Artes/cultura
06/03/2022 às 13:00•3 min de leitura
“Grande ato” é a definição perfeita que pode ser atribuída ao tipo de prática desenvolvida nos laboratórios da obscura e doentia Unidade 731, um dos legados perturbadores da herança deixada pelo rastro da Segunda Guerra Mundial.
A maioria das pessoas que pensam no local o associam com os níveis brutais de experimentação humana, como o uso de todos os tipos de agentes químicos para a guerra, porém poucos conseguem entender a fundo o quão maligno isso foi.
É importante considerar que, apesar de o resultado científico ser o objetivo, a tortura era a parte divertida para os cientistas japoneses, pertencendo ao processo quase como se as conclusões dependessem disso. Foi por isso que a vivissecção foi a prática mais diabólica executada na Unidade 731.
(Fonte: Wikimedia Commons)
Era 5 de maio de 1945 quando um bombardeiro B-28 Superfortress foi interceptado por uma aeronave japonesa e todos os 12 soldados, exceto o piloto, saltaram para tentar sobreviver à colisão. Contudo, apenas 9 homens conseguiram sair vivos, entre eles, o capitão Marvin Watkins, enviado para Tóquio para ser interrogado. Apesar de toda a sessão de espancamento, o norte-americano conseguiu sobreviver e voltar para o conforto de sua família na Virgínia — e ele foi o único.
Os demais homens foram transportados para a Faculdade de Medicina da Universidade Imperial de Kyushu. “Um dia, dois prisioneiros vendados foram transportados para a escola em um caminhão e levados ao laboratório de patologia”, disse Toshio Tono, então com 89 anos, em entrevista ao The Guardian em 2015. “Dois soldados montavam guarda do lado de fora da sala. Eu me perguntava se algo horrível aconteceria com eles, mas não tinha ideia do quanto seria”. Tono se tornou uma das únicas testemunhas do que foi a vivissecção na Unidade 731.
A princípio, foi dito aos soldados que eles teriam seus ferimentos tratados, então Teddy Ponczka, que havia sido esfaqueado por uma lança após o pouso, foi o primeiro a entrar no laboratório e submetido à prática.
Toshio Tono. (Fonte: Justin McCurry/The Guardian)
Um dos médicos decidiu que precisava saber quais eram os efeitos cirúrgicos no sistema respiratório ao remover totalmente o pulmão de uma pessoa. Ponczka foi sedado, teve os pulmões retirados, e ficou só com uma máscara de oxigênio. Quando ela foi retirada, o homem começou a se debater, então foi feita uma nova incisão em seu peito para que seu coração fosse parado manualmente.
A falta de arquivos e o desleixo médico com os nomes impedem que saibamos como foi o fim exato de Ponczka. Alguns historiadores especulam que ele tenha morrido de perda de sangue, mas tudo é muito inconclusivo.
(Fonte: Xinhua/Wang Haofei)
Depois dele, os experimentos não pararam mais. Um dos aviadores foi cortado vivo e teve o fígado dissecado enquanto ainda respirava, sem qualquer tipo de sedativo. Os médicos removeram uma parte do órgão e o suturaram de volta apenas para ver o que acontecia. Tudo isso para uma plateia de cirurgiões e estudantes de medicina ávidos por conhecimento. Como recorda Tono, os médicos tratavam a situação como algo banal à medida que trabalhavam em meio aos gritos da vítima.
Para estudar melhor os ramos da desconhecida epilepsia, os médicos japoneses fizeram um buraco no crânio de um dos prisioneiros americano com ele vivo, e começaram a remover pequenas partes do cérebro para ver como o homem reagia. O objetivo era descobrir como a doença poderia ser controlada, curada ou até mesmo criada pela alteração da massa cerebral.
Outro método de vivissecção experimentado foi a injeção de água do mar na corrente sanguínea de uma pessoa. Os médicos esperavam determinar se a água do mar poderia ser usada como substituta da solução salina estéril para ver se poderiam aumentar o volume de sangue nos feridos. Por outro lado, Tono alegou que nenhum dos médicos achava isso possível, fazendo mais pelo prazer em ver os homens sofrerem do que por algum dado científico.
(Fonte: Amazon/Reprodução)
Em 1948, 30 envolvidos foram julgados por vivissecção, remoção indevida de partes do corpo e canibalismo, tendo Tono como uma das testemunhas da prática. No final, 23 das pessoas foram consideradas culpadas, das quais 14 receberam penas leves, 4 delas à prisão perpétua e outras 5 à morte.
No entanto, nenhum desses homens foi realmente executado ou cumpriu prisão perpétua, porque tiveram suas sentenças comutadas pelo general Douglas MacArthur, então governador militar do Japão durante a Guerra da Coreia, que teve início em junho de 1950.
A Universidade Kyushu nunca foi considerada culpada de qualquer atividade irregular, sendo que vários dos médicos condenados voltaram a exercer a profissão. E esse capítulo da história se encerrou sem nenhum reconhecimento do Japão de sua parte nas atrocidades.