Ciência
07/08/2015 às 14:01•5 min de leitura
A maior parte dos carros de hoje é feita para servir como meio de transporte – e nada mais. Algumas décadas atrás, no entanto, a coisa não era bem assim: diversos carros passavam por um processo de produção digno de obras de arte, seja para andar nas ruas ou nos circuitos.
É aí que, em algum momento, alguém compra esses carros e, por um motivo qualquer – que pode ser uma peça quebrada ou simplesmente para fazer parte de uma coleção – abandona o automóvel em um galpão e por lá ele fica, durante vários anos.
Depois de décadas, alguém acaba descobrindo a existência desses veículos – que geralmente estão debaixo de uma camada generosa de poeira ou ainda tomados pela ferrugem – e então eles são trazidos do "mundo dos mortos" para brilhar novamente. Os americanos chamam esses carros de barn finds, os "achados de celeiro" – e alguns deles têm histórias bem interessantes.
Embora não seja bem um barn find, a trama por trás da descoberta desta Dino 246 GTS de 1974 é muito curiosa. Em 1978, um grupo de crianças estava cavando um buraco no quintal de casa em Los Angeles, Estados Unidos, quando bateram em alguma coisa: era o teto de um carro.
A polícia foi chamada e, com todo o cuidado, escavou em torno do veículo e descobriu que não se tratava de um automóvel qualquer: era uma Ferrari. Como (e por que) ela foi parar debaixo da terra, no entanto, era um grande mistério.
Será que, se regar, nasce outra?
Depois de décadas de pesquisa e investigação, algumas pessoas descobriram que o "enterro" da Ferrari, em dezembro de 1974, foi feito a pedido de seu antigo dono, um milionário chamado Rosendo Cruz, para dar um golpe na seguradora e pegar o dinheiro da apólice. O automóvel era um presente de Cruz para sua esposa.
Cruz pediu para dois homens jogarem o carro e no mar, mas, diante da beleza da Ferrari, eles não conseguiram. Preferiram, então, enterrá-la no quintal de uma casa, talvez para buscá-la depois – coisa que nunca fizeram. De qualquer forma, Cruz conseguiu aplicar o golpe e coletou o prêmio, depois de dizer que o veículo havia sido roubado.
Após ser desenterrada, em 1978, a Ferrari passou pela mãos de restauradores e hoje dá suas voltas nas estradas da Califórnia durante os finais de semana.
Aristóteles Onassis foi um homem rico – tão rico, na verdade, que resolveu comprar uma Lamborghini Miura S 1969 de presente para um cara chamado Stamatis Kokotas (sem piadinhas!) simplesmente por apreço pelo artista, que era conhecido como "o Elvis grego".
O presente, no entanto, não empolgou muito Kokotas, que deixou a Lamborghini abandonada desde 1972 no estacionamento de um hotel em Atenas, depois de uma quebra no motor. De qualquer forma, o cantor – e ávido entusiasta da velocidade, pois também era piloto de rally – rodou quase 100 mil quilômetros no esportivo, mas não quis pagar a conta do conserto e resolveu deixar o automóvel à mercê do tempo.
O clássico veículo só voltou a chamar atenção quando as Olimpíadas estavam prestes a chegar à cidade grega, e, em 2004, o hotel onde o carro estava teve de ser reconstruído. A Lamborghini Miura S foi a leilão, mas os 480 mil dólares oferecidos não foram o suficiente para cobrir a reserva solicitada pelo veículo – que foi vendido posteriormente por um preço muito próximo da oferta inicial.
Na década de 60, a Ford bagunçou a Europa quando tirou a soberania da Ferrari em diversas provas tradicionais na região, como as 24 horas de Le Mans. Um dos carros que se tornou o ícone desse feito é o Shelby Cobra Daytona Coupé: apenas seis foram produzidos especialmente para disputar as corridas.
Depois de dominar as terras europeias, os seis veículos voltaram para os Estados Unidos e acabaram indo parar em coleções ou vendidos pelo próprio criador, Carroll Shelby. Com o passar dos anos, um dos Cobras foi dado como perdido, deixando, então, apenas cinco unidades registradas e conhecidas.
Foi em 2001, porém, depois de Danna O'Hara cometer suicídio ao botar fogo no próprio corpo, que veio a público a informação de que ela era a herdeira do sexto exemplar do Cobra Daytona Coupé, batizado de CSX2287 – que foi vendido pelo próprio Shelby ao pai de Dana, George Brand, por mil dólares na década de 70, e estava guardado dentro de um galpão trancado – um autêntico barn find.
A trágica morte de Dana trouxe à luz o clássico americano, que hoje é avaliado em mais de 4 milhões de dólares.
São duas histórias muito parecidas: dois carros raríssimos que foram comprados por um valor relativamente baixo estragaram e acabaram se tornando brinquedos para crianças.
