Artes/cultura
23/04/2022 às 12:00•2 min de leitura
Quando a Rússia finalmente invadiu a Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022, após anos de tensões e ameaças, não só se concretizou uma realidade até então imaginada apenas por historiadores, como também lançou o mundo para o século passado, mais especificamente para o cenário doloroso da Segunda Guerra Mundial.
E com isso, além dos bombardeios, êxodo massivo, mortes, destruição e colapso econômico — reviveu alguns terrores oriundos daquele período, como os campos de filtragem. Na história russa, os lugares surgiram durante a União Soviética e eram usados para rastrear cidadãos soviéticos que retornavam do pós-guerra considerados "suspeitos", ainda que tivessem sido prisioneiros da Alemanha nazista de Adolf Hitler.
Essas pessoas, portanto, foram impedidas de voltarem para o que ainda havia sobrado de suas vidas e famílias, rastreadas e realocadas em campos improvisados antes de serem autorizadas a reentrarem no país.
(Fonte: Stoyan Nenov/Reuters)
Os campos de filtragem tiveram uma trajetória ainda mais sórdida e trágica durante a Segunda Guerra da Chechênia, ocorrida entre 1999 e 2009. Um relatório publicado em 2000 pela organização Human Rights Watch aponta vários abusos e violações dos direitos humanos que aconteceram por parte dos soldados russos em 1999. Estupros, espancamentos e tortura de civis foram os mais documentados.
Em matéria ao Yahoo News, a embaixadora dos Estados Unidos na Organização das Nações Unidas (ONU), Linda Thomas Greenfield, expôs relatórios que indicam que agentes do Serviço Federal de Segurança russa estão confiscando passaportes, identidades, celulares e separando famílias umas das outras para encaminhá-las para campos de filtragem, revivendo esse capítulo dantesco na história russa.
“Eu não preciso explicar que esses chamados 'campos de filtragem' são uma reminiscência. É assustador, e não podemos desviar o olhar”, disse ela.
(Fonte: Imagem de Satélite/Maxar Technologies)
Os documentos acusam que civis ucranianos foram removidos à força de seu país agora na guerra e transportados por ônibus para campos de filtragem, onde foram interrogados por horas a fios, tiveram suas impressões digitais coletadas, foram fotografados, forçados a entregar todos os tipos de documentos que carregavam, e depois enviados para cidades na Rússia.
As autoridades ucranianas estimam que mais de 40 mil civis foram removidos à força da Ucrânia até então. Em entrevista ao The Guardian de Roskov, na Rússia, uma mulher ucraniana que pediu para que tivesse sua identidade preservada, disse que foi conduzida por soldados russos em um ônibus com 300 pessoas para um abrigo antiaéreo até um campo cheio de tendas militares na fronteira com a Rússia.
Uma vez lá, a sobrevivente teve seu telefone revistado, foi questionada se tinha alguma informação sobre o exército ucraniano, ou se possuía amigos trabalhando para as Forças Armadas e para o governo.
(Fonte: Stringer/Anadolu Agency/Getty Images)
“Eles também me perguntaram o que eu pensava sobre a Ucrânia, sobre Putin e o conflito. Foi muito degradante”, revelou a mulher. Ela também tentou deixar claro que todo o processo, inclusive ser enviada para a Rússia depois do rapto, não foi uma escolha.
Em resposta, as autoridades russas negam a existência dos campos de filtragem. Além disso, Dmitry Peskov, porta-voz do Kremlin, disse que os soldados russos não removeram à força os cidadãos ucranianos, e que eles apenas fugiram para a Rússia voluntariamente para escapar da violência do conflito.
Em contraponto, não só o governo ucraniano desmente a alegação russa, como um jornal russo chamado Rossiyskaya Gazeta mostrou imagens de satélite confirmando a existência de um campo de filtragem montado na vila ucraniana de Bezimenne, atualmente controlada pela Rússia, onde 5 mil civis foram processados para "evitar que nacionalistas ucranianos se infiltrassem na Rússia disfarçados de refugiados".
Conforme as Convenções de Genebra, os campos de filtragem configuram como crime de guerra desde a quarta Convenção, escrita em 1949.