Artes/cultura
02/09/2022 às 09:05•3 min de leitura
Nos tempos de Brasil Colônia, a Bahia se mostrou a porta de entrada para o comércio, tendo a Baía de Todos-os-Santos e o Porto de Salvador como importantes meios de abastecimento, redistribuição e embarque de mercadorias para o continente americano, europeu e africano; também se transformando em um núcleo urbano muito receptivo à presença de estrangeiros.
Aqueles que não vinham fazer negócio, chegavam para construir uma vida na sede da província e no Recôncavo — ou pelos sertões da Bahia — visando construir fortunas ou exercer qualquer outro tipo de profissão.
Em 21 de agosto de 1822, no período crítico das movimentações que antecederam a Independência do Brasil, José Bonifácio de Andrada e Silva, assessor e ministro de Dom Pedro I, deu ordens secretas para que o major alemão Georg Anton von Schaeffer fosse à Europa em busca de colonos e soldados para um projeto imigratório que também ajudaria na causa da independência: a fundação de uma colônia alemã na Bahia.
Georg Von Schaeffer. (Fonte: Rodrigo Trespach/Reprodução)
A missão era urgente e as instruções recebidas por Von Schaeffer eram bem específicas sobre o perfil dos imigrantes que interessavam ao Brasil, a começar pelos soldados, que precisavam ser confiáveis, visto que o Império estava à mercê de uma contrarrevolução. Por isso, o perfil dos militares se mesclou com aspectos da conduta dos imigrantes, para que não houvesse suspeita.
Em um trecho da instrução de José Bonifácio, a colônia é mencionada como "rural-militar", composta por duas classes: uma de atiradores, sob o disfarce de colonos, que seriam transportados para o Brasil, onde deveriam servir como militares por 6 anos; e a outra de indivíduos puramente colonos, que teriam terras cedidas para que se estabelecessem, devendo servirem de militares apenas em tempos de guerra. Enquanto isso, a função deles estava concentrada no desenvolvimento do sistema de minifúndio e artesanato.
José Bonifácio de Andrada e Silva. (Fonte: O Globo/Reprodução)
José Bonifácio deixou claro que a colônia deveria ser montada com base na população de cossacos, que viveram na região da atual Ucrânia, caracterizada por povos de agricultores que treinavam para guerra.
Em 1821, Von Shaeffer já havia começado um trabalho similar nas proximidades do rio Peruípe, quando fundou a colônia de Frankental com algumas famílias alemãs, onde tentou plantar café sem a mão de obra escrava.
(Fonte: Histórias do Vale do Caí/Reprodução)
Nascido em 27 de janeiro de 1779, em Münnerstadt, na Alemanha, Von Schaeffer era perfeito para a missão porque foi o responsável por trazer para o Brasil os primeiros imigrantes alemães. Antes disso, ele estudou farmacologia em Wuzburg, concluiu seu doutorado em Medicina em Gottingen, e viveu por 4 anos na Rússia, onde chegou a trabalhar ao lado do czar Alexandre I, de quem recebeu o título de barão.
Após uma viagem exploratória que o levou para lugares como o China e Alasca, Von Schaeffer chegou ao Brasil em 1818, engatando uma amizade com a imperatriz D. Leopoldina ao presenteá-la com sementes exóticas que trouxe da Ásia.
Não demorou muito para que sua relação com José Bonifácio acontecesse, visto que ambos compartilhavam dos mesmos ideais liberais, eram inteligentes, persuasivos e tinham pensamentos fortes sobre cultura e política.
(Fonte: Gaz/Reprodução)
Com as instruções dele, Von Schaeffer viajou até a Europa para dar início à sua missão, que não saiu como planejado, isso porque o ideal revolucionário de D. Pedro I não era unanimidade na Europa. Von Schaeffer teve sua proposta recusada, sendo até expulso de alguns lugares, como aconteceu em Viena.
Percebendo as dificuldades e tendo que lidar com ordens e contraordens que recebia, chegando a ler do próprio D. Pedro I que enviasse 3 mil colonos solteiros para alimentar o Exército devido ao desespero causado pela tensão da independência –, ele aceitou a primeira proposta que o Grão-Duque de Mackelenburg-Schwerin o ofereceu: colonos sem-terras, artesãos desempregados e criminosos.
A essa altura, ele já lidava com os problemas diplomáticos do Brasil na Europa, a perda de um aliado com a saída de José Bonifácio do poder e a necessidade de enviar quanto antes os colonos. Tudo isso sem perder a discrição do plano.
(Fonte: Diário de Canoas/Reprodução)
No ano seguinte, os primeiros navios com imigrantes deixaram os portos europeus com destino ao Rio de Janeiro, onde aqueles que eram solteiros foram deixados para comporem um dos quatro batalhões de estrangeiros no Exército Imperial.
Os demais foram transportados para Nova Friburgo, em meados de maio de 1824, e só em julho que os imigrantes desembarcaram em São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, devido a um caos político.
Em 11 de novembro de 1826, a morte da imperatriz D. Leopoldina causou mais um duro golpe na missão de Schaeffer, ajudando a piorar a vinda dos colonos para o Brasil, principalmente porque as promessas feitas na Europa não estavam sendo cumpridas na bagunça que o país estava. Assim, foi fomentada a imagem de que Von Schaeffer não passava de um aventureiro mentiroso.
Por isso, o homem foi até processado por "tráfico de escravos" e "venda de almas". Com toda a perseguição e uma reputação de "traficante de carne humana", Von Schaeffer encerrou a missão e voltou à Alemanha em 1829, um ano antes de uma lei imperial impedir gastos com imigração, mas morreu na Bahia, aos 57 anos.