Artes/cultura
04/02/2024 às 06:00•3 min de leitura
A verticalização da vida urbana acontece desde 1950, tanto como parte do processo de extrema urbanização como também pela superpopulação do planeta. Afinal, não há mais espaço. Estima-se que 60% da população mundial esteja vivendo em centros urbanos até 2050, o que significa que é preciso encontrar moradia para cerca de 2,5 milhões de pessoas até lá – considerando que 68% dos 5 bilhões de hectares de terras agrícolas do mundo são destinados à pecuária.
Com a terra se tornando um recurso cada vez mais limitado, não haverá outro caminho senão para cima. Além disso, pouco se sabe sobre como será nossa psicologia social convivendo mais confinados em condomínios do que em espaços sociais. Em um futuro fadado a essa realidade, parece que um local no Alasca já está fazendo isso: Whittier é uma cidade no Alasca localizada em um edifício antigo.
(Fonte: Wikimedia Commons)
Localizada no lado oeste da Enseada Prince William Sound, no Alasca, Whittier é uma pacata cidade escondida entre montanhas pitorescas e com apenas 274 habitantes, conforme o Censo dos Estados Unidos de 2020. A maioria deles, mais precisamente, 200 habitantes, moram no Begich Towers, um edifício de 14 andares que foi um quartel do Exército dos EUA.
Não é nada fácil chegar a Whittier: só é possível acessá-la via mar ou por meio de um longo túnel entre as montanhas, sendo que à noite ele é fechado completamente pelas autoridades da cidade. No entanto, chegando ao edifício-cidade, que se parece com uma escola, os corredores da cidade são divididos em blocos pintados de um amarelo pálido.
Próximo à entrada, fica a agência de correios, seguida pela delegacia, ao final do corredor térreo. Há também uma lavanderia, um mercado, loja de conveniência, posto de saúde – onde os médicos podem lidar com doenças menores –, e até uma igreja no porão da construção. Em entrevista para o The California Sunday Magazine, a professora Erika Thompson, moradora do Begich Towers, disse que a vida é bastante normal em Whittier. Ela leciona em uma escola logo atrás da torre, conectada por um túnel, e mora na cidade há 5 anos.
“Todos têm uma história de como foram parar em Whittier”, relatou Thompson. “Algumas pessoas adoram porque pode ser muito social, e outras porque a vida pode ser reclusa”. Antiga moradora de Nova York, Thompson confessou que morar em Whittier despertou uma nova perspectiva sobre sua cidade natal. “Voltando a Nova York, vejo as maneiras pelas quais todos nós comprometemos as coisas. E para muitas pessoas em Whittier, faz mais sentido estar lá do que em algum lugar dos EUA”.
(Fonte: Alaska Public Media/Reprodução)
O prédio Begich Towers foi erguido durante a década de 1950 e transformado em uma residência em meados de 1969. Originalmente, a construção era um complexo composto por dois edifícios, o Ed. Buckner e as Torres Begich, construídos no pós-guerra com o intuito de posicionar a base militar mais longe da fronteira com a União Soviética durante a Guerra Fria. Isso porque Whittier possui uma proteção natural proporcionada pelas montanhas, a deixando invisível por radar. Além disso, a cidade conta com um dos poucos pontos na região montanhosa que não possui gelo.
A obra custou cerca de US$ 55 milhões para os cofres públicos, mas o edifício Ed Buckner foi abandonado pouco tempo após ser finalizado, por conta do devastador Terremoto do Alasca em 1964. Por outro lado, as Begich Towers Incorporated, também conhecidas como BTI, continuaram em uso pelos militares até 1969, e hoje são ocupados pelos habitantes de Whittier, cuja vida lá depende 75% dos serviços oferecidos pela cidade-edifício, composto por 197 apartamentos.
Além de sua autossuficiência, a cidade foi feita para aguentar os seis meses de chuva anuais, seguido por seis meses de uma neve que está mil vezes acima da média nacional normal, e os ventos de até 60 km/h.
(Fonte: Getty Images)
Como pontuou Erika Thompson, as pessoas fugiram para Whittier para começar de novo. Afinal, lá naquele trecho escondido do Alasca, durante a guerra que lançou um véu de incerteza sobre os EUA, as pessoas tinham esperança de não só ter uma vida melhor, como também escapar dos horrores que pareciam iminentes, sobretudo no que diz respeito à ameaça nuclear.
Mas não se engane, apesar de estar isolada do mundo, o custo de vida em Whittier não é baixo. Muito pelo contrário, um quarto na cidade-edifício sai entre US$ 650 a US$ 1 mil por mês, e vários moradores também investem comprando quartos por até US$ 35 mil para alocar turistas ou até mesmo novos habitantes.
Em junho de 2023, uma usuária do aplicativo TikTok, Janessa Lorenz, viralizou na rede social ao compartilhar como era a vida em Whittier. Um de seus vídeos, em que ela revela curiosidades sobre a cidade, teve mais de 3 milhões de visualizações. Muito mais do que o fato de estar isolada de tudo e todos em um sistema diferente de vida e operação, Lorenz também mostrou que o prédio é uma comunidade, onde a história, geografia e a convivência criam algo singular no coração frio do Alasca.