua família que lhe dava todo o suporte. Eles falavam com a imprensa e se desculpavam o máximo que podiam, enquanto a família de Mary Bell os evitava.
O caso foi infectado pela mídia e pela pressão da opinião pública, que caçou Mary Bell como uma bruxa. O resultado veio em 17 de dezembro de 1968, com a absolvição de Norma Bell e a condenação de Mary Bell a 12 anos por homicídio culposo, partindo do princípio de que ela tinha “sintomas clássicos de psicopatia”. Ninguém se deu ao trabalho de fazer uma avaliação psicológica em Norma.
Mary terminou sua pena em 1980, aos 23 anos, e voltou para a vida em sociedade sem nunca ter mostrado o seu rosto, apesar da perseguição midiática. Ela mudou de nome e foi protegida pela Lei Mary Bell, criada para preservar a identidade de crianças que cometeram crimes.
Por que Mary, que foi vítima das piores imundícies do ser humano durante toda a sua infância, tendo só a violência como referência, foi considerada como "perigosa e assassina"? Por que ninguém se importou com Norma Bell, que arquitetou e participou dos crimes?
Talvez, no final das contas, o caso de Mary Bell responda por si só a pergunta: "As pessoas nascem más ou a maldade é lançada sobre elas após seu nascimento?".