Ciência
30/12/2021 às 12:00•2 min de leitura
Em 1999, uma descoberta realizada na fronteira entre Chile e Argentina evidenciou um dos casos mais curiosos da história dos registros documentais: o cadáver incrivelmente bem preservado de uma criança inca. Intitulado Donzela Llullaillaco — ou La Doncella —, o corpo de 500 anos detalhou a prática de sacrifícios humanos na antiga civilização pré-colombiana em um ritual conhecido como capacocha ou qhapaq hucha.
Segundo os pesquisadores da Universidade de Bradford (Inglaterra), La Doncella viveu durante o auge do Império Inca, entre os séculos XVI e XVII, e foi aparentemente sacrificada quando tinha, no máximo, 13 anos. Após a análise de fios de cabelo realizada por cientistas, determinou-se que a jovem passou cerca de 1 ano sendo preparada para o ritual, seguindo uma dieta à base de milho, carne de lhama, álcool e raiz de coca (usada para fabricar cocaína, atualmente), como um meio de fortalecer a comunicação com os deuses.
(Fonte: Flickr)
Em 433 anos de império, os povos incas praticaram sacrifícios infantis em larga escala, assim como maias, olmecas, astecas e teotihuacanas. Apesar de cada uma das sociedades ter seu propósito particular por trás dos métodos de oferendas humanas, boa parte delas tinha como responsabilidade o apaziguamento das divindades. As ofertas em carne e osso eram entregues para evitar desastres naturais (como fome e terremotos) ou marcar eventos importantes na vida de um Sapa Inca (um chefe), por exemplo.
Segundo o arqueólogo Andrew Wilson, da Universidade de Bradford, La Doncella integrava o seleto grupo das acillas, mulheres escolhidas pela sociedade, ainda na puberdade, "para viver longe de sua sociedade familiar sob a orientação de sacerdotisas". Essa participação na comunidade, além da condição de virgem, teria sido o principal motivo para que a criança Llullaillaco tivesse sido morta sem violência, sem qualquer sinal de medo ou apreensão que conflitasse com a serenidade no olhar exibida pelo cadáver.
(Fonte: National Geographic/Reprodução)
"Pelo que sabemos das crônicas espanholas, eram escolhidas mulheres particularmente atraentes ou talentosas. Na verdade, os incas tinham alguém que saiu para encontrar essas jovens para serem tiradas de suas famílias", disse a Dra. Emma Brown, da Universidade de Bradford, que fez parte da equipe de pesquisadores que analisou os corpos.
Outro detalhe que pode ter contribuído para que as crianças — a donzela e dois garotos encontrados no cume do vulcão andino — tenham morrido em paz foi o potencial anestésico das drogas consumidas. De acordo com historiadores, esse ato misericordioso seria o selamento de um destino mais humano à brutalidade do ritual em si.
Hoje, La Doncella e os restos de seus companheiros estão em exibição no Museu de Arqueologia de Alta Altitude em Salta, na Argentina, onde têm suas histórias contadas e permanecem cativando o público, especialmente considerando todo o contexto de suas trajetórias.