Artes/cultura
23/03/2020 às 13:58•4 min de leitura
Foi o escritor, investigador e ufólogo chamado Chris Aubeck que decidiu desenterrar essa história que há anos assombrou os fóruns de internet na década de 1990. Todo mundo sabia falar sobre o assunto, mas ninguém conseguia saber explicar qual era a procedência do caso de Rudolph Fentz, um suposto viajante do tempo.
Chris chegou a juntar as mais de 10 versões que encontrou na internet e deu início a sua odisseia na história desse desconhecido "viajante do tempo". Em outubro de 2002, ele publicou o resultado de anos de buscas em um relatório no qual explicava o passo a passo de tudo que ele conseguiu descobrir sobre a história daquele homem misterioso.
(Times Square, 1950)
O homem teria aparecido do nada, surgindo em meio ao cruzamento eufórico da Times Square, em Nova York, Estados Unidos. Era junho de 1950 por volta das 23h30 — em um dos locais mais movimentados do mundo, conhecido por ser o epicentro de atrações e de tantas pessoas diferentes indo e vindo — quando esse homem simplesmente surgiu do nada vestido de uma forma estranha. As roupas dele eram elegantes, porém extremamente antiquadas, como as que eram vistas nos manequins de museus ou em fotografias históricas datadas do século anterior.
O homem seguiu vagando em meio ao trânsito, parecendo muito desorientado e aparentemente sem ter a noção do quão perigoso aquilo poderia ser, ocasionando uma grande confusão no tráfego. Quando o capitão do Departamento de Polícia de Nova York, Hubert V. Rihm, chegou ao local para dar um jeito na situação, o indivíduo, que parecia ter cerca de 30 anos, começou a recuar e disparar palavras que Rihm não conseguia entender. O policial tentou acalmá-lo, mas o homem estava assustado demais e acabou correndo; inevitavelmente, ele foi atropelado por um táxi no cruzamento seguinte e morreu na hora.
(Rudolph Fentz)
O capitão ficou encarregado de montar todo o cerco policial para inspeção do acidente e acionar os médicos especializados para examinarem o cadáver antes de transferi-lo a um saco mortuário e conduzi-lo ao necrotério. Hubert achou que se tratava apenas de um bêbado ou drogado que teria perdido o controle de si mesmo e se colocou naquela situação. No entanto, à medida que o cadáver do homem foi sendo investigado, circunstâncias peculiares foram colocando pontos de interrogação na cabeça do capitão.
O indivíduo, até então anônimo, vestia uma calça xadrez com um casaco de tecido grosso demais e um colete muito limpo por cima. Os sapatos com fivelas de metal estavam abotoados e ele segurava um chapéu antes de ser atingido pelo carro. A aparência do homem remetia-se à era vitoriana, com costeletas longas, bigode e uma pele extremamente alva. Era provável que ele tivesse saído diretamente de uma festa à fantasia em direção ao seu fim trágico. A cidade era repleta de loucos, mas as outras evidências que descobriram tornaram essa hipótese menos factível.
O homem carregava nos bolsos da calça uma quantia de US$ 70 aproximadamente, só que o dinheiro estava em papel-moeda e não em cédulas. Nenhuma das moedas encontradas eram datadas de um ano mais recente do que o de 1876, e todas pareciam novas. Havia também uma espécie de contrato de um estábulo para cuidar de um cavalo e uma carruagem que o pertenciam, segundo constava. A polícia encontrou cartões de visita com o nome "Rudolph Fentz" e deduziu que este era o nome daquele homem. Junto a isso, tinha um endereço (Quinta Avenida), referente a uma empresa. Havia também uma carta da Filadélfia com entrega para esse mesmo local.
(Ilustração de Fentz)
O capitão Rihm não encontrou vestígios de nenhum Rudolph Fentz: nem impressões digitais, registros de nascimento ou qualquer outro relatório de pessoa desaparecida que se remetesse às descrições. Fentz aparentemente não existia. Contudo, gastando horas e dinheiro em ligações para consulados e revirando listas telefônicas, o capitão acabou encontrando um Rudolph Fentz Jr., que havia morrido 5 anos antes.
O policial entrou em contato com a viúva desse falecido. Então, ficou sabendo por correspondência que Rudolph Fentz, o sogro dessa mulher, desapareceu misteriosamente aos 29 anos há cerca de 74 anos. O capitão pesquisou dados em registros desatualizados de pessoas desaparecidas e encontrou um homem com o mesmo nome que de fato desapareceu em 1876, tal como a viúva dissera. Ainda por cima, a descrição do relatório da pessoa acompanhava uma fotografia que batia exatamente com a característica física do indivíduo morto na Times Square.
Temendo que fosse considerado insano e destituído de seu cargo, Hubert evitou falar sobre as suas descobertas e por isso não documentou nenhuma delas de modo oficial. Apenas anos depois, em entrevistas perdidas, o capitão já aposentado falou abertamente sobre o caso, lançando pelos quatro cantos as tantas e ao mesmo tempo poucas informações que tinha.
(Página do conto de Jack Finney)
Em seu relatório de investigação, Chris Aubeck deixou claro de que não encontrou provas contundentes de que tudo acima de fato aconteceu, muito pelo contrário, tudo apontou para mais uma grande farsa viral. Contudo, ele fez questão de deixar claro que, no meio de tanta invenção, existe a possibilidade, embora remota, de que tudo tenha alguma veracidade.
A história de Rudolph Fentz ter sido engolido por um lapso de tempo teria sido criação do notório autor Jack Finney, que escreveu uma antologia de ficção científica chamada About Time, publicada em 1951. No conto final intitulado "I’m Scared", retratou toda a história de Rudolph Fentz, desde seu surgimento em Nova York até as investigações do capitão de polícia.
O homem que veio de 1876 na verdade provou ser um personagem da mente brilhante de Finney. A suposta fotografia atribuída a Rudolph Fentz, que pipocou por anos nos debates virtuais sobre o assunto, é de um modelo chamado Henz, segundo uma fonte da Namepedia.
Seguindo a lógica de quem conta um conto aumenta um ponto, a investigação de Chris Aubeck provou que quem começou a inventar a veracidade da história foi Vincent H. Gaddis, um autor que publicou um artigo no The Journal of Borderland Research, na edição de 1972. Escrito em primeira pessoa, Gaddis relatou o caso alegando que a sua fonte inicial tinha sido o jornalista já falecido Ralph M. Holland, da revista Collier’s, o qual teria confessado a história a ele em segredo antes de falecer.
É aqui que o segundo viés de todo o caso entra, só que como uma "teoria da conspiração". Apesar de tudo apontar para uma obra de ficção, muitos não descartaram a possibilidade de a falta de provas e as conexões documentais da polícia, como também de outras instituições, terem "as mãos" do governo dos Estados Unidos nelas.
Nem Chris Aubeck descarta essa hipótese. Porém, pelo menos por enquanto, o caso Fentz continua sendo uma fantasia, tanto da cabeça de Jack Finney quanto da mente de Holland e de Gaddis. Estes cumpriram bem a tarefa de criar uma lenda mais estranha que uma ficção.