Saúde/bem-estar
08/03/2018 às 03:25•4 min de leitura
Hoje é a primeira vez em que, no Dia Internacional da Mulher, eu entendo o que é uma das maiores diferenças entre a biologia do corpo feminino e do masculino. Estou grávida, gravidíssima, aliás, pois meu filho deve nascer daqui a 1 mês, mais ou menos.
Eu, que tenho 30 anos e planejei essa gestação com o meu marido, volta e meia me pergunto como é que mulheres mais novas e que não têm qualquer tipo de suporte do pai do bebê ou da própria família conseguem passar por isso.
A verdade é que, com a gravidez, vem também a culpa. Pelo ponto de vista da sociedade, toda mulher engravida porque quer e, portanto, tem a obrigação de, a partir do primeiro exame de positivo, se transformar em uma mãe exemplar e dedicada.
Para alguns, grávidas são um peso previdenciário – quem não se lembra do discurso do deputado dizendo que mulheres deveriam ter um salário menor porque engravidam?
Eu me lembro, quando estava tentando engravidar ainda e me desesperava sempre que via que não tinha dado certo, de olhar mulheres grávidas nas ruas e pensar nelas como seres humanos plenos, lindos e cheios de vida.
Hoje eu sei que, por trás de toda mulher grávida, há muito medo, muita culpa e muito, muito desconforto. Gerar uma vida dentro da barriga é uma coisa maluca, e só quem já passou por isso sabe ao certo do que estou falando. É claro que a experiência é diferente para cada mulher – minha irmã, que tem três filhos, me falou, ontem ainda, que amou estar grávida todas as vezes. Eu, em compensação, não posso dizer o mesmo.
E é por não amar estar grávida que a culpa vem com tudo, afinal não era isso que eu queria?
No meu caso, o que me impede de viver saltitante durante a gestação são os efeitos colaterais que a gravidez me trouxe: pressão baixa, hipoglicemia e o fato de que eu passo mal depois das principais refeições do dia, todo santo dia.
Aí a gente vai se acostumando...
Minha família já sabe, por exemplo, que depois do almoço, de todo almoço, eu vou ficar suando frio, vou ficar pálida e passando mal por uns 15 minutos – idem para café da manhã e jantar. Como estou há 8 meses passando por isso, me sinto cada vez mais cansada. Aí tem azia também, assim como dores na região da barriga e das costas e falta de ar.
Mas quando me perguntam se está tudo bem, eu digo que está – e está mesmo, de certa forma. Meus exames e os do meu filho estão ótimos, então está tudo bem – mas cansa. Por trás de toda mulher grávida, agora eu sei, tem uma mulher cansada por algum motivo.
Falando em cansaço, aliás, há outra coisa que nos cansa: pitacos, palpites, julgamentos e comentários sem noção. No Carnaval, eu fuzilava mentalmente cada pessoa que compartilhou a imagem daquela grávida maravilhosa sambando de barriga de fora com uma mensagem estúpida embaixo – era algo como “ela pode pular Carnaval com a barriga desse tamanho, mas quer usar o banco preferencial no ônibus”.
Ter preferência na hora de sentar em um ônibus ou de pagar um boleto na lotérica não é, como muitos pensam, uma vantagem da gravidez. É só uma forma de, no caso do busão, proteger a gestante caso haja algum acidente ou uma freada brusca.
A Ivete Sangalo foi uma que entrou para a sala de parto dançando com a equipe de enfermagem, e isso é maravilhoso. Todo meu respeito por ela e pela moça grávida cuja foto foi usada indevidamente para propagar preconceito.
Não é toda grávida, no entanto, que consegue sambar até o nono mês. Não é toda grávida que tem enjoo, não é toda grávida que tem desejos bizarros, não é toda grávida que acha legal pessoas aleatórias tocando sua barriga, não é toda grávida que quer ouvir de alguém no elevador uma aula sobre o melhor tipo de parto.
A gravidez, além de me dar uma nova visão sobre mães em geral e, especialmente, sobre a minha mãe, me ensinou também a ver que não existe isso de gravidez plena, poética e linda. Existe, sim, é a experiência de cada mulher, e ainda que eu tenha do que reclamar e que não me sinta mais tão culpada quando reclamo, há gente muito pior do que eu.
Por sorte, tenho um bom plano de saúde, trabalho em um lugar onde tive todo o suporte possível e sou casada com um homem que faz o que pode e o que não pode para que eu me sinta melhor e mais confortável. Por sorte, minha família recebeu a notícia da minha gestação com festa. Por sorte, meu bebê não vai sofrer alguns preconceitos tão comuns entre as pessoas do nosso país, já que é filho de pai e mãe brancos e já vai nascer em uma casa que é nossa e não alugada, vai ter acesso a roupas bonitinhas, fraldas, berço, pediatra.
Por sorte, a mãe dele tem 30 anos, e não 13. Por sorte, ele não é fruto de um estupro e não teve que vir ao mundo porque a mãe era pobre demais para poder fazer um aborto. Engravidar reforçou meus privilégios.
Neste ano, passarei meu primeiro Dia das Mães com meu filho no colo e, sempre que penso nisso, fico emocionada. O mesmo vale para o meu marido, e que bom é não ter que me preocupar com um pai ausente ou que não paga pensão, por exemplo.
Sou mulher há 30 anos já e sei como é a realidade de muitas outras mulheres, ainda que, no meu caso, os preconceitos e as violências que vivi por causa do que alguns homens pensam sobre o meu gênero tenham sido muito pequenas. Há 30 anos eu sou mulher e sei que não é fácil, e há 8 meses eu sou uma mulher que tem um filho na barriga e, agora, sei que não é fácil MESMO, e que nossa sociedade faz o possível, sempre que pode, para dificultar as coisas.
Todo dia é dia de resistir, de lutar, de erguer a cabeça, de reconhecer privilégios e de olhar para os lados.
Depois que engravidei, entendi melhor as mães e aprendi a respeitar ainda mais as mulheres que optam por não ter filhos e que, por causa disso, também são criticadas durante a vida toda. O corpo da mulher, embora seja dela, é visto como se fosse do todo – e isso é exaustivo e injusto.
Peço perdão pelo textão e agradeço quem leu até aqui, mas, se tem uma coisa que eu acordei querendo dizer neste dia 8 de março, é que nós merecemos liberdade.
Liberdade para engravidar sem ter medo de perder o emprego ou de dizer que tem filhos em uma entrevista futura; liberdade para não engravidar; liberdade para dizer que a maternidade não é um livro de poesias com capa cor-de-rosa; liberdade para procurar ajuda em caso de estupro e não precisar ser julgada por isso; liberdade para escolher quando e se vamos nos casar um dia; liberdade para sambar com a barriga grande no Carnaval; liberdade para ter filho depois dos 40; liberdade para andar sozinha na rua sem morrer de medo. Esse tipo de liberdade.
Tem muito sonho distante no meio dessas liberdades que nos faltam, mas um dia mulheres como Malala Yousafzai, Amelia Earhart, Ada Lovelace, Nísia Floresta, Marie Curie e tantas outras já foram sonhadoras também... Por que não nos inspirarmos nelas, então?
Falando em Marie Curie, fica aqui um convite mais do que especial: o de assinar uma newsletter semanal feita para mulheres inteligentes – corra lá, que o primeiro conteúdo será enviado aos assinantes ainda hoje.