Ciência
06/05/2017 às 02:00•4 min de leitura
Você já ouviu falar de uma mulher chamada Helena Wright? Ela foi uma médica humanista envolvida com métodos contraceptivos no início do século XX, quando isso era um tabu ainda maior do que hoje e, ainda assim, ela não só estudou as relações sexuais e de reprodução, como escreveu livros a respeito e criou centros de atendimentos dedicados a ajudar todas as pessoas com problemas, independente de suas classes sociais.
Entre uma consulta e outra, Helena percebeu que havia algo em comum nos relatos que ouvia de suas pacientes: muitas delas, em vez de procurarem por meios contraceptivos, queixavam-se a respeito da falta de apetite sexual de seus maridos, que voltavam da Primeira Guerra Mundial doentes e traumatizados – isso quando não morriam em combate. Ainda assim, essas mulheres queriam ter filhos.
Hoje há algumas maneiras de engravidar sem que, para isso, a mulher precise estar em um relacionamento, mas no século XX tais atitudes simplesmente não existiam, já que “fertilização in vitro” e “banco de esperma” são nomenclaturas supermodernas. E o que é que poderia ser feito, então, com relação àquelas mulheres que queriam ter filhos?
Helena Fonte da imagem: Reprodução/DailyMail
Os tempos eram realmente difíceis e a Primeira Guerra Mundial, que teve início em 1914, foi responsável pela morte de milhões de soldados e civis, sem falar nas pessoas que ficavam muito machucadas, mutiladas e com traumas psicológicos de proporções realmente grandes. A guerra foi responsável pela troca de papel de milhares de mulheres, que deixavam o posto de “esposas” para carregar a tristeza de serem “viúvas” e estarem entre as estatísticas que as classificavam como pertencentes à “multidão sem parceiro”.
Em 1918, Helena tinha ouvido o relato de milhares de mulheres que, além de lamentarem a respeito da perda de um marido ou do trauma que ele havia vivido, falavam sobre o triste destino de passar por isso sem poder ter filhos. Helena, que já havia vivido na pele o preconceito por ser médica, tendo que lutar contra a própria família para isso, não se deixou reprimir e, muito antes do conceito que temos hoje de doador de sêmen, pensou em como seria possível encontrar um serviço como esses.
O ano de 1919 foi dedicado às pesquisas de Helena, que procurava um homem que pudesse ser um doador de esperma às muitas mulheres que queriam, mas não podiam, ainda, ter filhos. O candidato deveria atender a alguns requisitos básicos: ser alto, ter dentes, ser bem educado, inteligente e viril.
Fonte da imagem: Reprodução/Massa-muscular
Entra em cena, então, um homem chamado Derek, que, à época, tinha 30 anos e vinha de uma família com pensamentos um pouco mais liberais, além, é claro, de atender aos requisitos impostos por Helena. Ao contrário de seu irmão mais novo, Derek não foi convocado a participar da guerra e, portanto, não viveu os grandes traumas de todos os soldados, mas experimentou a perda de uma pessoa de sua família, já que o irmão morreu durante um conflito na Alemanha.
Derek só voltou a se sentir tranquilo quando conheceu uma enfermeira chamada Suzanne, que viria a ser sua esposa e que, em 1919 o apresentou a Helena e, à medida que a amizade dos dois crescia, Derek ficou sabendo que a médica tinha uma lista com pelo menos mil mulheres que gostariam de ser mães e não tinham como. Foi então que ele entendeu que poderia ajudar.
Os dois fizeram um acordo em um serviço relativamente secreto que funcionaria da seguinte forma: cada mulher interessada deveria pagar o equivalente a 10 libras, sendo que esse dinheiro seria revertido para um fundo dedicado a prover todos os cuidados pré-natais dos quais as mulheres e os bebês necessitariam.
Fonte da imagem: Reprodução/DailyMail
A comunicação entre Helena, Derek e as futuras mamães era feita por meio de telegramas, e as mulheres não tinham o direito de conhecer o voluntário com antecedência, para deixar o processo todo mais simples e rápido. Elas apenas deveriam fazer as contas e ver quais dias estariam mais férteis para então marcar o encontro. Os maridos eram informados a respeito e poderiam escolher entre acompanhar as esposas até o local combinado ou simplesmente ficar longe – a maioria escolhia a segunda opção.
Derek usava sempre um terno preto, com camisa branca e uma gravata-borboleta com bolinhas, acompanhado de seu chapéu, uma pequena maleta e um garrafa de conhaque. A receita dava muito certo e algumas mulheres chegavam a solicitar uma segunda visita, mas Helena sempre deixou claro que não era um tratamento meramente sexual, mas uma forma de restabelecer uma família que desejava ter filhos. Portanto, nada de bis.
Fonte da imagem: Reprodução/DailyMail
Suzanne, esposa de Derek, de acordo com os relatos de Helena, parecia ter uma relação boa com a função do marido e não se incomodava com isso. Durante os próximos anos, Derek visitou mais de 500 mulheres, sendo que muitas delas chegaram a ter filhos e não precisavam fazer uma segunda visita ao colaborador. Sempre que uma criança nascia, Helena enviava um telegrama a Derek. Entre 1919 e 1950, Derek ajudou a conceber 496 filhos.
O colaborador teve também seus próprios filhos – nove, no total – e morreu em casa, em 1974. Um ano depois de sua morte, surgiram serviços de homens que se ofereciam para ter relacionamentos curtos com o intuito de gerar gravidez.
Helena teve uma vida longa e totalmente à frente de seu tempo, sendo adepta e defensora de relacionamentos abertos, métodos contraceptivos, abortos e, claro, da ajuda de Derek. Em 1968, ela respondeu judicialmente por esses atos e foi considerada culpada, mas teve um grande desconto em sua sentença. Helena conheceu o mundo, ajudou pessoas e contribuiu para quebrar vários tabus. Ela continuou viajando, estudando, trabalhando e questionando padrões sociais até o fim de sua vida, que durou bonitos 93 anos.
*Publicado em 8/8/2013
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