Ciência
29/03/2021 às 06:00•2 min de leitura
Uma gincana para calouros da Fundação Getúlio Vargas (FGV) realizada no início do ano letivo de 2021 virou notícia: a prova foi mal interpretada pelos alunos, o que levou a vídeos de apoio à uma prova que não existia, enviados por celebridades dos mais variados segmentos — de Angélica a Michel Temer, passando por Ed O'Neill, ator norte-americano de Modern Family.
Só que essa modalidade de trote universitário que não envolve agressão, humilhação e às vezes até violência é relativamente recente. E o próprio início dessa prática, que virou tradição no ambiente do ensino superior, parece incentivar esse tipo de hostilidade com os estudantes recém chegados.
O trote universitário é uma espécie de ritual de iniciação de quem passou no vestibular e está ingressando em um novo curso.
Normalmente realizado antes do início do período letivo, durante a matrícula ou logo nos primeiros dias, o período envolve uma programação montada pelos estudantes veteranos, que já estão há um ano ou mais no curso, para os calouros, que são os recém chegados.
Andar em posições desconfortáveis, ser sujado e pintado são ações comuns do trote.
As atividades são as mais diversas possíveis e, na pior das hipóteses, envolvem tratar os novos alunos com autoridade, com práticas consideradas humilhantes e vergonhosas, mas que deveriam ser encaradas como uma espécie de "rito de passagem" na fase da vida.
O próprio termo carrega esse significado: o "trote" é o modo de andar de cavalos que fica entre o galope veloz e os passos lentos, sendo uma forma não natural de movimentação dos animais.
O trote é uma palavra derivada de uma movimentação equestre.
O trote é ensinado mediante domesticação forçada do jóquei — uma relação que é emulada entre veterano e calouro, também chamado de "bixo" (com a letra "x" mesmo) em algumas regiões.
Apesar de parecer uma prática recente, o trote no ambiente universitário data de registros do século XV.
Em algumas regiões da Europa, documentos como o "Manuale Scholarium" (1481) já relatavam essas práticas com doses intensas de violência: os veteranos xingavam, agrediam e até obrigavam os novatos a beberem urina, além de terem os cabelos raspados a força.
Recepção aos calouros da USP em 2017.
O Brasil registrou essas brincadeiras a partir do século XIX, a partir de estudantes que conheceram a prática em Portugal, sob o argumento de que o período ajudava na integração entre as gerações de alunos e na ambientação dos mais novos.
De acordo com o blog do grupo de pesquisa PEmCie, da Unicamp, uma das primeiras mortes foi relatada em 1831 após um aluno se recusar a participar das atividades. Alegações de assédio, racismo e violência, em alguns casos também terminando em óbito, ficaram comuns em todo o país.
Exemplo de programação de trote solidário.
Com o passar dos anos, alguns cursos começaram a proibir os trotes violentos ou a promoverem outras atividades, que de fato promovem a conversa entre os estudantes. Há ainda os trotes solidários, em que a "gincana" consiste em ações de caridade como doação de sangue, limpeza ou obras em geral.