Artes/cultura
10/04/2020 às 14:00•5 min de leitura
Rebecca Lucille Schaeffer nasceu no dia 6 de novembro de 1967 e sua paixão pelas telas veio tão cedo quanto a sua capacidade de falar. Filha única da escritora e instrutora do Colégio Comunitário de Portland, Danna Wilner, e do psicólogo infantil, Dr. Benson Schaeffer, ela vinha de uma família judia e morava na pequena cidade de Eugene, no Oregon. Enquanto menina, Rebecca sempre foi idolatrada pelos pais e por toda a família. A inteligência dela também era algo chocante para sua idade, tanto quanto seu temperamento decisivo, que começou a aparecer logo cedo. O que ela colocava na cabeça e queria fazer, ela fazia. Tudo o que desejava, conseguia.
Embora Rebecca sempre tivesse nutrido uma forte aspiração para se tornar atriz, ela considerou por vezes se tornar rabina para seguir os preceitos judaicos sob os quais foi criada, mas a voz interior falou mais alto que a religião ou qualquer desejo de seus pais. Em 1980, quando a família se mudou para Portland e Rebecca ingressou na Lincoln High School, a jovem começou a fazer os seus primeiros trabalhos como modelo.
Rebecca Schaeffer
Apenas com 14 anos de idade, Rebecca Schaeffer já aparecia em catálogos de lojas de departamento, posando com as principais roupas da estação, novas tendências e lançamentos. Isso, porém, já era muito para uma jovem de sua idade. Inspirada por essa promissora carreira, ela começou a frequentar as aulas de teatro na escola e foi subindo ao palco do auditório local que ela decidiu que queria se tornar atriz.
Enquanto isso, o próximo passo de Rebecca foi modelar para comerciais de televisão, aparecendo por toda a fria Oregon que, a cada dia mais, parecia distante do futuro da garota. Em agosto de 1984, aos 16 anos de idade, ela teve a permissão dos pais para se mudar sozinha para Nova York para, enfim, elevar o patamar de sua carreira de modelo.
Em Portland, a dona da agência de modelos que cuidava de Rebecca entrou em contato com uma de suas atrizes, Barbara Lush, que morava em Nova York. Ela informou que uma de suas agenciadas estava se mudando para a grande metrópole e pediu para que ela cuidasse da jovem e lhe ensinasse tudo.
Rebecca e os pais
Entusiasmada com sua nova vida, logo que chegou na cidade, Rebecca foi caçar mais cursos de profissionalização em artes dramáticas. Ela frequentou a Professional Children’s School e sua beleza, carisma e todos os outros requisitos que reforçavam o padrão de perfil da indústria da época permitiram que ela conseguisse um papel de curto prazo na novela Guiding Light.
No final do ano de 1984, Rebecca começou a dar passos mais além. Ela interpretou a personagem Annie Barnes na mundialmente famosa novela One Life to Live, criada por Agnes Nixon e produzida pela ABC, e que está no ar até hoje, contando com mais de 10 mil episódios desde sua estreia em 15 julho de 1968. Muito embora a jovem tenha participado apenas por seis meses, ela já experimentava o gosto de dividir as câmeras com grandes nomes, além de já ter conseguido um papel até que consistente para alguém que estava apenas começando.
Em 1986, ela conseguiu uma pequena participação no filme A Era do Rádio, dirigido pelo prestigiado Woody Allen. Ainda que a garota já tivesse aparecido em vários lugares, Rebecca ainda não tinha experimentado sua grande estreia, algo que a jogasse definitivamente para estratosfera do estrelato.
O elenco da sitcom My Sister Sam
Foi então que, durante uma de suas sessões de fotos para uma campanha de joias, ela conseguiu chamar atenção dos produtores que estavam escalando o elenco de uma nova sitcom chamada My Sister Sam, do canal CBS. Curiosos, eles pediram para que Rebecca fizesse o teste para o papel principal, Patricia Russell, mais conhecida como Patti.
Ainda em 1986, por conta das gravações do programa, Rebecca Schaeffer se mudou para a Califórnia. Ela ainda não sabia, mas ali era o início do que sempre sonhou. A série se tornou um fenômeno na época, responsável por atrair milhares de fãs, em sua maioria jovens, por conta do apelo do programa, apesar dele ter uma narrativa bem familiar e descontraída.
Rebecca só foi entender muito bem que estava ficando cada vez mais famosa quando um dia, no final das gravações, um dos seguranças do set de filmagem ligou para o trailer dela dizendo que havia um fã com vários presentes querendo vê-la. No entanto, para a sua segurança, a produção não a deixou sair e eles acabaram mandando o fã embora.
Aquele tipo de situação se tornou ainda mais comum quando ela se tornou a cover girl da edição de março da revista Seventeen, em 1987, uma das mais vendidas da época. Todo mundo deixava bem claro que Rebecca encarava esse crescimento astronômico como mais um dia de trabalho. Ela não conseguia assimilar que estava virando um dos rostos mais conhecidos dos Estados Unidos, por isso seu comportamento não havia mudado em nada.
