Saúde/bem-estar
16/12/2023 às 14:00•4 min de leitura
Ele também pode ser chamado de Jahnavi, Shubhra, Sapteshwari, Nikita, Alaknanda e Vishnupadi, mas, no final do dia, todos reconhecem ele como Ganges, o rio sagrado. Com seus impressionantes 2.510 km de extensão, o rio nasce no Himalaia ocidental, no estado indiano de Uttarakhand, e atravessa 9 estados, passando pelo Nepal e por Bangladesh até desaguar no Golfo de Bengala, no Oceano Índico.
Um dos maiores rios da Ásia e um dos maiores do mundo em fluxo de água, o Ganges fornece água para 40% da população da Índia, com 1,408 bilhão de habitantes, e é considerado uma verdadeira salvação para o país. A Bacia do Ganges tem solo fértil e é fonte de irrigação para várias culturas, fornecendo água doce a milhares de pessoas que vivem em regiões como Rishikesh e Haridwar.
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O Ganges também é utilizado para pesca, irrigação e banho; atuando como apoiador da agricultura, pecuária, pesca, turismo, comércio fluvial e transporte. Ele contribui para a subsistência e a segurança alimentar e nutricional de cerca de um terço da população indiana e de dois terços da população de Bangladesh.
Todos esses benefícios aumentam ainda mais o status sagrado do Ganges. No hinduísmo, o rio é a personificação da Deusa Ganga, por isso, os seguidores da religião acreditam que se banhar em suas águas pode ajudar a se lavar de todos os pecados. Existe também a crença que um simples toque no rio pode alcançar a salvação. Assim, há séculos, as cinzas dos mortos são imersas no rio sagrado.
Essa, no entanto, é a história de como o rio Ganges é um dos mais poluídos do mundo.
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Apesar de as águas do rio estarem ligadas à pureza do espírito, não há nada de puro no Ganges. O mais irônico, no entanto, é que sua poluição extrema é apenas o reflexo e consequência daqueles que o reverenciam. Todos os dias, cerca de 3 milhões de litros de esgoto são despejados no Ganges, o que representa quase 80% de todo o esgoto do país, sendo que nem metade disso passa por algum tipo de tratamento.
A quantidade de matéria fecal humana presente nas águas é maior do que 300 vezes o limite estabelecido pelo Conselho Central de Controle de Poluição da Índia. E há mais do que apenas isso entrando no rio, resíduos tóxicos causados pelo despejo de inseticidas, pesticidas, metais, poluentes industriais, curtumes, matadouros e até hospitais também estão presentes.
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A agricultura explora o Ganges sugando quantidades imensas de água para irrigar milhares de campos. Com esse abuso e devido às mudanças climáticas, as chuvas estão se tornando menos previsíveis e de duração mais curta, as secas aumentando e as geleiras do Himalaia, que nutrem os pontos mais altos, estão diminuindo, assim como o nível dos rios.
Enquanto isso, em Varanasi, a cidade mais sagrada da Índia, estima-se que 40 mil cadáveres são queimados às margens do Ganges, e suas cinzas espalhadas por suas águas, anualmente. Mas alguns corpos, como os de crianças pequenas, nunca são sequer cremados e, em vez disso, são apenas enrolados em panos brancos e lançados ao rio.
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É por todos esses motivos que o Ganges virou um atentado à saúde da população indiana. Em 2019, cientistas do Instituto Indiano de Tecnologia analisaram as águas do rio e descobriram níveis bacterianos astronomicamente altos, repleto de bactérias que são resistentes a antibióticos.
Cerca de 70% das quatro espécies de bactérias comumente encontradas em pacientes hospitalizados na Índia eram resistentes aos antibióticos típicos de primeira linha. Entre 12% e 71% eram resistentes aos carbapenêmicos, uma classe de antibióticos que já foi considerada a última na linha de defesa do organismo humano. Um artigo publicado na revista médica The Lancet Infectious Diseases sinalizou que cerca de 57% das infecções na Índia por Klebsiella pneumoniae, uma bactéria comum, eram resistentes aos carbapenêmicos.
Um relatório de 2017 do Ministério da Ciência e Tecnologia do governo mostrou que a Índia tem algumas das maiores taxas de resistência a antibióticos do mundo. Mesmo assim, a população continua bebendo água do Ganges na crença que terá fortuna, mergulhando para se purificar ou até mesmo banhando seus pertences. Como consequência, a população padece anualmente em epidemias de diarreia, cólera, disenteria e até febre tifoide.
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A pesquisa de David W. Graham, professor de engenharia de ecossistemas da Universidade de Newcastle, na Grã-Bretanha, descobriu pelo menos mil espécies bacterianas colonizando intestinos humanos de pessoas que se aventuram pelas águas do Ganges. Um indivíduo saudável tem pelo menos 150 espécies de bactéricas, todas competindo entre si por espaço e comida.
Em 2015, o primeiro-ministro Narendra Modi, devoto hindu e aliado a grupos nacionalistas, fez da limpeza do rio uma bandeira do seu projeto de governo. O programa estabelecido esteve empenhado em investir US$ 3 bilhões para a recuperação do Ganges em até 5 anos, mas resultou em pouco progresso. De acordo com um estudo de 2019 da The Lancet, a poluição da água na Índia levou a mais de 1,5 milhões de mortes prematuras.
Os críticos dizem que a falta de mudanças foi porque grande parte do dinheiro alocado para a missão foi perdido por corrupção e má gestão. Além disso, argumentam que, sob a gestão de Modi, o rio e a política ambiental da Índia em geral estão em sua pior forma. A posse dele coincidiu com um aumento vertiginoso na mineração de carvão e na construção de usinas de carvão, piorando a qualidade do ar e dos rios.
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O Programa Namami Gange, lançado em 2014, foi classificado pelo governo indiano como "um programa científico que utiliza tecnologia de ponta para limpar um dos rios mais poluídos do mundo". Parte do Plano de Gestão da Bacia do Rio Ganges, elaborado por um grupo de sete universidades do Instituto Indiano de Tecnologia (IIT), liderado pelo IIT Kanpur, visa tornar as águas do Ganges pelo menos adequadas para banho.
Desde outubro de 2022, foram empenhados mais de US$ 1,57 milhões para a limpeza do rio, sendo que o governo alegou que também mudou suas políticas, adotando uma abordagem altamente técnica para a limpeza do rio. Eles afirmam que o projeto e a sua abordagem tiveram sucesso onde os esforços anteriores não tiveram.
Em Varanasi, a cidade com 3,6 milhões de habitantes e a mais turística da Índia, a olho nu, o trecho do Ganges onde são feitas orações e banhos são tomados, está visivelmente mais limpo do que antes. O lixo e a sujeira flutuante parecem ter sido removidos. O ministério de Jal Shakti disse que, entre 2018 e 2021, houve uma melhoria acentuada no estado do rio e nenhum dos trechos estão na Categoria de Prioridade I (estado de poluição crítica) e apenas dois trechos estão na Categoria de Prioridade V (estado próprio para banho).
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É evidente, no entanto, que os resíduos ainda são despejados no Ganges. O governo revelou sua ambiciosa missão de reduzir esse problema ao aumentar a quantidade de estações de tratamento de esgoto nos principais estados ao longo do rio.
Atualmente, apenas 20% do esgoto é tratado, sob a prospecção que esse número aumente para cerca de 33% até 2024, e depois 60% até dezembro de 2026. A partir disso, espera-se também que os estados se empenhem para fazer a manutenção do rio, tanto por conta própria como com base em iniciativas separadas de outros ramos do governo da União.