Artes/cultura
10/01/2020 às 14:32•4 min de leitura
De acordo com a Associação de Ansiedade e Depressão da América (ADAA), o Transtorno de Acumulação Compulsiva é caracterizado pela necessidade de aquisição crônica de objetos aleatórios e sem qualquer tipo de significado ou utilidade real – ainda que psicologicamente acreditem que tenham. É comum da natureza da desordem a falta de espaço funcional onde vivem, criando ambientes extremamente sujos, abarrotados e até fatais. Os acumuladores tendem a possuir um nível de raiva, ressentimento e comportamentos passivo-agressivos, por vezes perdendo a capacidade de socializar e rompendo laços familiares.
Embora os estudos da doença tenham ganhado força apenas por volta de 1980, foi, no entanto, em 1947 que o mundo conheceu a história dos irmãos Collyer, o maior e pior caso de acumulação compulsiva, também responsável por lançar luz ao problema.
Homer Lusk Collyer nasceu no dia 6 de novembro de 1881 e o seu irmão Langley Wakeman Collyer em 3 de outubro de 1885, ambos em Manhattan, e no berço de uma das famílias mais respeitadas da cidade de Nova York. A mãe, Susie Gage Collyer, era uma ex-cantora lírica e descendente da primeira família Livingston que chegou em 1621 na América a bordo do The Fortune, o segundo navio de peregrinos ingleses com destino ao Novo Mundo. O pai, Herman Collyer, era um renomado ginecologista do Bellevue Hospital Center, um dos mais antigos hospitais públicos dos Estados Unidos.
Durante boa parte da infância, Homer e Langley viveram na luxuosa casa na Quinta Avenida junto com os seus pais. Cresceram sob um senso de irmandade muito grande estimulado pela mãe e o hábito recluso do pai. Do convívio familiar só foi se saber em 1919 quando Herman foi embora de casa e deixou o matrimônio para trás, na época quando ambos os filhos já eram adultos.
Homer era especializado em Direito Marítimo, enquanto Langley estudou engenharia e química, mas acabou seguindo a carreira de músico e se tornou um renomado pianista. Em 1923, o pai deles morreu e a mãe pegou toda a herança que o homem deixou em equipamentos médicos, joias, móveis, livros e guardou na casa onde viviam. Existem relatos de que nessa época a viúva já apresentava um quadro profundo de estresse e ansiedade que havia começado com o término do casamento.
Quando a mãe faleceu em 1929, os homens ficaram com a propriedade da família e tudo o que havia nela, decidindo se mudar para morarem juntos. Ao longo de 4 anos, os irmãos permaneceram com a mesma rotina: do trabalho para casa e às vezes para o encontro da igreja aos domingos. Não falavam muito. Não eram vistos co frequência. Até que em 1933, Homer perdeu completamente a visão por conta de hemorragias no fundo dos olhos, fazendo com que o irmão mais novo deixasse o emprego para poder cuidar dele.
Depois de ter perdido os pais para a morte, Langley se viu em pânico de ficar sozinho ou de que Homer sofresse ainda mais, por isso ele também decidiu se afastar do mundo externo e se trancou junto com o irmão na propriedade. Sair das ruas de repente nunca lhe pareceu algo tão certo e a confirmação para a sua resposta veio com o passar do tempo.
A Grande Depressão, as mudanças econômicas, políticas e sociais reforçaram o medo de Langley com o que havia se tornado o mundo, principalmente quando cresceu o número de afro-americanos pelas ruas do bairro onde moravam. Quando os jovens passaram a lançar pedras nas janelas, Langley pregou tábuas pelo lado de fora e colocou grade nas janelas do porão.
Falidos, Langley cumpria a missão de sair de casa durante a madrugada para revirar latas de lixo ou pegar restos de carnes e gorduras descartados pelos açougues da cidade. O homem se certificava de coletar todo o tipo de lixo e quinquilharia que encontrava pelo seu caminho, certo de que lhe seria útil no futuro. Afinal, a sua mente só queria fazê-lo se sentir ainda mais seguro, sobretudo depois que ladrões começaram a tentar invadir a casa por conta dos boatos que circulavam pela vizinhança de que por detrás das portas da propriedade haviam grandes riquezas trazidas do Oriente, enquanto na verdade prevalecia mais a solidão e a paranoia causadas pela doença do que o brilho da prataria.
A casa se tornou um labirinto de caixas e lixo tão grande que o engenheiro fez questão de criar armadilhas e sistemas de túneis por entre as pilhas até o teto, para que intrusos ou ladrões não os achassem. Langley implementou cordas guias para poder se mover pelo entulho sem que se perdesse. Eles dormiam em ninhos no topo das montanhas de objetos, faziam necessidades em vasilhas e tomavam banho com toalhas.
Quando a companhia de água fechou os registros de abastecimento da casa, Langley enchia bombas em parques públicos. Para a falta de energia, como o bom engenheiro que era, o homem valeu-se de um velho Ford Modelo T pertencente à família para criar um gerador de luz.
A obsessão dele foi tão grande que ele acreditava que curaria o irmão da cegueira apenas com dieta e descanso. Os dois também desconfiavam dos médicos do “novo mundo” e Homer implorou para que Langley forçasse um pouco mais a sua inteligência e inventasse uma cura. Sendo assim, o engenheiro passou a preparar refeições que consistiam em um pedaço de pão preto, cem laranjas por semana e manteiga de amendoim. Ele também lia e tocava para Homer, chegando a acumular milhares de jornais para que o advogado pudesse se atualizar nas notícias do mundo assim que se recuperasse.
Mas isso nunca aconteceu. O sistema de Homer Collyer começou a falhar drasticamente até que ele ficasse totalmente paralisado por conta de um reumatismo inflamatório.
No dia 21 de março de 1947, um telefonema anônimo para a Delegacia de Polícia de Nova York garantiu que havia alguém morto na casa dos Collyer, devido ao forte odor de decomposição que escoava para as ruas e casas ao lado.
Um esquadrão de emergência foi acionado quando um dos oficiais não conseguiu entrar na casa, uma vez que portas e janelas estavam abarrotadas de lixo. Durante cinco horas eles retiraram entulho para poder entrar. Haviam mais de cinquenta pilhas maciças de jornais que formavam paredes até o teto, camas e cadeiras dobráveis, milhares de caixas, comida estragada, um oceano de fezes, chassis de carros e uma infinidade de outras coisas.
Usando um roupão azul esfarrapado, com os cabelos grisalhos e dobrado numa posição fetal, o cadáver de Homer Collyer foi encontrado num buraco feito no alto, em meio aos maços de jornais amarrados. O legista confirmou que ele estava morto há mais ou menos dez horas, devido a problemas cardíacos e inanição. O corpo de Langley Collyer, por outro lado, só foi encontrado depois de três semanas de buscas intensas na casa e extração de lixo. Ele morreu asfixiado em baixo de uma de suas próprias armadilhas, soterrado apenas a três metros do irmão.
Ao todo, foram retiradas cerca de 120 toneladas de lixo da residência, o equivalente ao peso de 5 caminhões betoneira. Coletaram também 14 pianos, 25 mil livros, 15 mil caixas, 900 metros de seda não utilizada, a estrutura de uma carruagem, centenas de estátuas e outros itens.
Os irmãos foram enterrados no túmulo da família no cemitério de Cypress Hills, no Brooklyn. A casa foi demolida e o local transformado num parque com o nome deles. E não se sabe ao certo se por quem eles foram, pelo que se tornaram ou por servirem de objeto de estudo de suas próprias tragédias.