Rebecca em um ensaio fotográfico para "Scenes from the Class Struggle in Beverly Hills"
Com a queda na audiência da segunda temporada, My Sister Sam foi cancelada em 1988. Era a hora de Rebecca ir mais longe. Depois de vários outros personagens, ela ainda carregava o estigma da jovenzinha que a sitcom havia desenhado, por isso a agora mulher queria um papel que mostrasse que tinha amadurecido, física e profissionalmente.
No ano seguinte, Rebecca atuou no filme Scenes from the Class Struggle in Beverly Hills, que possuía uma comédia mais obscura e adulta. Foi nesse longa que ela teve sua primeira cena de romance e de relação sexual, o que para ela era ótimo, visto que poderia se provar como uma atriz versátil e séria.
Mas nem todo mundo pensava o mesmo.
Na manhã do dia 18 de julho de 1989, Rebecca Schaeffer estava em casa esperando que entregassem o roteiro de um novo filme para ela. A campainha tocou, ela desceu e atendeu a porta. Era um homem que ela nunca tinha visto na vida. Ele disse que era seu maior fã e segurava uma fotografia dela com sua assinatura. Além disso, o homem carregava uma cópia do livro O Apanhador no Campo de Centeio, o mesmo que Mark David Chapman possuía quando assassinou o cantor John Lennon, em 1980.
O desconhecido xingou a estrela e a acusou de ter perdido a sua inocência em seu último filme — pelo fato de ter aparecido seminua numa cena de sexo. Furioso, ele a confrontou dizendo que Rebecca havia se tornado “mais uma vadia qualquer de Hollywood”. Tremendo, o homem chorava sem parar. Rebecca ainda foi paciente e tentou acalmá-lo antes de pedir para que fosse embora.
O homem parou numa lanchonete próxima, tomou seu café da manhã e voltou a tocar a campainha da casa da atriz. Rebecca o atendeu de novo e ele a recebeu com uma arma apontando em sua direção. O homem não pensou duas vezes e disparou bem no meio do peito da mulher.
Robert John Bardo
Robert John Bardo tinha 19 anos de idade quando assassinou Rebecca Schaeffer. Ele também era conhecido por seu histórico de doença mental na família, tendo sido diagnosticado com transtorno bipolar. A infância do jovem foi marcada por períodos conturbados, pontuados por abusos sexuais de seus irmãos, tentativas de suicídio e abandono parental.
Bardo era praticamente analfabeto, pois sequer terminou de cursar o Ensino Fundamental — ele passou mais tempo internado por problemas emocionais do que na escola. Um ano e seis meses antes de aparecer na soleira da porta de Schaeffer com uma arma, o jovem já havia sido preso três vezes sob acusações de violência doméstica, conduta desordeira e ameaça.
Rebecca Schaeffer não foi a primeira vítima da mente doentia de Bardo. Ele já havia perseguido a ativista infantil Samantha Smith antes que ela morresse em uma acidente de avião em 1985. A obsessão dela pela estrela da sitcom teve início três anos antes, quando começou a escrever centenas de cartas que nunca chegaram a atriz. E então, ele decidiu obter acesso ao set de filmagens, mas foi barrado pelos seguranças.
Anos depois, irado com a forma como a garota havia se transformado em mulher e “perdido o pudor”, ele contratou um detetive que, por sua vez, rastreou os registros do Departamento de Veículos da Califórnia e encontrou o endereço de Rebecca. Após abandoná-la sangrando no pórtico de entrada de sua casa, o jovem fugiu e foi preso em Tucson, no Arizona, após ser flagrado andando em meio ao tráfego.
A trágica morte de Rebecca Schaeffer mudou o panorama de Hollywood acerca do assédio de fãs, principalmente jovens, aos famosos. Algumas políticas públicas surgiram em prol disso, da mesma forma que campanhas de conscientização em relação à prática do stalking que, na época, era chamada de eteromania, foram criadas. Leis estaduais também foram implementadas.
Durante o julgamento, Robert John Bardo alegou que a música Exit, da banda U2, foi uma forte influência para que ele cometesse o assassinato, mas que o livro que carregava era apenas uma coincidência e que ele não tinha se inspirado em Mark David Chapman. Apesar de os advogados de Bardo argumentarem que ele tinha esquizofrenia e que foi sua doença que o levou a cometer o crime, o jovem foi considerado culpado e condenado à prisão perpétua sem a possibilidade de liberdade condicional.
Bardo deixou o tribunal sorrindo e cantarolando trechos da música que o inspirou, satisfeito com o que havia feito: “Então, as mãos que constroem também podem destruir. Mesmo as mãos do amor. Oh, meu amor. Oh, meu amor...”.