Um deles é uma Ferrari 250 GTO – que, além de ser raríssima por natureza, é um dos pouquíssimos exemplares com a direção do lado direito – que foi levado aos Estados Unidos depois de uma temporada competindo na Inglaterra, na década de 70.
Uma Ferrari 250 GTO, que serve também como escorregador
O esportivo clássico foi parar nas mãos de um morador do Texas depois de ser vendido por US$ 6,5 mil em um leilão, e o novo dono, em vez de fazer uso do carro, resolveu deixar o raríssimo exemplar largado ao lado do trailer onde morava, sem qualquer tipo de proteção. As crianças que moravam próximo ao local onde a Ferrari estava utilizavam o longo capô como escorregador.
Foram 14 anos de abandono até que um colecionador suíço adquiriu o esportivo por mais de 4 milhões de dólares. Um exemplar da 250 GTO foi vendido no ano passado por 23 milhões de libras esterlinas e quebrou o recorde na época de carro mais caro do mundo vendido em leilão.
Sim, é o mesmo carro da foto anterior!
O outro veículo que passou por uma história parecida foi o Delahaye Type 165 V-12 1939, desenhado por Giuseppe Figoni – responsável por designs que são considerados os mais elegantes dos carros das décadas de 30 até 50. O exemplar foi adquirido depois da guerra por um americano.
O carro ficou abandonado nas mãos de um motorista de guincho e era utilizado por seus filhos como uma espécie de "forte" durante as guerras de lama que os pequenos faziam.
O Delahaye levou 10 anos para ser restaurado, ganhando o prêmio de melhor carro do glamouroso evento de exposição de carros Pebble Beach Concours D'Élégance, em 2011.
O Delahaye Type 165 V-12 1939, depois de restaurado
Antes do Lincoln Futura utilizado pelo Homem-Morcego em 1966, um outro carro foi considerado oficialmente o primeiro Batmóvel. Construído por Forrest Robinson em 1963, o Oldsmobile 88 foi completamente modificado com a utilização de fibra de vidro.
A DC Comics utilizou o carro de Robinson para promover uma série de produtos que estampavam a "marca" do Batman, declarando o modelo como o primeiro Batmóvel oficial.
No entanto, com outros modelos aparecendo no seriado de TV do herói, o Oldsmobile acabou abandonado em 1968, dentro de uma garagem, e assim permaneceu por 40 anos, até ser restaurado. Recentemente ele foi vendido em um leilão por 137 mil dólares – bem menos que os US$ 4,2 milhões de seu sucessor que apareceu na televisão.
O grande achado são nada menos que 60 carros raríssimos, intocados por 50 anos. A coleção foi de Roger Baillon, um magnata francês do ramo de transportes na década de 60. Baillon ganhou muito dinheiro com a produção de caminhões no período pós-guerra – e que forma melhor de gastar a grana do que comprar carros raríssimos?
Foram mais de 100 automóveis comprados pelo empresário entre 1950 e 1960. Muitos deles, depois de adquiridos, ficaram guardados em galpões e estacionamentos cobertos aguardando a organização de um museu planejado por Baillon – algo que nunca aconteceu.
Durante a década de 70, a empresa do magnata francês passou por dificuldades financeiras e acabou forçando Baillon a vender 50 carros da coleção, restando apenas 60 exemplares em uma propriedade rural na França, comprada pelo empresário justamente com a finalidade de construir o museu.
Depois da morte de Roger Baillon, no entanto, a propriedade ficou esquecida durante muito tempo, até voltar para os holofotes em 2014, quando uma família que comprou a fazenda resolveu chamar um grupo de avaliadores da Artcurial – uma conhecida casa de leilões – para verificar os carros e revelar para o mundo uma das mais surpreendentes coleções já vistas.
Entre os modelos abandonados estava um exemplar extremamente raro da Ferrari 250 GT SWB California Spyder – aquela que aparece em "Curtindo a Vida Adoidado" –, vendida recentemente em um leilão por 16 milhões de dólares. O detalhe: o veículo foi para o leilão no mesmo estado em que foi encontrado – superempoeirado, depois de anos largado embaixo de pilhas de revistas.
Essa mesma Ferrari pertenceu a Alain Delon, famoso ator francês da década de 60 – que foi inclusive fotografado nesse mesmo automóvel na companhia de Jane Fonda e Shirley MacLaine.
Outros achados da Coleção Baillon quebraram recordes de valor no leilão – que angariou um total de US$ 28,5 milhões. Diversos deles eram exemplares de edições limitadíssimas de carros extremamente raros – como os Talbot-Lago T26 e alguns Bugattis da década de 30, avaliados em vários milhões de dólares.
Galeria 1
Por isso, tome bastante cuidado para não esquecer seu carango por aí: você pode estar deixando uma joia sobre rodas abandonada.
Dubai. É claro.