Ciência
07/10/2020 às 15:00•4 min de leitura
Em 11 de julho de 1973, o voo 820 da Varig estava programado para sair do Aeroporto Internacional Tom Jobim, no Rio de Janeiro, com destino a Londres (Inglaterra) e uma escala no Aeroporto de Orly, em Paris (França).
O Boeing 707-320C era comandado pelo experiente capitão Gilberto Araújo da Silva, que tinha mais de 17 mil horas de voo, 4.613 só no 707; pelo primeiro oficial de voo Alvio Basso, que tinha 5.055 horas de voo naquele avião; pelo engenheiro de voo Claunor Bello e pelo navegador Zilmar Gomes de Cunha, com 9.655 mil horas de voo e 14.140 horas, respectivamente.
No Rio de Janeiro, com os 17 membros da tripulação embarcaram 117 passageiros, incluindo figuras famosas como o velejador olímpico Jorg Bruder, o senador Filinto Muller, o famoso cantor Agostinho dos Santos e Julio Delamare, jornalista esportivo do jornal O Globo. Toda a tripulação extra estava a bordo para permitir uma mudança de turno na metade do longo trajeto.
Às 13h56, o Boeing 707 já fazia sua descida para pousar no Aeroporto de Orly quando uma passageira saiu do banheiro se queixando de uma fumaça branca acumulada em outra cabine. Naquela época não era proibido fumar no interior de aviões depois que eles já haviam decolado.
Acredita-se que alguém tenha jogado uma bituca acesa na lixeira do banheiro da aeronave, apesar de haver um cinzeiro na pia. Presume-se que o cigarro tenha começado um pequeno incêndio no lixo e se espalhando pelos acessórios de plástico e madeira da pia. A perícia da Administração Federal de Aviação (FAA) dos Estados Unidos confirmou que esses materiais eram facilmente inflamáveis, embora estivessem de acordo com os requisitos antichamas.
Um comissário de bordo foi avisado do cheiro de queimado, porém a falta de detectores de fumaça para informar à tripulação fez com que ninguém conseguisse localizar a fonte do incêndio a tempo de controlá-lo. A essa altura, uma fumaça branca já enchia a área dos banheiros e estava quase na metade do teto. Os comissários Carmelino Pires de Oliveira Jr., Sérgio Carvalho Balbino, Luiz Edmundo Coelho Brandão, Alan Henri Tersis e Edmar Gonçalves Mascarenas não conseguiram enxergar as chamas.
Apesar disso, Mascarenas esvaziou o extintor em todas as seções do banheiro enquanto Tersis tentava interromper a energia. Outros membros da equipe foram informados do que estava acontecendo e seguiram até os fundos da aeronave para saber no que poderiam ajudar.
Em poucos minutos, a fumaça ficou escura e começou a se encaminhar para a classe econômica do avião, preocupando os passageiros. Quando os comissários não conseguiram mais entrar no banheiro sem ter que usar uma máscara de oxigênio, situação perdeu o controle de vez.
Assim que os pilotos foram informados, o primeiro oficial comunicou à torre de comando que havia uma situação de incêndio a bordo do voo 820 e pediu prioridade na aproximação da pista mais próxima.
No instante seguinte, os disjuntores estouraram na estação principal do engenheiro de voo, uma vez que o fogo consumia a eletricidade ligada aos banheiros. Quando as luzes falharam e apagaram, um dos comissários foi instruído a abrir uma das saídas de emergência para dissipar a fumaça que intoxicava os passageiros, mas isso nunca aconteceu. Os pilotos despressurizaram o avião e usaram o sistema de ar-condicionado para reduzir a fumaça tóxica, que já enchia metade da aeronave.
A aproximadamente 18 quilômetros do aeroporto de Orly, o voo 820 já havia atingido uma situação de fogo total a bordo, e os passageiros estavam morrendo asfixiados, incluindo três membros da tripulação. Escura e densa, a fumaça se infiltrou na cabine de comando com nove pessoas e impediu que os pilotos enxergassem o painel e a pista. Abrir as janelas laterais não adiantou muito.
Com a visibilidade prejudicada e certo de que não conseguiria aterrissar na pista antes de ser nocauteado pela fumaça, o capitão decidiu realizar um pouso de emergência em um campo de cebola da vila Saulx-les-Chartreux, ao sul de Paris, a cerca de 5 quilômetros do Aeroporto de Orly.
Às 14h04, o Boeing 707 sofreu o impacto com o chão e deslizou por cerca de 500 metros, perdendo os quatro motores, o trem de pouso e a asa esquerda. Quando o resgate chegou, já havia 123 pessoas mortas por conta da fumaça.
O carioca e estudante de engenharia Ricardo Trajano, então com 20 anos, foi o único passageiro a sobreviver entre os 11 tripulantes vivos, e isso só aconteceu porque ele decidiu desrespeitar a ordem de um dos comissários e não permaneceu sentado em sua poltrona.
“Era meu primeiro voo e eu tinha lido que a cauda do avião ficava mais protegida em um acidente aéreo, então decidi me sentar atrás”, revelou ele, em uma entrevista à BBC. Isso também garantiu a sua sobrevivência, visto que ele rapidamente percebeu o cheiro de queimado. Seu comportamento transgressor na época o levou a ficar na área que separa a cabine do piloto e a primeira classe, enquanto os demais passageiros sufocavam em seus lugares.
Quando foi resgatado e encaminhado para um hospital em Paris, os médicos não deram mais do que 6 dias de vida para o jovem, que entrou em coma por 30 horas devido a queimaduras nos pulmões e múltiplas fraturas causadas pelo impacto da aeronave. Após 52 dias em um hospital parisiense e mais 1 mês internado no Rio de Janeiro, ele conseguiu se recuperar. “Eu nadava e jogava basquete. Tinha uma boa saúde. Foi o condicionamento físico que me salvou”, contou Trajano.
A perícia nunca conseguiu determinar o que causou o início do incêndio, muito embora tenha considerado o cigarro na lixeira do banheiro como a possibilidade mais provável. Em 1976, o governo francês chegou a apresentar relatórios que apontavam uma falha elétrica como causa, porém isso também nunca foi comprovado.
De qualquer forma, a tragédia revolucionou a história da aviação mundial, pois fez a Administração Federal de Aviação (FAA) banir para sempre a liberação de fumar dentro dos aviões, o que evitou que diversos acidentes banais acontecessem por causa de um descuido como aquele.