Ciência
24/07/2020 às 14:00•4 min de leitura
Na manhã de 23 de janeiro de 1556, na província de Xianxim, na China, ocorreu o terremoto mais mortal já registrado na história. Estima-se que mais de 830 mil pessoas morreram nos 97 condados que foram afetados pelo tremor, e uma área de cerca de 1,3 mil quilômetros quadrados foi completamente destruída, sendo que em alguns locais 60% da população foi morta, principalmente porque a maioria dos habitantes vivia em cavernas artificiais nos penhascos de Loess, que desabaram durante os abalos.
Depois do Japão, a China é o país onde mais acontecem terremotos, com 56 casos registrados desde 1290. O avanço da tecnologia possibilita que sismólogos e geógrafos determinem quando, onde e qual será a magnitude de um abalo futuro, muito embora estejam sujeitos a algoritmos imperfeitos devido ao comportamento por vezes errático das placas tectônicas.
Em 1975, quando a tecnologia ainda não tinha avançado o suficiente, eles descobriram que poderiam confiar em outro tipo de alarme.
A cidade de Haicheng está localizada na província central de Liaoning, na República Popular da China, cerca de 120 quilômetros a sudoeste da capital Shenyang, que sustenta o mais importante centro industrial chinês.
Em 4 de fevereiro de 1975, às 19h30, um terremoto de magnitude 7.5 na Escala Richter atingiu mais de 1 milhão de habitantes de Haicheng. Entre os milhares de edifícios e propriedades que desabaram, cerca de 2 mil pessoas morreram e 27 mil ficaram feridas.
De acordo com o governo chinês, especialistas perceberam que os relatórios indicavam uma contínua, porém ainda não considerada alarmante, elevação nos níveis das águas subterrâneas e alterações do solo. As autoridades emitiram apenas um alerta de sismicidade, mas reforçaram que a população não deveria se preocupar.
No entanto, na manhã do terremoto, os animais de Haicheng começaram a se comportar de maneira atípica. Milhares de ratos paralisaram no meio das estradas, vacas e cavalos ficaram extremamente agitados, galinhas e porcos entraram em frenesi e centenas de cachorros invadiram as ruas, latindo, sob um céu infestado por aves que voavam em bandos. Estranhamente, todas as espécies pareciam querer a mesma coisa: fugir.
Foi o comportamento dos bichos que fez as autoridades chinesas emitirem um alerta máximo de emergência e darem início ao processo de evacuação da cidade, temendo a iminência de um grande terremoto, apesar de muitos ainda acreditarem que não passava de mais uma série de alarmes falsos. Com mais de 90 mil pessoas evacuadas das áreas consideradas de risco, é estimado que cerca de 150 mil cidadãos teriam morrido se não tivessem seguido o sinal animal.
A notícia de que a China tinha "previsto o terremoto através dos animais" teve repercussão mundial. Contudo, devido à Revolução Cultural que o país atravessava, vários detalhes sobre a previsão e o processo de evacuação foram mantidos em segredo pelo governo, com o intuito de controlar as percepções políticas das outras potências mundiais.
Um ano mais tarde, o terremoto que devastou a cidade de Tangshan, causando mais de 240 mil mortes, levou especialistas do mundo todo a questionarem a veracidade da capacidade de previsão dos abalos que a China dizia ter.
Em junho de 2006, o cientista de pesquisa do Serviço Geológico do Canadá Kellin Wang afirmou que a previsão de 1975 foi genuína. Com base em documentos, entrevistas e testemunhas, ele explicou que a antecipação que os chineses faziam era "uma mistura de confusão, análise empírica, julgamento intuitivo e boa sorte".
As equipes geológicas aumentaram os esforços de monitoramento, previsão e educação pública depois que uma série de grandes abalos atingiu o norte do país no fim da década de 1960. Em junho de 1974, as anomalias no solo já estavam claras, portanto, para Wang, eles de fato decidiram confiar no que os animais "sentiam", uma vez que as alterações datavam de anos e não indicavam quando de fato o terremoto ocorreria.
Dizem os historiadores que, em 373 a.C., animais de todas as espécies abandonaram em massa a cidade grega de Helice apenas alguns dias antes de um terremoto destruir totalmente o local. Contudo, os sismólogos do Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS) são céticos com relação à predição animal, afirmando que nunca foi feita uma conexão plausível entre um comportamento específico e a ocorrência de um terremoto.
"Nós nos deparamos com muitas anedotas. Os animais reagem a tantas coisas, como a fome e a predadores, então é difícil ter um estudo controlado para obter esse sinal de alerta avançado. Em 1970, alguns estudos sobre predição animal foram feitos, mas nada de concreto foi obtido", declarou Andy Michael, geofísico da USGS.
Mais tarde, foi descoberto que uma série de pequenos tremores, chamados de foreshocks, ocorreram antes de o grande terremoto atingir Haicheng. Para Michael, foi essa sequência que deu às autoridades chinesas a sólida previsão, e não o comportamento dos animais. Desde então, a USGS nunca mais investigou a teoria.
As mudanças no magnetismo local e na condutividade elétrica da crosta terrestre estão há anos sendo investigadas como possíveis sinais pré-históricos de terremotos. Roger Musson, sismólogo do Serviço Geológico Britânico, explica que o movimento das rochas subterrâneas antes de um terremoto pode gerar um sinal elétrico que alguns animais podem perceber, e que talvez eles sejam até capazes de sentir os choques mais fracos que a aparelhagem não consegue detectar. Desde meados de 1990, o Departamento Sismológico da China usou a atividade natural para tentar prever pelo menos 20 terremotos.
No fim das contas, para muitos pesquisadores, a experiência de Haicheng serviu como uma referência útil para reduzir desastres por meio de previsão e preparação. Qi-Fu Chen, professor de Pesquisa de Administração de Terremotos da China, adiciona que o evento foi valioso, pois "mostrou a importância da educação pública". Campanhas incluíam a distribuição de folhetos que explicavam os conceitos do terremoto e descreviam como fazer observações amadoras de eventos que poderiam ajudar as autoridades a formular as previsões.
No mais, para Chen, o uso de animais para prever terremotos ainda "exigirá muitos anos de pesquisa".