Ciência
24/06/2016 às 05:15•3 min de leitura
Felizmente, assuntos relacionados à identidade de gênero vêm sendo cada vez mais discutidos e, dessa maneira, podemos entender melhor a complexidade da diversidade humana. Há, ainda, quem confunda identidade de gênero com orientação sexual, no entanto. Basicamente, identidade de gênero corresponde à forma como uma pessoa se sente (homem ou mulher), independente do gênero com o qual tenha nascido.
Orientação sexual é o que define se uma pessoa é homossexual, heterossexual, bissexual, pansexual e por aí vai – trata-se, portanto, de uma questão de atração sexual. Uma pessoa nascida homem e que passa por uma cirurgia de adaptação de gênero para se tornar mulher pode, perfeitamente, gostar de ficar com mulheres. Nesses casos, as pessoas questionam: “ué, mas ela era homem e virou mulher para ficar com mulher?”. Uhum. Tudo pode e a vida segue.
Outro conceito que está emergindo dentro das questões de gênero é o do gênero não-binário, que é o da pessoa cuja identidade não cabe nem como homem nem como mulher. Pode-se dizer que um não-binário está entre um gênero e outro ou, ainda, é uma combinação dos dois. São pessoas que não necessariamente optam por fazer processos de readequação de gênero, por meio de medicamentos e cirurgias.
Bissu realizando um casamento.
Logicamente, assim como tudo o que é novo, essa definição tem causado estranhamento e, infelizmente, o tão desnecessário preconceito. A questão é que o gênero não-binário parece não ser algo tão novo assim. Muitas culturas orientais já são acostumadas com a ideia mais ampla de identidade de gênero.
Na Indonésia, por exemplo, a concepção do gênero não-binário é algo que existe há alguns séculos. Isso mesmo, você não leu errado: séculos. O maior grupo étnico do sul do país, os Bugis, tem simplesmente cinco tipos de identidade de gênero. Além dos cisgêneros feminino e masculino, concepções com as quais estamos familiarizados, os Bugis também têm o gênero calabai (homem feminino), calalai (mulher masculina) e bissu, que é a combinação de todos os gêneros.
A antropóloga Shatyn Graham explica que, se perguntarmos aos Bugis como eles acham que a formação de gêneros é definida no mundo, eles provavelmente responderiam que a maioria das pessoas se encaixa em bissu.
Bissu na Indonésia.
Em termos estéticos, os bissus se vestem com roupas que são usadas tanto por homens quanto por mulheres – e isso não vale apenas para roupas, mas também para acessórios. Graham usa como exemplo a figura de um bissu usando uma faca tradicionalmente masculina enquanto seus cabelos eram enfeitados com flores. Sabe desde quando esse tipo de comportamento é visto por lá? Desde o século 13, pelo menos.
Os bissus sempre desempenharam papeis importantes em termos de influência social, participando de rituais de casamento e religiosos, realizando bênçãos e sendo amplamente respeitados pelos Bugis. Infelizmente, muitos fundamentalistas islâmicos começaram a perseguir pessoas bissus depois do domínio holandês, em 1949.
Em 2002, a identidade bissu voltou a ser defendida como parte da cultura dos Bugis e, em 2015, o antropólogo Halilintar Lathief publicou um artigo no qual defende o direito de a identidade bissu ser enquadrada entre as comunidades gays e transexuais, de modo que os indivíduos não-binários voltassem a ter seus direitos sociais e econômicos.
Jamie Shupe e Sandy Shupe, casados há 29 anos.
O fato é que, em todo o mundo, cada vez mais pessoas se identificam como não-binárias, e movimentos de liberdade e aceitação vêm crescendo. Em 2014, popularizou-se no Twitter a hashtag #whatgenderqueerlookslike, que, basicamente, uniu pessoas não-binárias que publicaram selfies para mostrar como são.
Na Índia, por exemplo, desde 2014 é crime a discriminação contra pessoas não-binárias, e, desde então, foi instituída uma terceira opção de gênero em documentos de identidade – o mesmo passou a ser válido no Nepal, no Paquistão e em Bangladesh.
Na Austrália, a terceira opção de gênero é válida desde 2011, e no Reino Unido é possível usar o título “mx”, que indica o gênero não-binário. Recentemente, um juiz de Oregon autorizou que Jamie Shupe, ex-mecânico do Exército, tivesse a identificação de não-binário em sua carteira de motorista. Ao que tudo indica, o que já é comum há séculos na Indonésia e provavelmente em pessoas do mundo todo em breve se tornará direito legal em mais partes do mundo.
O fato é que muitas pessoas não se identificam nem como homens nem como mulheres, e, partindo dessa lógica, parece-nos justo que elas tenham o direito de exercer essa identificação em documentos oficiais, se quiserem. O que você pensa a respeito?