Ciência
29/03/2021 às 12:00•4 min de leitura
O que o autor Clive Barker alcançou com a criação do personagem Candyman em 1985, introduzindo-o de tal forma no imaginário popular que ele passou a ser confundido com a realidade, foi só a continuação do que alguns roteiristas e diretores de filmes de terror faziam desde a década de 1960.
Muitos filmes fizeram sucesso nessa época nos Estados Unidos por causa de suas narrativas sangrentas, que não só levavam em consideração o aumento exponencial de assassinatos perturbadores perpetrados por serial killers, como também mexiam com medos que fazem parte da cultura norte-americana, como ter a casa invadida. Alfred Hitchcock fez isso em seu filme Psicose, além de conferir ao personagem antagonista, Norman Bates, características da vida real do assassino em série Ed Gein.
(Fonte: Vulture/Reprodução)
Em 1974, Tobe Hooper foi o responsável por introduzir a "Era de Ouro" de filmes do subgênero slasher, produzindo o notório O Massacre da Serra Elétrica inspirado em alguns dos crimes cometidos por Elmer Wayne Henley e também por Ed Gein.
Contudo, em 1984, o diretor e escritor Wes Craven foi o responsável por ir além ao criar toda a narrativa de A Hora do Pesadelo baseado em horrores do campo de guerra.
Wes Craven. (Fonte: Wired/Reprodução)
Em meados de 1968, Craven era um jovem que havia se mudado para Nova York e tentava a todo o custo fazer sucesso como escritor, quando recebeu uma proposta de seu amigo Sean S. Cunningham para escrever o roteiro de um filme de terror. Porém, Craven nunca tinha sequer visto um filme de terror na vida, pois seu estilo sempre teve forte inspiração de Federico Fellini.
Em 1977, apesar do filme Quadrilha de Sádicos ("The Hills Have Eyes"), inspirado em crimes e mistérios que aconteceram no deserto de Nevada, ter sido um fracasso, serviu para consolidar Craven como um diretor de filmes de terror. No entanto, naquele momento, ele percebeu que precisava fazer algo que fosse de fato assustador, senão não daria certo naquela indústria.
Em 1983, Craven morava em Venice, Los Angeles (EUA), quando esbarrou em uma entrevista sobre "morte em pesadelo" do Los Angeles Times com o Dr. Robert Kirschner, professor associado de patologia da Universidade de Chicago e examinador médico adjunto do Condado de Cook.
(Fonte: 3 Brothers Film/Reprodução)
Em abril daquele ano, cerca de 130 refugiados do sudeste asiático, que encontraram abrigo em Illinois, nos Estados Unidos, gritaram desesperadamente enquanto dormiam antes de morrerem. O Dr. Kirschener investigou de perto 5 mortes, incluindo de uma criança que escapou do horrores do regime do Khmer Vermelho no Camboja, e foi morar junto com sua família em um apartamento no bairro de Near North Side, em Chicago.
Os pais temiam que o filho dormisse e a “coisa” alcançasse a criança em seus pesadelos. O menino chegava a ficar acordado por até 5 dias, sobrevivendo por métodos nada ortodoxos desenvolvidos pelos pais ao longo dos anos. No entanto, quando ele não aguentou e finalmente adormeceu, o garoto entrou em crise no meio da madrugada, gritando por ajuda. Quando os pais chegaram no quarto, ele já estava morto.
(Fonte: Mundo Seriex/Reprodução)
Na época, a comunidade médica não encontrou nenhuma explicação clínica para as mortes em pesadelo, apenas que aconteciam com mais frequência entre o grupo étnico minoritário Hmong, refugiados do Laos, um pequeno país no sudeste da Ásia. Eram pessoas que foram perseguidas pelo comunismo durante a Guerra do Vietnã após terem sido recrutados pela CIA para lutar contra os soldados norte-vietnamitas, morrendo em uma taxa 10 vezes maior do que os norte-americanos.
Em 1975, com o fim da guerra e instalação do comunismo, a liderança local enxergava os Hmong como traidores, então eles tiveram que fugir para a Tailândia ou para os Estados Unidos para não morrerem ou serem torturados como foram. Portanto, muitas pessoas acreditavam que a “doença do pesadelo” era uma espécie de punição dos espíritos ancestrais por eles terem deixado a terra natal e traído seu povo.
(Fonte: The Conversation/Reprodução)
“A ansiedade dos Hmong girou em torno da incapacidade de contribuir para honrar seus espíritos ancestrais e de participar ou realizar os rituais religiosos típicos longe de sua cultura”, comentou o Dr. Khatharya Um, professor associado da UC Berkeley.
Por outro lado, várias pessoas atribuíam as mortes durante o sono a agentes químicos nervosos que os soldados da guerra foram expostos. Contudo, essa teoria nunca foi levada em consideração pela área médica. “O gás nervoso não age dessa forma. Não há nenhum estudo sobre isso. Além de que, se fosse o gás o causador, por que ele afetava apenas os homens e por que apenas durante o sono?”, apontou o Dr. Larry V. Lewman, médico legista do Condado Cook, em entrevista ao Los Angeles Times em 1983.
(Fonte: Medium/Reprodução)
Em um estudo feito pelo professor Kirschner em 18 vítimas da doença misteriosa, publicado no Journal of the American Medical Assn, mostrou que todos eram homens saudáveis e sem sintomas preexistentes, com idade média de 33 anos. A autópsia feita por ele revelou pouco sobre as mortes, exceto que elas foram causadas por uma parada cardíaca súbita – o que era estranho, visto que as taxas de doenças cardíacas e disfunções em povos asiáticos eram extremamente baixas, principalmente devido à dieta com baixo teor de gordura.
“Na época, ninguém conseguia descobrir exatamente o motivo desses homens gritarem e morrerem logo em seguida”, revelou Kirschner ao Los Angeles Times. “Todos eles tinham o coração ligeiramente dilatado, e a maioria com defeitos no sistema que transporta os impulsos eletrônicos do cérebro para o coração. Talvez algum pesadelo tenha causado um curto e sobrecarregado os sistemas, causando a morte”.
(Fonte: ComingSoon/Reprodução)
Mais tarde, as pesquisas médicas catalogaram a doença como sendo parte da Síndrome de Morte Arrítmica Súbita (SADS), responsável por cerca de 15% das mortes em todo o mundo. Chamada pelo Centro de Controle de Doenças (CDC) de Síndrome da Morte Noturna Repentina Inexplicável (SUNDS), a doença fatal acontece principalmente em indivíduos jovens e saudáveis, em sua maioria do sexo masculino, principalmente no sudeste asiático. No entanto, nunca conseguiram determinar a causa exata.
Em 1983, as mortes bizarras durante o sono foram o necessário para que Wes Craven pudesse formar a espinha dorsal do roteiro de A Hora do Pesadelo. Ele partiu do princípio de que o que poderia causar a morte nessas pessoas era algo muito horrível, então deu vida à Freddy Kruger, o assassino que matava jovens e crianças durante o sono, dando tempo de elas apenas gritarem.