Estilo de vida
13/10/2020 às 15:30•4 min de leitura
Localizada no extremo de South Pennines, no norte da Inglaterra, Saddleworth Moor é um lugar de morte. A charneca montanhosa coberta por musgos alcança os reservatórios de Dovestone e de Chew Valley.
Os primeiros a morrer em Saddleworth foram William Bradbury e seu filho Thomas, espancados até a morte no pub Moorcok Inn, cujas ruínas ainda permanecem em pé. O doentio episódio ficou tão famoso na cultura local que chegou a atrair turistas, que se amontoavam dentro de pequenas lojas para comprar uma placa que celebrava o assassinato como marco histórico da região.
Perto do reservatório de Dovestone, em 1857, foi a vez de James Platt morrer após disparar acidentalmente o próprio revólver contra si mesmo. Em 1963, em Chew Valley, 2 alpinistas foram mortos por uma avalanche. Em um dia nebuloso de agosto de 1949, o avião bimotor Douglas DC-3 da British European Airways caiu na região, causando a morte de 24 pessoas. Como uma espécie de mórbido monumento, o trem de pouso da aeronave permanece até hoje no local da queda.
Em 1963, Saddleworth foi palco de uma horrível onda de assassinatos de crianças causada pelo casal Ian Brady e Myra Hindley, que fizeram um total de 5 vítimas. No entanto, enquanto todos foram recuperados, o corpo de Keith Bennett, um garoto de 12 anos que o casal estuprou e estrangulou, nunca foi encontrado.
Em 10 de dezembro de 2015, câmeras de segurança registraram que um homem idoso embarcou em um avião na cidade de Lahore, no Paquistão, com destino a Londres. Uma vez na capital, ele ainda fez uma viagem até chegar ao Norte, em Saddleworth Moor. Vestido com um casaco, calças lisas e mocassins, o viajante não carregava nenhum tipo de bagagem quando entrou no Clarence Pub, aproximadamente às 14h de 11 de dezembro daquele ano.
Mel Robinson, o proprietário do bar, descreveu o homem como alto, branco, de cabelos grisalhos, olhos castanhos, nariz proeminente e com cerca de 70 anos. Além disso, o dono do estabelecimento notou que havia algo sombrio no olhar do homem.
“Ele disse para mim que queria caminhar até o topo da montanha”, relatou Robinson. “Estava chovendo no dia e ele não estava equipado de maneira adequada para quem queria fazer uma caminhada ou escalada. Além disso, ele não indicou nenhuma direção específica”, ele também disse.
Robinson indicou o caminho para o estranho, mas avisou que ele não conseguiria subir até o cume, a 1,5 mil pés sobre o reservatório de Dovestone, e voltar antes que escurecesse. No entanto, o homem apenas agradeceu pela informação, levantou-se e saiu do pub sob o céu nublado daquele início de tarde invernal.
O trajeto íngreme e montanhoso de Saddleworth Moor, com suas curvas fechadas e inclinações que provocam o familiar frio na barriga, sempre foi o mais requisitado pelos ciclistas amadores e profissionais. Portanto, por volta das 10h50, de 12 de dezembro, o jovem Stewart Crowther estava pedalando um pouco pelo local quando foi pego por uma chuva torrencial. Ofegante, assim que parou para tentar recuperar um pouco do fôlego, ele avistou um homem deitado às margens da colina, com as mãos descansando sobre a barriga.
Apesar da posição estranha, Crowther tentou chamar por ele, mas o ruído da chuva contra as pedras era ensurdecedor. Ele então voltou até o centro da cidade e acionou a equipe de Resgate em Montanha de Saddleworth. Quando os profissionais chegaram ao local, descobriram que o homem estava morto. A princípio, suspeitaram que ele tivesse sofrido um ataque cardíaco após uma longa caminhada.
A polícia foi acionada, e o cadáver do homem foi revistado, mas não havia nenhuma identidade em sua posse. Eles não encontraram carteira ou passaporte, apenas 130 euros, um frasco vazio de levotiroxina sódica (usada para tratamento da tireoide) e 3 ingressos de trem do dia anterior.
O homem foi levado para o Hospital Royal Oldham, onde os médicos o apelidaram de Neil Dovestone, em homenagem ao local onde foi encontrado.
O médico legista, Simon Nelson, descobriu que Dovestone não morreu de um ataque cardíaco, mas de um envenenamento por estricnina, usado no Reino Unido para o controle de pragas e no Paquistão para controlar a população de cães selvagens. A morte é lenta e dolorosa, então o idoso sofreu muito.
O caso foi cercado por mistérios e dúvidas: por qual motivo o homem viajou do Paquistão até Saddleworth Moor apenas para se suicidar? Por que ele usou logo aquele tipo de veneno que provocava uma morte lenta? Por que escolheu aquela região para morrer?
Levou 2 anos para que investigadores conseguissem desenterrar a identidade de Dovestone, e ainda foi da maneira mais atípica possível. Durante a autópsia do homem, Simon Nelson percebeu que ele tinha passado por uma cirurgia no quadril e colocado uma placa de titânio, a qual possuía um número de série específico da empresa fabricante.
Os investigadores pesquisaram no banco de dados e descobriram que o modelo da placa só era legal no Paquistão, sendo instalada em um hospital em Lahore. Em janeiro de 2017, o mundo descobriu que o idoso se chamava David Lytton e que tinha 67 anos quando morreu.
Nascido em Londres, Lytton era filho de pais judeus e tinha o sobrenome Lautenberg, o qual ele abriu mão após uma briga familiar. Maureen Toogood, que foi casada com ele por quase 30 anos, disse que Lytton era introvertido e tinha o hábito de meditar. Ao longo de muitos anos, ele trabalhou como maquinista no metrô de Londres devido à natureza solitária do ofício.
O irmão, Jeremy Lautenberg, descreveu Lytton como “um pouco solitário” e dono de uma mente brilhante. Segundo ele, o sonho do homem era ter cursado Psiquiatria em Oxford. “Nós ficamos 10 anos separados, mas eu sei que ele nunca tiraria a própria vida”, afirmou Lautenberg.
Toogood, por outro lado, disse que Lytton começou a manifestar comportamentos depressivos assim que ela sofreu um aborto espontâneo. Ele nunca mais se recuperou do trauma, que inclusive causou a separação deles. Até que, depois de 30 anos vivendo em Londres, Lytton apenas decidiu vender sua casa por 215 mil euros e se mudar para o Paquistão junto de seu amigo Salim Akhtar, em meados de 2006.
Akhtar se encontrou com Lytton em Londres e o deixou em um hotel, onde ele se hospedou por 5 dias pagando 307 euros – curiosamente, o homem só ficou uma noite em seu quarto. Os teoristas de plantão e até mesmo a mídia chegaram a sugerir que Lytton fosse uma espécie de agente secreto, principalmente depois que descobriram que no início de dezembro de 2015 ele foi correndo até uma agência de viagem comprar uma passagem de ida e volta para Londres. Na ocasião, ele só falou em inglês, apesar de morar há 9 anos no Paquistão e dominar o idioma.
Por que levou 2 anos para que Lytton fosse identificado? Por que as testemunhas, como Salim Akhtar, não se pronunciaram quando a mídia fervia o caso em revistas e telejornais? Por que a família de Lytton não reivindicou o seu corpo?
Até hoje ninguém sabe o que realmente aconteceu no dia em que David Lytton morreu. Afinal de contas, quem ele foi? O gênio solitário descrito pelo seu irmão, o depressivo intitulado pela ex-esposa, o idoso suicida lido pela mídia ou o espião apontado pelos detetives de plantão da internet?