Artes/cultura
28/07/2020 às 15:00•3 min de leitura
Nascida em 7 de fevereiro de 1881 em Paris (França), Gladys Marie Deacon teve uma infância cercada por infortúnios. Uma das três filhas do casal de norte-americanos milionários Florence e Edward Deacon, ela sofreu o luto de perder um irmão muito cedo e aprendeu a sorrir nos eventos da alta sociedade mesmo quando não estava nada bem.
Em meados de 1892, Edward suspeitou que a esposa estivesse tendo um caso com o francês Emile Abeille. Gladys tinha apenas 10 anos de idade quando o pai seguiu a mãe até o Hotel Slendide, em Cannes (França), e disparou três tiros mortais no amante na frente de vários funcionários do local.
Gladys e as irmãs foram enviadas para o Convento da Assunção, na comuna parisiense de Auteuil, para terminarem os estudos. A mãe relutou, pois temia que Edward tentasse ganhar a custódia delas assim que fosse libertado da prisão — ele foi sentenciado a apenas 12 meses.
Foi então que Florence decidiu sequestrar as próprias filhas e levá-las de volta para casa, em Paris. Durante a ação de divórcio, em 1893, a custódia das filhas foi dada a Edward, pois aparentemente traição era pior do que assassinato na época.
Ele levou as meninas para os Estados Unidos, onde permaneceu por 3 anos, até que foi diagnosticado mentalmente instável e enviado ao Hospital McLean, em Boston, onde morreu em 1901. Assim que Gladys retornou à França para morar com a mãe, foi notada pelo escritor Marcel Proust: "Nunca vi uma garota com tanta beleza, inteligência tão magnífica, bondade e charme", escreveu ele sobre a jovem, eternizando a sua primeira menção pública.
Gladys Deacon herdou a fortuna do pai e a multiplicou, tornando-se tão rica quanto uma jovem da Belle Époque poderia ser. Com olhos azuis hipnotizantes e uma beleza atípica, ela era inteligente e gentil o suficiente para fazer com que todos os rapazes desejassem conquistá-la. Envolvida com a realeza e artistas históricos e tendo conhecido o mundo, para a mãe — uma escaladora social —, só faltava um marido adequado ao padrão da filha.
Em 1897, quando completou 16 anos de idade, Gladys viajou para Londres (Inglaterra) e se encontrou pela segunda vez com o Duque de Marlborough, Charles Spencer-Churchill, pelo qual era obcecada há 2 anos.
Ele estava noivo de Consuelo Vanderbilt, mas Gladys fantasiava constantemente ter idade o suficiente para se casar com o duque. Usando sua beleza tão notável e valorizada, ela despertou a atenção do homem, que a convidou para passar um tempo no Palácio de Blenheim. Ali começou o relacionamento secreto que durou 20 anos.
Nesse ínterim, nas idas e vindas de Londres, a jovem garantiu uma amizade com a futura duquesa e seu filho, enquanto enrolava os seus pretendentes, como o Príncipe da Prússia.
Por volta de 1921, o casamento do duque começou a desmoronar. No fundo, Gladys sempre soube que isso aconteceria, uma vez que o homem se casou apenas pelos milhões de dólares oferecidos pela família Vanderbilt, que queria o título de duquesa para a filha.
No mesmo ano em que o divórcio foi assinado, o sonho juvenil de Gladys se realizou: ela se casou com o Duque de Marlborough. Em seu livro A Esfinge: A Vida de Gladys Deacon, o biógrafo Hugo Vickers indica que o declínio mental da jovem começou quando ela atingiu a sua epítome da beleza, conquistando o homem que sempre desejou.
Em um ato narcisista, aos 22 anos, ela ordenou que pintassem os seus supervalorizados olhos no teto do Palácio de Blenheim, para eternizar esse atributo. No entanto, não foi o suficiente. Desde pequena, Gladys temia que a sua beleza se esvaísse com o tempo, então decidiu que faria uma cirurgia plástica.
A sua maior preocupação era o nariz que, segundo ela, tinha uma torção, então viajou para Paris, onde um tratamento considerado revolucionário com injeções de parafina estava em andamento. Ela queria obter um "perfil grego", porém o procedimento foi um desastre. Dias depois, a cera deslizou para o queixo e criou um volume na mandíbula, manchando a pele.
Arrasada, Gladys ordenou que os funcionários removessem todos os espelhos do palácio e cobrissem qualquer superfície reflexiva. Ela também nunca mais compareceu a eventos da alta sociedade.
Longe até do marido, pois passou a dormir em um quarto separado, Gladys dedicava todo o seu tempo para cuidar das centenas de cachorros que comprou, os quais o duque detestava, pois afirmava que eles "arruinavam a tapeçaria". Isso só fez com que a relação dos dois se deteriorasse ainda mais.
O descontrole da mulher se tornou tão grande que ela mantinha um revólver carregado em sua mesa de cabeceira. Segundo os poucos convidados que tiveram acesso a ela, Gladys confidenciou que a arma servia para caso o duque resolvesse entrar no quarto. Quando o homem descobriu isso, irado, abandonou o palácio e ordenou que ela fosse removida de lá, mas ele morreu antes que pudessem concluir o processo de divórcio. Gladys, por sua vez, isolou-se em uma fazenda distante, localizada em Mixbury, em Oxford.
Durante os longos anos em que morou lá, apenas o seu empregado polonês a visitava. Em 1962, quando os vizinhos acharam que ela estava morta por não a verem há anos, os médicos a removeram à força de casa e a internaram no Hospital Psiquiátrico St. Andrew, onde ela permaneceu por mais 15 anos.
De acordo com Vickers, ainda que mentalmente irrecuperável e absorta em uma tristeza e solidão sem fim, Gladys Deacon continuou lendo, escrevendo diários e observando o mundo que corria à sua volta, embora o dela estivesse parado. Com uma história de vida que se tornou um eterno schadenfreude, ela faleceu em 13 de outubro de 1977, em Northampton (Inglaterra).