Ciência
13/11/2020 às 15:00•3 min de leitura
A misteriosa inscrição está localizada no terreno do Shugborough Hall, em Staffordshire (Inglaterra), no Monumento do Pastor, datado do século XVIII. O membro do Parlamento Britânico Thomas Anson pediu, em 1748, para que Peter Scheemakers esculpisse o monumento tendo como base a pintura de Nicolas Poussin, Et In Arcadia Ego, feita em 1637.
O monumento apresenta uma mulher e três homens, dois deles estão apontando para um túmulo onde está esculpido o texto em latim Et In Arcadia Ego, algo como “E em Arcádia estou”. O escultor ainda fez várias alterações da pintura original, incluindo a adição de um sarcófago sobre a tumba principal. Na placa de pedra logo abaixo, foi entalhada uma inscrição de dez letras: O-U-O-S-V-A-V-V. A letras D e M estão na segunda linha e em extremidades diferentes.
Não demorou muito para que a cifra passasse a intrigar historiadores e decodificadores ao longo de centenas de anos. Todos queriam entender qual era o significado aparentemente simples das 10 letras, e o motivo de terem sido esculpidas exatamente naquele tipo de monumento.
Em 1951, o romancista e especialista em letras, Oliver Stonor, sugeriu que a cifra poderia ser a frase em latim: Optimae Uxoris Optimae Sororis Viduus Amantissimus Vovit Virtutibus (“A melhor das esposas, a melhor das irmãs, um viúvo muito devoto se dedica às suas virtudes”). No entanto, foi apontado que a gramática da frase estava incorreta e que as abreviações que seguem as regras latinas feitas para ela não se encaixavam.
Steve Regimbal deu o lance de que a inscrição era uma abreviação para Omnia Sunt Vanitas Ait Vanitas Vanitatum, o que basicamente significa “Vaidade das vaidades, diz o pregador: tudo é vaidade”, um trecho de Eclesiastes 12: 8. Regimbal cunhou essa explicação com base na cifra OMNIA VANITAS, que teria sido esculpida em uma alcova na propriedade de um dos associados de Thomas Anson.
George Edmunds, por outro lado, acreditava que as letras são coordenadas de latitude e longitude de uma ilha onde há enterrado um grande tesouro espanhol. Em seu livro Ansons Gold, ele revela que Thomas Anson teria montado uma expedição secreta para recuperar o tesouro, que até chegou a ser localizado, mas que permaneceu no local por motivos desconhecidos. De fato existem cartas históricas com a mesma cifra, porém não há nada que prove o ponto de Edmunds.
Com Charles Dickens e Charles Darwin tendo passado anos de suas vidas tentando encontrar um significado plausível para o enigma, muito recentemente, em 2014, Keith Massey, um especialista em linguística, professor de latim e árabe que trabalhou na Agência de Segurança Nacional da América após o atentado de 11 de setembro, alegou ter desvendado de uma vez por todas a inscrição.
Para Massey, as letras D e M são a abreviatura para Dis Manibus (“Para os Manes”), que era comum ser entalhada em tumbas romanas e até mesmo em túmulos cristãos bem antigos. Os Manes são descritos como espíritos ancestrais do submundo que guardam o leito de morte, ou seja, tudo indica que, desde o início, a intenção da inscrição era ser entendida como o memorial de um túmulo.
Já para O-U-O-S-V-A-V-V, ele sugeriu que a letra U do início da cifra, na verdade, é V. Isso porque desde o final da Idade Média existe o hábito de substituir o U pelo V, como aconteceu em uma lápide romana do século II d.C de uma matrona do norte da África, onde lia-se: O-V-B-Q (Oro Ut Bene Quiescat, que seria “Eu rezo para que ela descanse bem”).
Sendo assim, Massey estabeleceu que o início da inscrição poderia ser Oro Ut Omnes Sequantur: “Rezo para que todos sigam”. A parte Ut Omnes Sequantur ele teria extraído dos escritos do Bispo Ussher, em The Whole Works, que antecede a criação da Inscrição de Shugborough: Ut omnes sequantur vocantem (“Para que todos possam seguir aquele chamado”).
Ele fez isso não porque a inscrição estava citando diretamente essa passagem, mas como prova de que a frase é totalmente gramatical e atestada na literatura.
Os três Vs do final foi o que intrigou o especialista. “Como alguém treinado em criptografia, eu acredito que sempre que você recebe uma letra que ocorre com mais frequência do que as outras, você está diante de uma pista importante”, revelou o homem.
Ele foi buscar na literatura latina onde acontecia a repetição de três Vs com muito destaque. Massey rapidamente se lembrou da famosa citação de Júlio César: Veni, Vidi, Vici (“Eu vim, eu vi, eu venci”). Na Bíblia, em João 14: 6, o especialista encontrou a passagem: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida”, que na tradução da Vulgata de São Jerônimo fica: Ego sum Via et Veritas et Vita.
Adicionando isso à cifra, ficou: Oro Ut Omnes Sequantur Viam Ad Veram Vitam (“Oro para que todos sigam o Caminho para a Vida verdadeira”). Veram Vitam aparece no Novo Testamento, em Timóteo 6:19: Ut apreendant veram vitam (“Para que possam apoderar-se da Verdadeira Vida”).
Ela surgiu através do comentário bíblico em João 14: 6: …viam qua itur ad veram vitam (“O caminho pelo qual foi para a Verdadeira Vida”).
“Eu acredito que minha proposta fornece uma interpretação sensata e confiável desse mistério”, disse Keith Massey. No entanto, não é isso que acredita os especialistas do National Trust, instituição que protege o monumento. Para eles, a inscrição continuará a confundir quem tentar resolvê-la.
AJ Morton, especialista em monumentos, lápides e códigos dos Cavaleiros Templários, acredita que o enigma tenha sido inscrito depois de sua confecção a pedido dos antigos residentes de Shugborough Hall, George Anson e Mary Vernon-Venables. Mas por quê? Morton também sugeriu que o próprio Thomas Anson teria erguido o monumento com um intuito obscuro e duvidoso.
Seja como for, o implacável mistério continua.