Vala de Perus: o cemitério clandestino com ossadas da ditadura militar

10/09/2022 às 11:002 min de leitura

Em 1988, Caco Barcellos começou a investigar homicídios praticados pela Ronda Ostensiva Tobias de Aguiar (ROTA). O resultado da pesquisa foi o livro Rota 66: a História da Polícia que Mata, onde o jornalista buscou identificar os mortos pela Polícia Militar de São Paulo.

Durante o levantamento, Barcellos encontrou alguns laudos com a letra “T” escrita em vermelho. Ao questionar funcionários do IML sobre o significado disso, ele descobriu que era uma marcação feita pelo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) para se referir a terroristas. Foi seguindo essa pista que o jornalista descobriu uma vala clandestina no cemitério Dom Bosco, no bairro de Perus, na zona norte de São Paulo.

A vala

(Fonte: Itamar Miranda/Estadão Conteúdo/Reprodução)(Fonte: Itamar Miranda/Estadão Conteúdo/Reprodução)

No dia 4 de setembro de 1990, a imprensa e a então prefeita de São Paulo, Luiza Erundina, ficaram sabendo da descoberta de Barcellos. Uma vala clandestina que havia sido usada pela ditadura militar para enterrar os corpos de presos políticos assassinados durante o período de repressão. Erundina determinou que fosse aberta uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara Municipal de São Paulo para descobrir a origem da vala e os seus responsáveis.

Na ocasião, a prefeita também decidiu que a responsabilidade de identificação das ossadas era do Departamento de Medicina Legal da Universidade de Campinas (Unicamp). Polícia Civil e IML tentaram reivindicar essa tarefa, mas Erundina não permitiu que isso acontecesse, temendo irregularidades em uma investigação feita por órgãos da polícia do Estado.

Os mortos

Memorial aos mortos encontrados na Vala de Perus. (Fonte: Arquivo EBC)Memorial aos mortos encontrados na Vala de Perus. (Fonte: Arquivo EBC)

Ao ser aberta, 1.049 ossadas foram encontradas na vala e encaminhadas à Unicamp. Até 2022, a investigação conseguiu identificar 40 possíveis mortos pela ditadura militar, sendo 35 homens e 5 mulheres. Destes, apenas cinco tiveram a identidade confirmada. Entre as ossadas não identificadas, haviam algumas de crianças e adolescentes, além de outros indigentes, possivelmente mortos — alguns com sinais de tortura — pelos "esquadrões da morte", grupos paramilitares com atuação semelhante às atuais milícias.

No dia 26 de agosto de 1993, Erundina solicitou que fosse feito um monumento aos mortos encontrados no local. Foi levantado um muro com a frase "Aqui os ditadores tentaram esconder os desaparecidos políticos, as vítimas da fome, da violência do estado policial, dos esquadrões da morte e, sobretudo, os direitos dos cidadãos pobres da cidade de São Paulo. Fica registrado que os crimes contra a liberdade serão sempre descobertos". 

A partir de 2014, foi criado o Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (CAAF), uma parceria entre a Unifesp, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania. Atualmente, o CAAF segue como o único órgão com essas atribuições no país. As investigações chegaram ao fim em 2022, mesmo com várias ossadas não identificadas. Atualmente o local recebe o nome de Colina dos Mártires.

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