Ciência
22/10/2020 às 04:00•2 min de leitura
Em março de 2011, o Japão vivenciou um dos desastres naturais mais devastadores de sua história. Com uma magnitude de 9,1, o terremoto Tohoku – batizado em homenagem à região na qual se originou – causou um tsunami com altura de um prédio de 12 andares, matando mais de 15 mil pessoas e deixando milhões sem acesso a água encanada ou eletricidade.
Depois do acontecimento, os sobreviventes passaram a ver os falecidos em poças, vagando pelas praias e até mesmo surgindo nas portas das casas. O mais estranho é que estes espíritos do tsunami, como passaram a ser chamados, não foram vistos apenas nos locais da tragédia, com moradores de cidades mais antigas afirmando também terem visto as aparições.
Richard Lloyd Parry, um repórter britânico, já morava no país há 18 anos quando o tsunami ocorreu, e explicou que não era raro ouvir relatos das assombrações nos meses consecutivos ao Tohoku.
“A dor, a perda e a angústia das pessoas vieram à tona. E o que também saiu depois de alguns meses foram histórias de fantasmas, assombrações e eventos sobrenaturais a ponto de quase parecer uma epidemia”, afirmou Parry em uma entrevista em 2014.
O repórter chegou até escrever um livro sobre o fenômeno, e sua pesquisa para a obra revelou que os japoneses eram mais supersticiosos do que ele poderia imaginar.
“Eu não tinha percebido o quão real e vivo é o culto aos ancestrais e aos mortos. A outra coisa que aprendi é algo que eu deveria saber de qualquer maneira, mas que a dor e o trauma se expressam muitas vezes de forma indireta”, disse o britânico.
Em 2016, Yuka Kudo, uma estudante de sociologia viajou para Ishinomaki, uma das cidades mais assoladas pelo terremoto, para estudar esta epidemia sobrenatural. Sua pesquisa se concentrou principalmente nos motoristas de táxi da região, com muitos alegando terem lidado com passageiros que não eram mais deste mundo.
Um dos entrevistados contou que no verão de 2011, alguns meses depois do desastre, o número de clientes havia diminuído muito, e ele ficou chocado ao ver uma jovem esperando um veículo em uma área que foi particularmente devastada.
Segundo o homem, a moça usava um casaco pesado de inverno em pleno verão, e estava completamente encharcada. O taxista mal teve tempo de lembrar que não chovia há dias antes da figura misteriosa no banco de trás pedir para ser levada até o bairro abandonado de Minamihama.
Quando ele explicou que o destino havia se tornado um local praticamente vazio, em uma tentativa de confirmar se o endereço estava certo, o motorista afirmou que houve um longo momento de silêncio antes da passageira responder com uma voz trêmula: “Eu morri?”.
Assustado, ele virou-se rapidamente para encarar a cliente, apenas para descobrir que não havia mais ninguém no carro.
Histórias de outros locais incluem um homem em Kunihara que passou a desprezar a chuva por ver constantemente os olhos dos mortos que conhecia em poças, uma mulher idosa que assombra um abrigo para refugiados em Onagawa e ligações incessantes para o Corpo de Bombeiros em Tagajo, que só pararam quando os profissionais foram até as ruínas da casa da qual vinham as chamadas e oraram pelos mortos.
Parry acredita que estes espíritos possam ser uma manifestação do pesar enfrentado coletivamente pela nação japonesa. “Não importa realmente se você acredita em fantasmas. O que é real é o sofrimento e a dor”, afirmou o repórter.
Sua teoria é apoiada pelas explicações do Doutor Charles R. Figley, da Universidade de Tulane, que confirmou que o trauma compartilhado pelas massas pode levar a reações estranhas e coletivas. “Não é incomum que outros sobreviventes de uma perda catastrófica tenham reações comuns, sejam aparições, sons ou odores paranormais. Fantasmas, para alguns, são mais toleráveis do que o vazio criado pela morte”, disse Figley.